quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017

VI- REMÉDIOS PARTICULARES. DIREÇÃO DOS ESCRUPULOSOS


Para usar com vantagem dos remédios particulares, cumpre opô-los às diferentes fontes dos escrúpulos; cumpre também estudar os defeitos, os subterfúgios, as aparências, os artifícios, as aflições dessas pobres almas, entrar em argumentação com elas, escutar-lhes as penas, esclarecê-las, dirigi-las, sustentá-las por sábios con­selhos. É o que vamos fazer nos diversos parágrafos deste capítulo.

Os principais objetos de escrúpulos, co­mo dissemos, são as orações, as confis­sões, as correções fraternas, os motivos das próprias ações, a predestinação, as tentações, as comunhões. Ora, vejamos os remédios que é preciso aplicar a cada um destes males.
1.º As orações. — Quando é a respeito das suas orações que o escrupuloso é atormentado, cumpre primeiramente explicar-lhe em poucas palavras o que é a oração, em que consiste, e o que Deus exige de quem ora; depois disto, deve-se representar-lhe que, querendo aplicar-se de mais e dilatar a cabeça, em vez de evitar as distrações a pessoa as multiplica, torna-as mais incômodas, e coloca-se na impossibi­lidade de orar. Este temor perpétuo de que a pessoa é empolgada, tiraniza, desa­nima, inquieta, e faz perder de vista o objeto e o fim da oração. Deve-se, pois, mudar de rumo, visto agir-se em pura perda e não se fazer senão gerar distra­ções ao invés de as dissipar.

Que partido deve tomar aqui o escrupu­loso? Nenhum outro senão o das pessoas sensatas e esclarecidas: contentar-se com uma atenção segundo as suas forças, sem constrangimento, contentar-se com uma boa vontade; fazê-lo com calma, em pre­sença de Deus, de vez, sem rebuscar-se se fez bem, se se cumpriu bem o próprio de­ver, se não se esteve distraído, dissipado, etc.

Cumpre representar ao escrupuloso que ele estaria em grande erro se se persua­disse de que uma pessoa não é agradá­vel a Deus porque, na oração, não tem nem o coração nem a mente calmos e tranquilos. A boa vontade para se desobri­gar bem dela, a dor que se sente de não poder fazer melhor, o cuidado que se em­prega em banir as distrações, a humildade, a obediência, eis o que é agradável a Deus e supre as faltas de perfeição das nossas orações. E, para nos tranquilizarmos neste ponto, não temos o exemplo dos santos? eles não foram afligidos pelas mesmas pe­nas, pelas mesmas dificuldades, sem dei­xarem de ser santos e agradáveis a Deus? Percorrei a vida deles, e vereis que eles fizeram essas dificuldades e essas penas servir à sua santificação, e fizeram delas um merecimento pela paciência.

Proibição, pois, ao escrupuloso, para se desfazer das suas inquietações, de repetir suas orações, ou o seu oficio, ou qualquer outro exercício de piedade, de qualquer obrigação que seja, por isto que, supondo mesmo haver às vezes negligência de sua parte, não há lei que obrigue a tal repe­tição tão onerosa e tão danosa... Cumpre que o escrupuloso se contente, como dizia Santa Teresa, com desprezar as suas dis­trações, sem ocupar a mente com elas; com continuar as suas orações sem pen­sar que é distraído, sem examinar nem o que foi que causou as suas distrações, nem se se ocupou delas, e ficar bem persuadido de que elas não são nem voluntárias nem culpadas, e isto enquanto ele se incomo­dar de sofrê-las.

Por seu lado, deve o confessor regular os exercícios de piedade dessas pessoas, com medo de que elas não se sobrecarre­guem demasiadamente deles; não lhes deve dar em penitência longas orações vo­cais, nem lhes permitir facilmente entrar em várias confrarias particulares. Deve-se também interdizer-lhes absolutamente to­das as práticas singulares, votos, resolu­ções exageradas, etc., sem a permissão expressa do confessor.

2.º Confissão. — Todos sabemos que o grande tormento dos escrupulosos é a confissão. Eles criam mil quimeras, mil torturas sobre as suas confissões passadas, sendo sempre perseguidos pela idéia de recomeçar. Ora, como esses temores in­cessantes sobre as confissões passadas qua­se sempre só se apoiam em razões frívolas e não têm fundamento sólido, não se deve permitir aos escrupulosos voltar sobre as confissões passadas: essas repetições não trariam nenhum remédio ao mal, e pode­riam ter graves inconvenientes. A reite­ração das confissões dos pecados já con­fessados não é, para essas pessoas, um meio de progresso; pelo contrário, detém-nas, desanima-as, abate-as, e acaba por fazê-las abandonar tudo. Isto posto, não deve o confessor render-se aos desejos de­les de reiteração de confissão, a menos que tenha fundamento para crer que, ten­do levado uma vida desregrada ou tendo vivido na ignorância, os escrupulosos tenham cometido faltas nas suas confissões passadas; mas a ele é que compete ajui­zar disso, e não aos penitentes.

Não deve permitir-lhes um longo exa­me de consciência, nem escrever a sua confissão, mas fazê-los confessar de me­mória, e obrigá-los a ficar tranquilos ain­da mesmo quando pensassem ter faltado alguma coisa à integridade da confissão, pois a experiência prova que um longo exame e uma confissão escrita lhes são muito nocivos, fomentando-lhes e aumen­tando-lhes a penas de consciência por meio de rebuscamentos e de reflexões que a fraqueza do estado deles não pode com­portar. Aliás, são meros pecados veniais que são objeto de todas essas investiga­ções; ora, não sendo esses pecados maté­ria necessária de confissão, é inútil fazer deles, para si mesmo, um instrumento de suplício.

O confessor advertirá o seu penitente de que, havendo uma vez declarado os seus pecados de maneira inteligível, tanto quan­to o podia fazer razoavelmente, não deve mais repetir a acusação deles, a pretexto de poder não ter sido compreendido; porquanto, se isto fosse verdade, o con­fessor teria pedido uma explicação. Do mesmo modo, quando o confessor houver declarado que tal coisa não é matéria de confissão, não deve mais permitir ao penitente falar-lhe dela, consoante esta bela máxima de S. Bernardo: “Nas coisas que não são abertamente contra Deus, deve­mos escutar, como sendo o próprio Deus, aquele que consideramos como seu vigá­rio”. Tão pouco permitirá o confessor ao escrupuloso voltar sobre dificuldades que ele tiver uma vez resolvido.

Terminada a confissão, não deve mais o escrupuloso ocupar-se dela; não deve perder o fruto da absolvição atormentan­do-se sobre os pecados esquecidos; e, se ele quiser apresentar-se de novo ao tribunal, deve o diretor absolutamente recusar ou­vi-lo.

Quando se trata de bons escrupulosos, que temem incessantemente haver pecado gravemente, é oportuno, para tranquilizá-los e instruí-los, enviá-los a comungar sem lhes dar a absolvição, não obstante as suas dúvidas e alguns pecados veniais.

Não falaremos da contrição, que tam­bém é um motivo de novas perplexidades. Como não é ao penitente, que só julga pe­lo que é sensível e pelo que o impressiona, que compete discerni-la, mas sim ao con­fessor, este bem sabe por que meios e por quais efeitos pode reconhecê-la.

3.º Caridade, a correção fraterna. — Sobre este ponto os escrupulosos incidem em mil erros ridículos; chegam até a acusar-se de não estenderem a sua cari­dade aos animais. De que é que eles não se julgam culpados para com seus irmãos, seus amigos e seus inimigos! Por isto, ca­da palavra pronunciada nas suas visitas e nas suas conversas, cada notícia ouvida a respeito do próximo, cada maledicência escutada, torna-se uma fonte abundante de pensamentos e de agitações; eles acre­ditam sempre haver falado mal de outrem, escandalizado, revelado os defeitos do pró­ximo, achado prazer nas maledicências. A correção fraterna faz-lhes temer também mil pecados, causa-lhes mil incertezas.

Se o penitente escrupuloso não for ins­truído, é preciso instruí-lo sobre o pre­ceito da caridade e sobre os deveres que ela impõe; se já o for, cumpre examinar se ele é realmente culpado ou se não é; uma vez conhecida a sua posição, cumpre explicar-lha, traçar-lhe para o futuro a sua regra de conduta, à qual deverá con­formar-se, ou então não será mais escu­tado sobre esta matéria.

1.º Importa fazer-lhe compreender bem que só se é obrigado à correção fraterna quando há motivo de esperar que ela será útil, ou que ao menos o próximo não fi­cará ofendido com ela; 2.º, que ele não deve afastar-se da conveniência cristã e permitir-se corrigir aqueles que, pela sua superioridade, posição ou idade, não estão sujeitas a essas observações; 3.º, que, an­tes de falar, cumpre estar seguro de que a falta foi cometida, de que vale a pena corrigi-la, e de que a correção não produ­zirá efeito contrário; 4.º, que é preciso, antes de tudo, que a caridade nos leve a desculpar, a dissimular os defeitos do pró­ximo, e moderar um zelo não raras vezes demasiado ardente e pouco esclarecido; 5.º, que é melhor avisar sobre o caso alguém que esteja no direito e na posição de fazer a correção fraterna, do que corrigir por si mesmo, se a necessidade não o exigir. Assim, cabe de preferência a um pai cor­rigir seus filhos, a um superior repreender seus inferiores, a um patrão exercer a vi­gilância sobre seus empregados, etc.

Quanto à maledicência, cumpre repre­sentar ao escrupuloso que muitas vezes ele faria mais mal do que bem em que­rendo impedi-la, que tornaria a piedade ridícula, e que muitas vezes acreditaria, sem razão talvez, haver maledicência on­de não a há. Deve-se, pois, concitá-lo a só frequentar sociedades cristãs, bem re­guladas, caridosas, de boa educação; que, em todo caso, basta que ele não preste ouvido à maledicência, que não tome par­te nela, que o prove pelo aspecto do seu rosto, que se retire se preciso, e que dê como lição, às sociedades malignas, a sua ausência.

Quanto ao exercício da caridade, esta virtude não nos obriga a graves inconve­nientes; para salvar a reputação do pró­ximo, para impedir um dano, para reparar um erro, é preciso que a obra seja da nos­sa competência, conforme à nossa condi­ção, faça parte dos nossos deveres, para então se ser obrigado a exercê-la.

Deve, pois, o confessor tranquilizar o escrupuloso, refutar-lhe todas as dúvidas, todos os pretensos juízos temerários, to­das as pretensões e maledicências, e só as escutar quando tiver razão para crer que há aí pecado.

4.º Motivos das ações, sobretudo das que são indiferentes ou de conselho. — Se aca­bam de dar esmola, os escrupulosos imagi­nam ter sido levados a isso por um moti­vo de vaidade; se fizeram uma correção, receiam tê-la feito por cólera; se comem, é por sensualidade; se faltam à missa um dia na semana, é por preguiça; se são fer­vorosos na igreja, é para serem vistos e notados pelos outros; já não ousam, mes­mo, permitir-se as coisas mais lícitas e mais inocentes, como o passeio onde são encantados pelas belezas da natureza, pelo atrativo das flores, pelo seu perfume, etc.

O meio mais curto de se desfazer desses pensamentos é desprezá-los, é agir com liberdade e confiança. Os motivos aparentes dessas ações não são os verdadeiros motivos delas; não passam de quimeras, de vãos terrores, de pensamentos extremados, exagerados; e, mesmo quando esses moti­vos entrassem, em parte, nas nossas ações contra a nossa vontade, sendo a intenção primária agradar a Deus e glorificá-lO, a ação não perde da sua bondade e do seu merecimento aos olhos d’Ele.

Quanto à pureza de intenção, sabemos que é, sem dúvida, uma coisa muito im­portante que decide do valor das nossas obras e que reclama a nossa vigilância e aplicação. Mas como devemos proceder so­bre este ponto para não cairmos em ex­cessos perigosos? De nenhum outro modo senão conforme fazem as pessoas verda­deiramente cristãs, instruídas, prudentes e solidamente piedosas. Ora, qual é a re­gra dessas pessoas? É que essa aplicação na orientação das nossas intenções deve ser calma, tranquila, confiante. É que, quando uma pessoa ofereceu a Deus suas ações desde a manhã com uma intenção pura, quando a renova algumas vezes, não é mais necessário, a cada ação destacada, perguntar-se se renovou a intenção, se ela era boa, nem proibir-se tudo o que há de mais inocente, e mesmo de necessário pa­ra a saúde, para a naturalidade de uma piedade bem feita, bem compreendida.

De que serve pensarmos que não fazemos nada de bom, nada por bons motivos, que todas as nossas obras são estéreis, inúteis, merecendo a condenação, senão para tirar a nós mesmos toda a força, toda ener­gia, e para nos abeberarmos de angústias e de amarguras?

Cada um deve agir segundo seu alcance, sua vocação, e segundo a trilha pela qual Deus quer conduzi-lo; o meio sábio para isso é, pois, evitar os extremos e não se entregar a pretensões que às vezes só fa­zem é preparar enormes quedas.

Finalmente, deve o confessor represen­tar ao escrupuloso que ele não está e nem pode estar atualmente nesse estado de perfeição extraordinária; que, dada a sua doença, a fraqueza do seu espírito, a de­licadeza da sua consciência, ele não está obrigado a aplicar tanto cuidado quanto outros ao cumprimento de seus deveres; que Deus não exige aquilo que está acima das nossas forças; que é preciso saber hu­milhar-se e mortificar-se naquilo que não se pode fazer melhor, e que, sendo suave e leve o jugo do Senhor, não se deve torná-lo insuportável exagerando as vontades de Deus.

5.º O pensamento da predestinação. — Esta espécie de escrúpulo é, de todas, a mais desoladora e a mais extravagante ao mesmo tempo: a mais desoladora, nisto que destrói a esperança cristã nos cora­ções e torna estes infelizes; a mais ex­travagante, porque só vê abismos, horrores, perigos, lá onde não os há, e lança a pes­soa na consternação e no desespero. Essa idéia de ser reprovado tira ao escrupulo­so todas as suas forças, desnatura nele o pensamento de Deus, envolve-o num som­brio manto de luto e de trevas; ele não compreende o mistério da predestinação, quer sondá-lo, perscrutá-lo, e a sua pro­fundeza esmaga-o, a cabeça lhe tonteia, e ele se crê como um desgraçado à beira de um precipício sem fundo, prestes a cair nele a cada instante. Cumpre absolu­tamente interdizer a semelhante escrupu­loso toda reflexão sobre esse mistério pro­fundo, dar-lhe depois altas idéias da bon­dade e da misericórdia de Deus, ostentar diante dele as riquezas dos merecimentos de Jesus Cristo, fixar-lhe a atenção sobre a esperança cristã, que nunca confunde os que a trazem no seio: Spes non confunait (Rom 5, 5); provar-lhe que a fal­ta de esperança é o maior obstáculo à piedade, à oração, ao espírito de gratidão, ao amor de Deus, e uma fonte de tenta­ções perigosíssimas.

Cumpre concitá-lo a comportar-se co­mo se estivesse seguro de ser predestinado à glória; a tornar certa essa pré-eleição pelas suas virtudes, como o diz S. Pedro (1, 1, 10), a agir na ordem espiritual como se age na ordem natural. Qual é o lavrador a quem a incerteza da colheita impede de semear suas terras? qual o doente que recusa empregar os remédios por não es­tar seguro da cura?

Cumpre, enfim, refutar as suas preten­sas tendências invencíveis para o mal, e a sua pretensa impotência para o bem, di­zendo-lhe que “o reino dos céus sofre vio­lência, e só os que se fazem violência é que devem vir a obtê-lo um dia” (Mt 11, 12).

6.º As perguntas perigosas e as tentações. — O escrupuloso não se limita a ser o jo­guete da sua cegueira e dos seus vãos temores; vai até o ponto de armar cila­das a si próprio. Faz a si perguntas pe­rigosas; suscita tentações difíceis. Que fa­ria eu, — diz ele, muitas vezes, a si mes­mo, — se me achasse em tal ou tal caso? se me falassem assim ou assado? se eu me achasse em tal conjuntura? Estaria disposto a cumprir o meu dever, a afron­tar tudo, a fazer até mesmo o sacrifício da minha vida?

Vêm em seguida as tentações em que ele receia sempre consentir, que não repele bastante depressa, nas quais acredita ha­ver-se comprazido. Ora, sobre estes dois pontos, eis aqui a regra dos homens sen­satos: 

1.°, é preciso declarar-lhe que isso são verdadeiras sugestões do demônio, e que ele deve resistir-lhes com todas as suas forças; que é preciso deixar de lado todas essas perguntas perigosas, não se prestar aos desígnios do inimigo, respon­der ao tentador que não teme nada, que não teme a ele, que o socorro de Deus nos basta, que não temos nenhuma re­lação com ele, e que toda a nossa cons­ciência está em Deus em tudo e para sempre. 2.° Deve-se fixar bem o escrupu­loso sobre a diferença que existe, na ten­tação, entre o sentimento e o consenti­mento. O sentimento não depende da nos­sa vontade, ao passo que o consentimen­to depende. O sentimento nunca pode tor­nar-nos culpado, só o consentimento o faz. Basta, .pois, não consentir, para não se ter nenhum receio no meio das mais for­tes tentações.

Dizem os autores da Ciência do confes­sor que há escrupulosos cuja imaginação é às vezes cheia de pensamentos abominá­veis contra Deus, contra a humanidade de Jesus Cristo, contra os mais santos misté­rios; esses escrúpulos os agitam com tanta violência, que lhes parece que eles profe­rem blasfêmias. Depois de haverem esses pensamentos e essas loucas imaginações rolado algum tempo na mente deles, eles querem repeli-las; porém não raras vezes eles aumentam e se lhes imprimem tão for­temente, que eles acreditam haver con­sentido neles, e se consideram como aban­donados de Deus por causa dos seus pe­cados passados. Às vezes parece-lhes que eles querem abandonar a piedade e a prá­tica exata da vida cristã, porque a imagi­nação pode representar todas estas coisas: pensamentos, atos da vontade, palavras, sensações, de sorte que os escrupulosos se enganam nisso.

Cabe ao confessor ajuizar disso, e po­de-o considerando as habituais disposições deles, a dor que eles sentem no meio das tentações e dos combates; enfim, pode-o pelos efeitos exteriores, pois então verá se é só pura imaginação, ou se houve algo de voluntário.

Certo que é sobretudo para com essas espécies de escrupulosos que o confessor deve usar de paciência, de doçura, de compaixão, que deve sustentá-los e con­solá-los; pois eles são infinitamente para lastimar, e sõ o confessor pode curá-los.

Deve este incutir-lhes bem que não há pe­cado onde não há vontade, que não há vontade onde só há horror e detestação; que é preciso desprezar essas tentações, em vez de se esforçar por combatê-las; que é preciso prosseguir como se nenhu­ma tentação houvesse sobrevindo, e ter o cuidado de elevar a mente para Deus, pe­dindo-lhe proteção e socorro.

Se as tentações versam sobre a castida­de, é preciso usar com elas do mesmo pro­cesso, desprezá-las, passar adiante, não lhes dar atenção; velar sobre os sentidos, temer o perigo, fugir deste tanto quanto possível, e lembrar-se de que o demônio da impureza não passa de uma criança para todos os que o desprezam, mas é um gi­gante para os que o temem. Assim, longe de procurar lembrar-se de uma tentação contra a castidade, quando ela já passou, para ver se consentiu nela, deve-se re­pelir-lhe a simples idéia; pois seria cons­tituir-se voluntariamente em grande peri­go, fazendo reentrar na mente pensamen­tos que fizeram sobre ela uma impressão viva. Lembre-se, pois, bem o escrupuloso de que a prudência não permite um longo exame sobre estas matérias, e que uma vista d’olhos, quando muito, deve bastar, se tanto for necessário.

Se as tentações se relacionam com a fé, como acontece muitíssimas vezes, o meio de curá-las não é raciocinar, procu­rar convencer-se, é mui simplesmente sub­meter-se à Igreja, e crer tudo o que ela nos ensina, fazendo um bom ato de fé. E, se for sobre a própria verdade divina da Igreja que incidem as dúvidas e as ten­tações do escrupuloso, o confessor explicar-lhe-á em poucas palavras os funda­mentos da nossa crença e a instituição da Igreja por Jesus Cristo, e concitá-lo-á a dizer nesses momentos: “Creio tudo o que a Igreja crê. Uno-me à sua fé. Renuncio a ti, Satanás, autor das dúvidas contra a fé; volvo-me para Jesus Cristo, meu Sal­vador”. Poderá também fazer o sinal da cruz na testa, na boca e no coração. É este um poderoso exorcismo contra a ten­tação. Poderá, enfim, dizer muitas vezes: “Creio, Senhor; mas aumentai a minha fé”. Entretanto, tudo isso deve dizer-se sem grande contenção de espírito.

Sem embargo, será mister dedicar um interesse todo particular aos escrupulosos trabalhados por estas espécies de tenta­ções que vêm manifestamente do demônio. Convirá assegurar-se das disposições deles, e das faltas que eles possam ter come- tido no meio dessas perturbações, exami­nar se se trata de verdadeiras dúvidas ou de escrúpulos, se há ignorância e tei­mosia, ou submissão e humildade.

Digamos, enfim, que há escrupulosos que, apesar de todo o ódio que têm aos peca­dos, quer grandes quer pequenos, contudo se deixam de vez em quando arrastar pela violência do seu temperamento natural ou pela leveza da sua mente, que lhes faz esquecer as suas boas resoluções e os faz cair em grandes crimes, tais como blasfê­mias, juras, impurezas enormes, etc. Ape­nas cometeram eles esse mal, choram-no, arrependem-se, ralam-se de dor e de com­punção, formando resoluções, obedecendo ao confessor; e, no entanto, depois de perseverarem longo tempo, tornam a cair ainda, para sua grande desolação. Se al­guém é digno de compaixão, sem dúvida são esses; deve então o confessor exami­nar se, nesses casos tão graves, há culpa da parte deles, se é apenas o arrebata­mento ou a violência das suas paixões, se eles deixaram de tomar as precauções necessárias; e, conforme os conhecimentos que tiver adquirido, será mister consolá- los, sustentá-los, admiti-los à comunhão para lhes emprestar forças; levantar-lhes o ânimo em vez de desanimá-los, e exor­tá-los a entregar-se à oração, à confissão frequente, ao trabalho, ao conhecimento da sua fraqueza, enfim a recorrer a al­guns remédios naturais.


Tais são as diversas espécies de escrú­pulos a que se podem referir todos os ou­tros. Podemos apenas indicar os preserva­tivos deles, os antídotos, os calmantes mais eficazes; ao confessor, conforme as circunstâncias e os; caracteres do mal, com­pete aplicar os remédios com sabedoria, prudência, sagacidade e precaução.

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