A Teoria
Sine me, nihil; omnia possum in eo qui me confortat: Sem Deus, nada posso; com Ele, posso tudo. Em outros termos, a desconfiança de si, a confiança em Deus: tais são os dois polos da vida cristã. Tal é também a “pequena trilha” de Teresa de Lisieux.
E “pequena” neste sentido que é acessível a todos, mesmo aos mais pequenos; que não requer nem grandes ocasiões, nem grandes obras; mas é só segui-la com magnânimo coração, para que conduza longe, até à santidade. “Nisso está o segredo da santidade”, declaram os papas. Ora, a santidade é uma forma, e a mais alta, do heroísmo. A “pequena trilha” é, pois, para os que o querem, a trilha heroica.
Tudo! Isto vai longe, e nada a assusta. Quanto mais pequena e fraca ela se sente, tanto mais confiança tem. Conta com o elevador divino. O seu papel é não sair dele e aspirar a subir, desejar tudo, para que Jesus, tocado da sua confiança, não lhe recuse nada.
O seu desejo de santidade, longe de ser fogo de palha, aviva-se, despedindo a todo instante chispas, abrasando-lhe cada vez mais toda a alma; e, dois anos antes da sua morte, deixa cair da pena páginas que parecem escritas com fogo. Cito, abreviando:
“Ó meu Bem-Amado! Perdoai-me se tresvario, querendo repetir os meus desejos, que tocam ao infinito… Ser Vossa esposa, ó Jesus, ser carmelita, ser, por minha união convosco, mãe das almas, tudo isto deveria bastar-me. Entretanto, sinto em mim outras vocações. Sinto a vocação de guerreiro, de sacerdote, de apóstolo, de mártir!”
De guerreiro:
“Quisera realizar todas as obras heroicas. Sinto a coragem do cruzado; quisera morrer no campo de batalha pela defesa da Igreja”
A vocação de sacerdote:
“Com que amor, ó Jesus, vos traria em minhas mãos, quando a minha voz vos fizesse descer do céu! Com que amor vos daria as almas!”
A vocação de doutor, de apóstolo:
“Quisera esclarecer as almas. Quisera percorrer a terra, pregar o Vosso nome e plantar no solo infiel a Vossa cruz gloriosa… Mas uma só missão não me bastaria. Eu as quereria todas há um tempo e desde a criação do mundo até a consumação dos séculos”
A vocação de mártir:
“Ah! Esta sobretudo! O martírio! Eis o sonho da minha juventude. Esse sonho cresceu comigo na estreita cela do Carmelo. Mas, não desejo só um gênero de suplício; para me satisfazer, ser-me-iam precisos todos”
E, sem tremer, pormenoriza-os:
“Abri, ó meu Jesus, acrescenta ela, o Vosso livro de vida, onde estão relatadas as ações de todos os santos; essas ações, eu as quisera ter realizado por Vós”
Tudo! Ela escolhe tudo.
Eis aí bem o heroísmo no desejo. É difícil levá-lo mais alto.
Mas não se realizam ao mesmo tempo os contraditórios. Não se pode ser simultaneamente sacerdote e monja carmelita, missionário na Oceania e entre os esquimós. Não se pode viver todas as vidas e morrer de todas as mortes. De que modo Teresinha fez a unidade nesse caos; como discerniu o desejo profundo e único que era a fonte, a mola de todos os seus desejos dispersos, vê-lo-emos mais adiante. Digamos imediatamente que o seu firme bom senso a preservou das quimeras. Em vez de ansiar pelo impossível, em vez de aguardar as ocasiões extraordinárias, que verossimilmente não viriam, foi nas coisas insignificantes de que toda a vida é feita, foi na pequena trilha que ela buscou a santidade, pondo nisso toda a alma.
Há, com efeito, dois modos de ser grande; um, dando a própria alma à medida das grandes coisas; outro, dando às pequenas coisas a medida duma grande alma. Um consiste em fazer com simplicidade as coisas grandes, com o que a gente se lhes mostra ao nível; outro consiste em fazer grandemente as mínimas, com o que as eleva a gente à sua altura. O primeiro método depende das ocasiões; o segundo só depende de nós e da graça, que Deus não recusa. Era deste que Teresinha, no plano divino, nos devia oferecer o modelo.
Falando da temporada no colégio, uma das suas antigas mestras sentenciou:
“Ela não fez nada de extraordinário, mas fez tudo extraordinariamente bem”
Assim foi até á morte. Maxima in minimis: nada mais que pequeninas coisas, porém feitas grandemente.
O martírio! Sim, sonhara sempre com ele, mas “o martírio a alfinetadas”, esse que os outros não veem. Nada que atraia os olhares, que a faça sair da fila e a ponha em relevo. Os pequenos não fazem volume.
A uma noviça que se felicitava de ter conseguido fazer adotar a sua ideia, ela retrucava:
A uma noviça que se felicitava de ter conseguido fazer adotar a sua ideia, ela retrucava:
“Ah! Você está no fazer valer! Eu, eu me preservo sempre de usar esse ofício!”
E nunca o usou. Na sua vida religiosa, a regra, a vida comum sem adição nem subtração. Ela não reclama exceções a Deus mais que as suas superioras. Como lhe falassem de consolações espirituais, de visões e revelações, perguntando-lhe se isso não a tentava, contesta ela:
“Oh! Não, absolutamente: não desejo ver o bom Deus na terra, e, no entanto, O amo!”
Uma noviça aventura-se a interpelá-la:
“Amastes tanto o bom Deus que Ele fará por vós maravilhas: havemos de achar vosso corpo sem corrupção”. — “Oh! Não, não quero essa maravilha, seria sair da minha pequena trilha de humildade; é preciso que as pequenas almas não me possam invejar nada”
Ao menos, morrer em beleza, depois da comunhão, em dia de grande festa!
“Oh! Isso não se pareceria com a minha pequena trilha. Eu sairia assim dela para morrer! Na minha pequena trilha, só há coisas comuníssimas. É preciso que tudo o que tenho feito as pequenas almas também possam fazer”
“Coisas comuníssimas”, nada que os outros não pratiquem ou não possam praticar. Em resumo, a vida quotidiana, uma humilde vida como toda gente, no desenrolar monótono dos deveres pequenos, das dificuldades mesquinhas, dos sacrifícios minúsculos: eis aí o quadro.
E ela mostrou que nesse quadro pode-se pôr, pondo-lhe toda a alma, o heroísmo que faz os santos.
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