Nesse quadro da vida comum Teresinha colocou, já o sabemos, o fundamento da humildade. E a humildade, no grau a que a levava, é heroísmo.
Se duvidais, fazei a experiência. Nada vos impede. Podeis sempre conseguir tomar o último lugar e conservá-lo. Há tão poucos que o disputarão! Não é contra os outros que tereis de lutar, mas contra ti mesmo. E para vencer a ponto de aceitar, de procurar a humilhação, o esquecimento, vereis bem que o heroísmo não é por demais.
“O bom Deus, foi dito no processo de canonização, mostra tanto poder na criação dos infinitamente pequenos como dos infinitamente grandes, e parece que Soror Teresinha lhe desvendou justamente a força na multiplicidade de atos pequenos e microscópicos, se assim nos podemos exprimir”
Atos microscópicos, mas incontáveis, e que se repetem a cada instante, e que, pela repetição e continuidade, exigem tão enorme dispêndio de energia quanto os grandes rasgos com que se ilustram os heróis.
Para os grandes rasgos há que aguardar as circunstâncias, que são raras. Conforme afirma Réné Bazin, “temos três ou quatro vezes na vida ensejo de ser bravo; temos todos os dias — e em toda a extensão do dia — ensejo de não ser covardes”. A gente afrouxa, quando cessa de segurar. E a primeira coisa que o homem deve segurar é a si mesmo. Deve-se segurar para fazer a sua unidade, para se alçar acima dos instintos, para se conduzir ao dever, à perfeição, subindo pela trilha de maior resistência. Se deixa-se escorregar no declive, rolar em baixo e desagregar, não se segura, afrouxa, e é, portanto, um covarde.
Teresinha teve horror à covardia. Teve o cuidado de se segurar para ser senhora de si, de se possuir para fazer tudo, sempre, como Deus queria e com perfeição. Trabalhando para tal amo, não tolerava nem a hesitação, nem o mais ou menos. E para estar certa de não ser covarde, mostrava-se brava em tudo; para estar certa de não escorregar, forçava-se a subir sempre.
Criança ainda, já sabia vencer-se. Nos três meses que precederam a sua primeira comunhão, fazia a conta dos seus sacrifícios: uma media de trinta por dia. No colégio, as professoras testemunham que ela foi duma “mortificação de todos os instantes”. Nas menores coisas, duma “fidelidade minuciosa ao regulamento, duma fidelidade heroica”, que não se desmentia nem mesmo em face da turbulência geral das companheiras. Ela mesma convém que nunca faltou ao silêncio. Um nada: mas esse nunca!
Falando dos meses que precederam a sua entrada no Carmelo, ela escreve:
“Longe de me parecer com as belas almas que, desde a infância, praticam toda espécie de macerações, eu fazia unicamente consistir as minhas em quebrar a vontade, em conter uma palavra de replica, em prestar pequenos serviços à volta de mim, sem os fazer valer, e mil outras coisas desse gênero”
E confessa ter feito progressos pela “prática desses nadas”.
Assim prosseguiu, com mais ocasiões ainda e com incrementado fervor, uma vez no Carmelo. Dizia, mais tarde, as suas noviças, “cada uma devia agir como se a perfeição da ordem dependesse do seu comportamento pessoal”. Era assim que agia quanto a si.
Mas esses “mil nadas” valem pelo número, e o número torna-lhes impossível a enumeração. Digamos em globo que, em todas as virtudes religiosas, em todas as miúdas observâncias, Teresinha requinta o dia todo. E demos alguns exemplos:
Como os outros, tem ela antipatias instintivas: as pessoas que lhas inspiram são tratadas de tal sorte que imaginam ser-lhe as melhores amigas, a ponto de suas próprias irmãs terem a tentação de ficar enciumadas.
A sua pobreza economiza não só uma pena, um fósforo, uma ponta de papel, mas ainda o menor minuto de tempo, que tem escrúpulo de perder!
Sobre a obediência, deixemos ela própria contar-nos:
“Durante o meu postulado, a nossa mestra ordenara-me avisá-la toda vez que eu, tivesse dor de estômago. Ora, isso me sucedia todos os dias e esse mandamento foi para mim um verdadeiro suplício. Quando o mal me acometia, preferiria cem pauladas à obrigação de ir dizê-lo; mas, não obstante, o dizia a cada vez por obediência. A mestra das noviças, que não se lembrava mais da ordem dada por si, externava-se então: ‘Minha pobre menina, você nunca terá saúde bastante para seguir a Regra; é muito forte para você’. E lá se ia a pedir remédios para mim a madre Prioresa, que, admirada e descontente com o relato das minhas confissões quotidianas, replicava vivamente: ‘Essa menina está sempre a se queixar! Se não pode suportar os seus males, o lugar dela não é entre nós’. Continuei, porém, por muito tempo ainda, por pura obediência, a revelar as minhas dores de estômago, com risco de ser despedida, até que enfim o bom Deus, apiedando-se da minha fraqueza, permitiu que me exonerassem da obrigação de fazer essa confissão”
Evidentemente, é esse apenas um desses mil nadas de que ela fala; no entanto, esses nadas, justamente porque são mil, acabam por fazer massa. Oh! É sempre e apenas o “martírio a alfinetadas”, pouco reluzente; porém, acaba por tirar, senão tanto sangue das veias, ao menos tanta energia, tanto heroísmo da vontade, quanto o martírio a cutiladas.
Os homens não veem nada disso ou só lhe veem aparas. Deus vê, com o presente, o passado e o futuro, o dom total da alma que, em cada uma das suas diminutas ações, se entrega em holocausto.
Pio XI dizia, em magnifica linguagem:
“O mesmo Deus que lança no espaço, reguladas com harmonia maravilhosa, as moles imponentes dos mundos, talha também, no segredo da rocha, as facetas dos cristais, que não dizem menos eloquentemente a perfeição da sua sabedoria; a mesma mão que suscita os gigantes da vida, na terra e nos oceanos, forma igualmente os invisíveis organismos dos infinitamente pequenos. Da mesma forma na ordem sobrenatural. Para nos cingirmos aos últimos centenários, o mesmo Deus que suscita esses gigantes da santidade e do apostolado que foram Santo Inácio e São Francisco Xavier, por trás dos quais se erguem sempre, resplandecentes no horizonte da vida espiritual, as figuras incomparáveis de Pedro e de Paulo, de Atanásio, de Crisóstomo, de Ambrósio e de Carlos Borromeu, o mesmo Deus que se revela neste momento a nós como Aquele que, com amor infinito, formou em segredo, qual uma miniatura primorosamente fina de santidade perfeita, essa humílima, pequenina e tão virginal menina”
“Uma miniatura”, sim, pelo finito da minúcia; mas não uma santidade mesquinha.
O que é que dá mais a sensação do infinito? Os infinitamente grandes ou os infinitamente pequenos? Não sei.
Quem foram os mais heroicos, os couceiros de Reischoffen pulando, numa hora sublime, de espada em punho, de bandeiras desfraldadas, a toque de clarins, na luz, oferecendo o peito a metralha? Ou os “poilus” de Verdun, soterrados de longas semanas, invisíveis, imóveis na sua trincheira, na lama, tiritando de frio, sem outra esperança que a de resistir debaixo do furacão das bombas?
Quem foi mais heroico, Francisco Xavier percorrendo o mundo a passos de gigante, ou a pequena carmelita caminhando na sua pequena vereda? O Papa não o ousa dizer. Compara-os, porém, e isto basta para proclamar heroica a pequena trilha de Teresinha.
E de qual exemplo precisávamos mais? Quem é que nos dá a lição mais prática e mais animadora? Sem dúvida alguma, é Teresinha.
Os gigantes, a gente os admira, não os imita; ou, em querer imitá-los, arrisca-se a perder o seu tempo. Bem se quer ser um herói, mas herói em disponibilidade. Aguarda-se o chamado da ocasião que, geralmente, não vem; ou, se vem, sente-se falta de treino, hesita-se; remancha-se bastante em auto-sondagens para deixá-la passar. Mas os atos diários, as coisinhas inúmeras de que a nossa vida é feita: eis aí outras tantas ocasiões de não ser covarde, de desempenharmos o nosso ofício de homem e de cristão.
E é aí, na vida que nos dá a viver, que Deus nos espera. Por mais humilde que seja, por mais vulgares os atos de que lhe é feita a trama, essa nossa vida é para nós o caminho do céu. Acolhamos, se eles veem, os grandes deveres, as obras de destaque, e não lhes tenhamos medo adiantadamente. A cada dia basta a sua pena, a cada pena bastará a sua graça.
Não esqueçamos a lição de confiança que Teresinha nos dava em outro capítulo! Neste aproveitemos da lição de força — e de bom senso — que ela nos dá. Empreguemos a nossa vida quotidiana: tiremos dela, a seu exemplo, o máximo de rendimento! Saibamos, também nós, na medida da nossa graça e da nossa coragem, fazer grandemente as mais pequenas coisas!
É uma resolução ao alcance de todos, e pode levar-nos longe.
“Nisso está o segredo da santidade”
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