O Tufão de Glória
Uma menina, salientou alguém, que larga a sua boneca para entrar no Carmelo, que morre aos 24 anos e é mais celebre no universo do que jamais o foi Napoleão: eis aí Teresa de Lisieux.
Teresa de Lisieux, como se diz Teresa d’Ávila, Francisco de Assis. Quem, pois, fora alguns turistas, conhecia Lisieux? É hoje, graças a Teresinha, estação interessante, cidade celebre, uma das cidades santas da terra. A pequena carmelita iluminou-a de um reflexo da sua glória.
A “pequena trilha”, que, só com ser seguida sem desviar, encontra-se com a trilha heroica, e depois com a trilha real, veio dar, portanto, na trilha triunfal. Mal a humilde menina exalou o último suspiro, a sua glória irradia, espontânea, refulgente, irresistível, impondo-se pelo esplendor e pelos benefícios, como a do sol, quando ascende no céu claro.
Dela se ilumina primeiro a sua comunidade. Ninguém duvida mais de que se contemplam naquela cama as relíquias de uma santa. Ela prometeu passar o seu céu em fazer bem na terra: quem terá as primícias dos seus favores?
Uma freira conversa que fora dura e ingrata para ela, sofria duma anemia cerebral; beija os pés do cadáver, encosta-lhes longamente a cabeça e sente-se curada. Eis aí quanto aos favores temporais.
Na ordem espiritual, a primeira intervenção foi para a Madre Maria de Gonzaga, a priora cujo espírito autoritário e temperamento desigual tinham muitas vezes exercitado a paciência de Teresinha. Tornou-se ela cada vez mais humilde e mansa, em seguida a uma graça cujo segredo guardou, mas que lhe fazia dizer, falando da defunta:
Na ordem espiritual, a primeira intervenção foi para a Madre Maria de Gonzaga, a priora cujo espírito autoritário e temperamento desigual tinham muitas vezes exercitado a paciência de Teresinha. Tornou-se ela cada vez mais humilde e mansa, em seguida a uma graça cujo segredo guardou, mas que lhe fazia dizer, falando da defunta:
“Oh! O que ela me disse!… Mas tão meigamente!”
Assim se vingam os santos.
É de uso, no Carmelo, dirigir a todos os mosteiros da Ordem pequena notícia biográfica sobre as religiosas falecidas. Estais lembrados daquela irmã conversa que dizia a propósito disso:
“Nossa Madre priora ficará bem embaraçada, porque essa freirinha, por mais amável que seja, não fez nada que valha a pena ser contado”
A Madre priora em absoluto não ficou embaraçada.
Mandou imprimir e ofereceu ao público, como as diversas casas do Carmelo, a História de uma Alma, isto é, as páginas em que Teresinha, por ordem de duas prioras sucessivas, tinha ela própria contado a sua vida. Escrevera isso nos seus raros lazeres, aos pedaços e ininterruptamente, sem plano e sem emendas, ao correr de pena, com toda franqueza e toda simplicidade. Os últimos capítulos foram traçados algumas semanas antes da sua morte, a lápis, com mão desfalecente que já não tinha força para molhar a pena no tinteiro. Mas justamente porque ela pusera nelas toda a sua alma, porque era ela que a gente sentia viver naquelas páginas, foi, nos Carmelos e no público, uma explosão de admiração, ou, para falar como Pio XI, foi “um tufão de glória” que se desencadeou rapidamente sobre o mundo inteiro e que dura ainda.
Em 1925, 27 anos depois da publicação desse livro, já se haviam esgotado 410.000 exemplares da edição francesa completa, e 2 milhões da edição resumida; enquanto no espaço de quinze anos foram lançadas através do mundo 35 traduções em diversas línguas. Aí está sem dúvida um grande êxito de livraria.
Eis agora grande êxito de simpatia e de confiança: na mesma data de 1925, o Carmelo já havia distribuído 30.388.000 retratos e 17.507.000 estampas-relíquias.
Vede aqui outro grande êxito, que dá a glória de Teresinha o seu verdadeiro colorido: a confiança que ela inspira faz rezar; o amor que proporciona faz agir.
Ao contato da sua alma, as almas têm vibrado, desejosas de imitá-la; as almas de boa vontade têm enveredado em multidão pela sua pequena trilha; as almas ardentes têm-na seguido na sua trilha heroica e povoado os claustros, enquanto na França, na Europa, na América, nas índias, no Japão, no centro da África, em toda parte, nas choças dos selvagens como nas nossas cidades ou nos nossos campos, nas trincheiras da grande guerra como nas celas dos conventos, vozes inúmeras proclamam as maravilhas alcançadas por sua intercessão. Os testemunhos impressos enchem 7 volumes in-8° de cerca de 600 páginas cada um.
“Ela não fez nada que valha a pena ser contado”, dizia a freira conversa. Cada vez se expressa menos essa opinião, e os historiadores, os teólogos, os literatos ainda não acabaram de contar sobre a humilde carmelita de Lisieux, coisas que os leitores continuam a achar interessantes. O nome de Teresinha num livro faz sempre “reclame”.
Mas essa glória que dão os homens, os homens acharam-na insuficiente. Por instinto, muito depressa, volveram-se para o Papa, para suplicar-lhe que pusesse na fronte de Teresinha a glória suprema que é neste mundo um reflexo da glória do céu.
“Pela idade de 10 ou 11 anos, escrevia Teresinha na sua História, pensando que eu tinha nascido para a glória e procurando o meio de chegar a ela, foi-me revelado interiormente que a minha glória consistiria em vir a ser uma grande santa”
Ora, Teresinha, neste mundo, costumava agir muito depressa. Com a sabedoria que escolhe o seu fito, tinha a força que realiza, e o amor que faz a força indomável. Aos quinze anos, mal grado todos os obstáculos, era carmelita. Aos 24 anos, era uma santa, como havia querido. No céu, conserva o seu feitio, age depressa, ou, pelo menos, Deus age depressa por ela. O hábito de Roma é agir devagar. Roma só aborda os preliminares da beatificação decorridos 50 anos. É prudência. Mas quando Deus fala demasiado claro, a prudência já não é cabível.
Ora, os milagres se multiplicam; o entusiasmo das multidões vai crescendo; as petições afluem à Roma dos quatro cantos do mundo. Deus fala; Roma faz ceder às regras. O Cardeal Vico, prefeito da Congregação dos Ritos, exclama:
“Temos que nos apressar, se não quisermos que a voz dos povos nos preceda”
Roma apressou-se. Em 1910, 12 anos após a morte de Teresinha, a Congregação dos Ritos autoriza o Bispo de Bayeux a encetar o processo. Em 1914, Pio X assina o decreto de introdução da causa. Em 1919, Bento XV autoriza a abertura dos debates sobre a heroicidade das virtudes, processo que se conclui em 1921. Depois, cabe a Pio XI apressar-se.
De feito, as últimas etapas são vencidas a passo vertiginoso. Em 1923? Três etapas decisivas: em fevereiro, a aprovação dos milagres; em março, o decreto que estatue poder-se proceder, com toda segurança, à beatificação; em abril, a beatificação. Dois anos mais tarde, em 1925, a canonização. Quatro irmãs dela viviam ainda no claustro; uma delas, Paulina, era priora do seu Carmelo de Lisieux. Com que emoção não deviam elas dizer:
“Santa Teresinha, rogai por nós!”
Pio XI continuou a agir depressa. Em 1927, proclamava Teresinha padroeira das missões e dos missionários, e estendia sua festa a todas as dioceses do mundo. Em 1928, aprovou um Ofício próprio especial. Não se vê verdadeiramente o que ele pudesse fazer a mais.
Quase não há mais de trinta anos que a pequena carmelita baixava ao túmulo. (Segundo a data do original francês).
Mas se, em regra geral, trinta anos de admiração são bem pouca coisa para emocionar a Igreja, são muitíssimo para não cansar a emoção do público. Pois bem! A emoção das multidões não se cansou. Saudaram com entusiasmo todas as etapas dessa ascensão para a glória.
Antes da beatificação, no dia em que transportam as relíquias do cemitério para o Carmelo, trezentos sacerdotes, um grupo de oficiais franceses de toda graduação, um piquete de honra do exercito americano, de baioneta calada, rodeiam o carro triunfal; 50.000 peregrinos seguem, por dois quilômetros, desfiando o Terço. O sol brilhava num céu límpido, parecendo associar o seu esplendor a essa glória.
Deus também lá está com o milagre: penetrante perfume de rosas envolve todos os assistentes. Uma moça paralítica, deposta adormecida sobre as relíquias, levanta-se curada. Um ferido da guerra mundial recupera subitamente, à passagem do carro, o uso das pernas e se junta ao cortejo. Uma jovem cega, postada junto ao Carmelo, recobra a vista para contemplar as santas relíquias a transporem as portas da Capela.
Alguns meses após a beatificação, Lisieux aclama de novo a sua Santinha. As relíquias encerradas numa urna de prata dourada oferecida pelo Brasil, ornada de lírios e de rosas brancas, passam triunfo através das ruas embandeiradas e floridas, pararam em todas as igrejas, escoltadas por 100.000 peregrinos, vindos de toda parte, vários dos quais, desta vez ainda, proclamam que o milagre os tocou para lhes curar as chagas do corpo ou da alma.
No dia da canonização, é o “tufão de glória”. Em São Pedro acotovelam-se 35 cardeais, 200 arcebispos ou bispos, 4.000 sacerdotes e 60.000 peregrinos privilegiados. Tanto quanto o Vasto recinto pôde conter. Quando o estandarte de Teresinha atravessa a basílica, as aclamações entusiásticas rolam em trovão por sob as abóbadas. Quando o Papa, cuja voz os alto-falantes ampliam, há pronunciado as palavras decisivas, todas almas se inclinam na veneração e na prece. À noite, por iniciativa de Sua Santidade, reatando uma tradição interrompida desde 1870, é o abrasamento feérico de São Pedro. Quinhentos mil espectadores lá estão, vindos de todos os pontos do mundo, misturando as suas aclamações àqueles esplendores de apoteose, e que repetirão a todos os ecos o nome de Teresa de Lisieux.
“Um tufão de glória”
Exaltavit humiles. É assim que Deus, quando lhe apraz, exalta os humildes. E é só a glória da terra. Que não deve ser, para a humilde carmelita, a glória do céu?
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