segunda-feira, 6 de fevereiro de 2017

V- CONSELHOS GERAIS AOS ESCRUPULOSOS


CAPÍTULO V
CONSELHOS GERAIS AOS ESCRUPULOSOS

I. Conhecer-se a si mesmo

O primeiro conselho que eu dou aos es­crupulosos, um dos mais importantes, e que é o fundamento de todos os outros, é que ele reconheça de boa fé que está doente e que é escrupuloso, porquanto um mal conhecido é um mal meio curado. Este axioma, verdadeiro em toda sorte de doenças, é-o principalmente na do escrú­pulo; pois esta não passa de uma ilusão que cega o escrupuloso e lhe faz tomar os fantasmas e os devaneios de uma imagi­nação doente, pelos sensatos raciocínios de uma consciência esclarecida. Persuada-se ele, pois, de que essas razões são fal­sas, de que são imaginações e escrúpulos, e não razões, e ei-lo curado. Ele não terá dificuldade em se persuadir de que assim é, se observar as regras que já estabelecemos ao explicarmos a natureza dos escrúpulos. Faça, pois, um exame sobre si mesmo e sobre o seu passado; se reconhecer que muitas vezes sentiu temores acompanhados de angústias, de perturbações e de perplexidades; que muitas vezes formou dúvidas sobre uma ou várias matérias, e, tendo exposto seus temores e suas dúvi­das a uma pessoa esclarecida, esta julgou que elas eram fundadas em razões fracas e frívolas, tenha por certo que é escrupu­loso; e, se estiver de tal forma obsesso que não possa crer na sua experiência, consulte um diretor sábio e piedoso, e acre­dite no juízo dele.
Mas não basta, para o escrupuloso, co­nhecer a sua doença; deve ele ainda des­cobrir a qualidade e os princípios dos seus escrúpulos, para lhes aplicar os remédios convenientes.

Cumpre, pois, que examine a matéria e a forma dos seus escrúpulos, se duvida em matérias graves ou leves, em questões de fato ou de direito, se resiste às suas dú­vidas ou se consente nelas. Deve ainda examinar os princípios dos escrúpulos, se nascem de um espírito exterior ou de um movimento interior, natural ou violento; porquanto estas diferentes espécies de es­crúpulos devem ser tratadas com remé­dios diferentes. Para descobrir essas coisas é preciso consultar aquilo que dissemos ao falarmos das diversas espécies de escrúpu­los e dos meios de conhecer de onde eles provêm; mas, sobretudo, é preciso escutar o seu diretor, que é o anjo de Deus a quem está confiada a chave da ciência para conduzi-los.

II. Pedir a Deus a cura aos escrúpulos

Depois de haver o escrupuloso conhe­cido o seu mal, o primeiro remédio, o re­médio soberano que ele deve aplicar-se, é a oração; e, conquanto esse remédio sirva geralmente para toda sorte de doenças, tem no entanto uma virtude toda parti­cular para esta; porquanto, vindo o es­crúpulo ordinariamente da malícia do de­mônio, só pode dissipá-lo Aquele que ven­ceu esse inimigo do gênero humano e que o acorrenta a seu talante. O Filho de Deus é a luz do mundo, que pode aclarar as nossas trevas; é o Anjo do Grande Conselho, que pode resolver todas as nos­sas dúvidas; é a força dos pusilânimes, que pode tranquilizar os nossos temores. Cum­pre, pois, rezar-lhe com confiança e perseverança.

Parece que o Profeta-rei usava desse re­médio quando, sendo atormentado por mil temores, dizia: “Eu aguardava com con­fiança aquele que me salvou do abatimen­to e do temor do meu espírito, e também da tempestade que me envolvia”. Quando uma tempestade interior agita o escru­puloso, este deve dizer com fé estas palavras de S. Pedro e dos outros apóstolos: “Senhor, salvai-nos, que perecemos”; e o mesmo Salvador, aplacando a tempestade, restituir-lhe-á a calma e a paz, ou pelo menos impedirá que ele seja submergido consentindo na tentação.

Não obstante, concito o escrupuloso a pedir com paciência e resignação; pois às vezes Deus permite que ele seja açoitado pela tempestade durante longo tempo, e mesmo durante toda a noite desta vida. Se assim suceder, humilhe-se ele sob a po­tente mão de Deus que o fere, e lembre-se de que Deus nos atende mais utilmente quando nos deixa a tentação e nos dá a graça de resistir a ela, do que quando no-la tira. Lembre-se ainda de que a tenta­ção de escrúpulo serve para purificá-lo das suas faltas passadas, para conservá-lo na humildade, e para lhe fazer dar em paciência o fruto da tentação; só o con­sentimento na tentação é que é pernicio­so: suporte ele, pois, a tentação, as an­gústias, os temores e as dúvidas que o empolgam; guarde-se, porém, de examiná-las cem e cem vezes na sua cabeça, e de se persuadir de que pecou. A experiência prova que uma pessoa vence mais facilmente os escrúpulos quando não se inco­moda com eles, quando os despreza, quan­do os deixa vir e passar, quando volve os seus pensamentos para outros objetos, do que quando se impacienta com eles e quer repeli-los a viva força e com contenção de espírito.

O escrupuloso, aliás, necessita de uma grande confiança em Deus; na sua prece humilde e fervorosa, deve considerar a Deus não como um amo irritado, mas co­mo um Pai terno que quer salvar seus fi­lhos. Nas suas inquietações mais vivas, é a Deus que ele deve recorrer, antes que ao seu confessor. É a oração feita com fé, confiança e abandono à misericórdia de Deus, e não a confissão, que cura o escru­puloso. Diz S. Francisco de Sales: Como o demônio só tem de poder aquele que Deus lhe concede, quanto mais terríveis forem os seus assaltos, tanto mais necessário se torna redobrar de confiança na Divina Providência; pois esta não permite ao ini­migo assaltar e atormentar continuamen­te senão esses entes pusilânimes que não confiam nela, que desdenham haurir sua força nela, e que colocam em qualquer ou­tra parte a sua confiança.

III. Usar dos remédios naturais

Embora Deus seja a primeira causa da nossa salvação, todavia Ele quer que nós mesmos trabalhemos nesta; não basta, pois, pedir a Deus que cure os escrúpulos; é preciso, ainda, que o próprio escrupuloso trabalhe na sua cura, usando de remédios em relação com a causa da sua doença. Quando, por experiência e pelo aviso de um prudente diretor, ele reconheceu que a causa das seus escrúpulos é natural, que estes vêm de um espirito enleado, de um temperamento frio e melancólico, ou de qualquer outra causa deste gênero, deve recorrer aos remédios naturais; pois pode-se dizer que ele precisa mais da me­dicina do que da teologia. Diz Santa Te­resa no capítulo sétimo das suas Funda­ções: “É preciso purgar com frequência a melancolia, ocupar o doente nos empregos exteriores para lhe divertir a imagi­nação, e suportar caridosamente as faltas que ele cometer em razão do seu estado, tendo em mais consideração a necessidade dele do que a nossa satisfação”. Se o es­crupuloso está no mundo, deve entregar-se a uma doce alegria, frequentar pessoas de uma piedade desembaraçada, e, por todos os meios lícitos, por meio de recreações ho­nestas, de passeios, de viagens, trabalhar por vencer esse temperamento triste e me­lancólico que o lança nesse estado, e que paralisa todas as faculdades de sua alma. Deve renunciar às austeridades demasiado grandes, às privações que lhe debilitam o físico e o moral, e reentrar no equilíbrio mais perfeito possível.

IV. Resguardar-se das pequenas faltas

Quando a causa dos escrúpulos é ex­terior, quando eles vêm da parte do demô­nio, ou mesmo da parte de Deus, que se serve da malícia do nosso inimigo para nos castigar, um remédio excelente é res­guardar-se das pequenas faltas voluntá­rias, principalmente do orgulho. É este o sentimento do Cardeal Cajetan, porquan­to, diz esse sábio doutor, quando um ho­mem abandona o cuidado da sua perfeição e da sua pureza, caindo facilmente, sem escrúpulos, em faltas veniais, o seu bom anjo igualmente o abandona; depois do que, não é de admirar que o demônio aflija essa alma, achando-a sem auxílio e sem defesa. Ademais, não somente o seu bom anjo se afasta dela, mas o próprio Deus se retira e lhe oculta a beleza do Seu rosto, e, destarte, ela cai na perturba­ção e na obscuridade, do mesmo modo que, quando o sol está oculto, o mundo se acha imerso nas trevas. Bem o havia experi­mentado o profeta quando dizia: “Assim que desviastes de mim a vossa face, fi­quei repleto de perturbação”. Pode-se di­zer que, para se resguardar dos escrúpu­los, é preciso resguardar-se das pequenas faltas, porque elas são frequentemente a causa pela qual Deus nos deixa cair nos escrúpulos; cerceando essas faltas, cer­ceiam-se as perturbações, do mesmo modo que, tirando a causa, se tiram os efeitos.

V. Seguir os exemplos das pessoas sensatas

Excelente remédio contra os escrúpulos é, ainda, seguir o exemplo das pessoas sen­satas, e observar de que maneira se com­portam as pessoas doutas e piedosas, nas matérias que nos detêm e que nos metem tanto medo; pois devemos crer que, sendo doutas, elas conhecem o mal, e, sendo pie­dosas, não quereriam fazê-lo. Podemos, pois, sem receio, passar por onde elas pas­sam e andar-lhes nas pisadas; esta trilha é segura, visto o Sábio dizer-nos que foi pelo bom exemplo dos outros que ele aprendeu a comportar-se: Exemplo didici disciplinam (Prov 24, 23). E, mais adiante, ele acrescenta que quem anda nas pisa­das dos sábios anda com segurança (Prov 13): Qui cum sapientibus graditur, sapiens erit. Não se poderia, pois, aconselhar demasiadamente aos escrupulosos fre­quentarem pessoas sensatas, doutas e pie­dosas, examinar-lhes o procedimento, to­mar conselho delas e imitá-las.

VI. Enxotar os primeiros pensamentos do escrúpulo

Ótimo remédio contra os escrúpulos é fechar a porta aos primeiros pensamentos escrupulosos que se apresentem à ima­ginação; porquanto, se lhes dermos en­trada, não somente custaremos a enxotá-los, porém eles arrastarão após si vários outros pensamentos, como diz o Cardeal Cajetano: In hoc videtur consistere naturalis causa scrupulorum, quod mota una phantasia, oportet multa consequi, ita quod non est in potestate sua compescere sequentes commotiones. Portanto, mal se apresente algum pensamento que se sus­peite ser de escrúpulo, deve-se rejeitá-lo prontamente.

VII. Seguir o conselho de um prudente diretor, e obedecer-lhe em tudo

Um dos remédios mais eficazes que se possam aplicar aos escrúpulos é desco­bri-los ao seu diretor e seguir cegamente o conselho e juízo dele; porquanto a obe­diência, tão essencial a todo aquele que quer andar com segurança pelas trilhas da salvação, é-o particularmente aos es­crupulosos. Ora, estes solapam esta virtu­de pelos fundamentos. A obediência é fun­dada na vontade de Deus, vontade que devemos reconhecer na ordem daquele que nos governa em seu lugar: Qui resistit potestati. Dei ordinationi resistit. Mas, por isso que o escrupuloso receia tudo, não receia somente ser enganado pelo seu próprio juízo, receia ainda sê-lo pelo juízo do seu diretor. Para sossegar os seus te­mores, lembre-se ele de que Deus deu aos diretores das almas a chave da ciência pa­ra conduzi-las, e que da boca deles é que ele deve aprender as vontades de Deus. “Os alunos dos sacerdotes são os deposi­tários da ciência, e é da boca do Sacerdote que se deverá procurar o conhecimento da lei, porque ele é o anjo do Senhor dos exércitos”. Alhures Jesus diz: “Quem vos escuta, a mim escuta”. — “Vós sois a luz do mundo”. Pode-se, pois, sem receio, se­guir a decisão deles. Em verdade, se, neste caso, Deus pudesse um dia censurar-nos por havermos tomado o mal pelo bem, nós poderíamos ao mesmo tempo censurar- lhe o ser Ele mesmo a causa do nosso en­gano, mandando-nos obedecer aos direto­res.

Desde o nascimento da Igreja, os fiéis sempre se ativeram inviolavelmente a esta regra. Nosso Senhor fez conhecer a Santa Teresa com que segurança se deve seguir o juízo dos diretores, quando, estando afli­gida por perturbações, por angústias, por temores de ser iludida, muito semelhantes aos dos escrúpulos, Ele lhe disse que ela não devia recear ser enganada, visto que pessoas muito estimáveis e muito instruí­das a haviam assegurado do seu estado. Efetivamente, ela teve uma submissão tão perfeita ao juízo dos seus diretores, que, sendo favorecida por várias visões de Nos­so Senhor, com perfeita certeza de que vinham d’Ele, mas lhe havendo o seu con­fessor, que as acreditava falsas e as con­siderava como ilusões, mandado desprezá-las e enxotá-las fazendo o sinal da cruz, ela obedeceu, embora com repugnância ex­trema.

Esta verdade é tão constante, que ja­mais houve qualquer católico que haja duvidado dela, como muito bem o diz o erudito e célebre geral dos Carmelitas João de Jesus Maria: “Este gênero de remédio não é daqueles que só se fundam na opi­nião de certo número de doutores, como o vemos em certos casos em que se pode dizer que os doutores estão divididos e re­partidos em diversos sentimentos; não: aqui a opinião é comum, universal, de to­dos os doutores, os quais têm como a coi­sa mais evidente do mundo que, desde que o penitente tenha escolhido um diretor bom, prudente, experiente, deve submeter-se a tudo o que ele lhe diz e lhe aconselha”. E, com efeito, se Deus não hou­vesse dado esta autoridade aos diretores das almas, não teria provido suficiente­mente à nossa salvação, visto como, já que Ele não resolveu nas Escrituras as dúvidas particulares que nos sobrevêm to­dos os dias, já que não nos envia anjos para esclarecê-las, já que nós não temos bastantes luzes para resolvê-las, e já que não se podem reunir concílios gerais para decidi-las, bem necessário se torna que Ele tenha dado um poder absoluto aos diretores particulares, do contrário tería­mos de dizer que Ele nos deixou na impos­sibilidade de conhecer as Suas vontades e de cumpri-las, o que não se pode dizer sem cair na heresia.

Depois disto, não é verdade dizer que é uma obstinação e uma teimosia horrível a dos escrupulosos que recusam obedecer ao seu diretor? Deus nas Suas Escrituras, a Igreja nas suas decisões, os santos na sua doutrina, os doutores nas suas assem­bléias, a razão, o senso comum, estabele­cem de comum acordo esta verdade. Mas, quando um escrupuloso, por uma imaginação ferida e prevenida, a suspeita de erro e recusa segui-la, não é isto ter falta de senso e tomar-se réu de uma falta grave de desobediência? Por isto mesmo, vemos que Deus a pune muitas vezes com severidade pelas angústias e pelas per­turbações a que entrega os escrupulosos: de sorte que, como fala Santo Agostinho, o pecado deles é o algoz que os castiga. Ora, diz S. Francisco de Sales, “o melhor é andar às cegas, sob a guia da Providên­cia Divina, por entre as trevas e as perplexidades desta vida. É preciso conten­tar-se com saber de seu pai espiritual que se anda bem, sem procurar ver isto. Nin­guém jamais se perdeu obedecendo”.

“Aquele que obedece ao seu confessor, dizia por seu lado S. Filipe de Néri, está seguro de não dar contas a Deus das suas ações”. “Ao contrário, dizia S. João da Cruz, não se tranquilizar sobre o que o con­fessor diz, é orgulho e falta de fé”. Mas, para acabar de convencer sobre este pon­to os escrupulosos, mister se faz respon­der-lhes às objeções.

Respostas às objeções aos escrupulosos sobre o sétimo conselho

A primeira objeção que o escrupuloso faz é esta: é que, sendo persuadido pelas luzes da sua consciência de que há pecado em alguma coisa, não pode renunciar às suas luzes para seguir as do seu diretor que lhe diz o contrário.

Responder-lhe-emos primeiramente que, mesmo quando a sua consciência lhe dissesse que há pecado naquilo que faz a ma­téria do seu escrúpulo, ele pode e deve re­nunciar à sua consciência para seguir a de outrem, porque a fé nos ensina que de­vemos renunciar ao nosso juízo para se­guir o do nosso diretor, e é este um ato de obediência que é uma das mais exce­lentes virtudes cristãs.

Dir-lhe-emos, em seguida, que a própria razão ensina que nos devemos afastar do juízo de um homem ignorante e apaixo­nado, para seguirmos o de um homem erudito e sem paixão; porquanto, sendo ignorante, o primeiro se enganará; sen­do apaixonado, o fogo da paixão impedi-lo-á de ver coisas as mais claras. Porque lá diz a Escritura: O fogo caiu do alto sobre eles e eles não viram o sol.

Ora, a humildade cristã deve fazer crer ao escrupuloso que ele é um ignorante, e a experiência deve fazer-lhe sentir que ele está prevenido por uma paixão violen­ta de temor e de apreensão, que o cega. Os diretores, ao contrário, são uns douto­res eruditos, visto como, além dos seus estudos, são esclarecidos por Deus; são sem paixão, visto não terem nenhum in­teresse naquilo que faz a dúvida do es­crupuloso, e não haveriam de querer so­brecarregar a sua consciência para des­carregar a dele. Pode-se, pois, e mesmo se deve, renunciar às suas próprias luzes para seguir as do seu diretor.

A segunda objeção do escrupuloso é que, sendo o diretor um homem como os ou­tros, pode enganar-se e dar-lhe um mau conselho.

A esta segunda objeção respondemos di­zendo ao escrupuloso ser verdade que o diretor pode enganar-se dando um mau conselho; mas que um escrupuloso não pode ser enganado seguindo esse conselho, como fala S. Bernardo: e isto se vê clara­mente pelo exemplo de Santa Teresa de que falamos mais acima. Sem dúvida que o confessor que aconselhou a ela despre­zar a visita de Nosso Senhor lhe deu um péssimo conselho; não obstante, Nosso Senhor disse a essa santa, como ela mes­mo refere, que ela não tinha cometido falta seguindo-o, porque uma pessoa não pode cometer falta quando segue as re­gras da prudência. Ora, não há regra de prudência mais certa do que a de agir segundo o conselho do seu diretor.

Não queremos com isto dizer que um escrupuloso seja obrigado a consultar o seu diretor tantas vezes quantas lhe vêm escrúpulos; não, certamente. Mas, quando o tiver feito em algum caso particular, pode determinar-se por si mesmo, quando o mesmo caso ou outros semelhantes se apresentarem. É a doutrina de Vasquez (Disp. 67, c. 2). Podem eles, mesmo, apli­car a casos particulares as regras gerais que lhes foram dadas. Não julguem ser demasiado largos nisso, visto não serem de pior condição do que os que não são escrupulosos e que procedem desse modo.

É mesmo bom adverti-los aqui de que, depois de comunicarem os seus escrúpulos ao seu diretor e receberem o conselho dele, o demônio, para tornar inútil essa ação, lhes sugerirá haverem eles omitido alguma circunstância essencial, que o diretor não compreendeu bem, etc.; e, se eles abrirem a mente ou o ouvido a essas sugestões, ei-los tão perturbados quanto antes. Guar­dem-se, pois, bem de escutar todos esses ardis, e persuadam-se de que se explica­ram suficientemente, e de que, aliás, sen­do o confessor experiente nessas matérias, compreendeu tudo só com uma meia pa­lavra.

Eis aqui como S. Afonso de Ligório re­futa, por sua vez, as objeções dos escru­pulosos:

“S. Bernardo diz que, seguindo o con­fessor, ninguém jamais se engana. E o B. Henrique Suso diz que Deus não pede conta daquilo que se faz por obediência.

Mas o escrupuloso replica: “Se eu ti­vesse S. Bernardo por confessor, obedece­ria cegamente; mas o meu confessor não é S. Bernardo”. Não é S. Bernardo, sim, prossegue o nosso santo; porém é mais do que S. Bernardo, pois ocupa o lugar de Deus. Escutai ainda o sábio Gerson a este respeito: “Vós, que assim falais, estais no erro; porquanto não confiastes num homem porque ele é douto, mas porque Deus vo-lo deu por guia. Obedecei-lhe, pois, não como a um homem, mas como ao próprio Deus”.

“Mas, dizeis vós, eu não sou escrupu­loso, meus receios são fundados”. Respon­do com Santo Afonso de Ligório: Nenhum louco se acredita louco, e a sua loucura consiste justamente em não se conhecer. Digo-vos igualmente: Sois escrupulosos porque não vedes o quanto são vãos os vossos escrúpulos; pois, se soubésseis que eles são vãos, desvencilhar-vos-íeis deles. Tranquilizai-vos e obedecei ao vosso con­fessor, que conhece melhor do que vós a vossa consciência.

Mas acrescentais: “Meu confessor é bom, porém eu não sei me exprimir. É por isso que ele não compreende bem o estado de minha alma”.

Fazeis mil escrúpulos fora de propósito, e não fazeis escrúpulo de tratar vosso con­fessor de ignorante e de sacrílego! Assim, no receio de que ele não vos haja com­preendido ou de que tenha julgado mal os vossos escrúpulos pela palavra pronun­ciada, ides até o ponto de fazer dele esse juízo falso. O erudito Perelli dizia um dia a uma alma escrupulosa que acusava de heresia o seu confessor: “Mas afinal me diga, minha irmã, em que universidade es­tudou a teologia, a sra, que sabe mais do que o seu confessor? Vá para a sua roca, por favor, e não fale mais assim”. Não vos responderei como esse bispo; mas exorto-vos a vos aterdes a tudo o que vosso confessor vos disser. Quando ele vos diz: Não quero saber de mais; calai-vos e ide comungar, etc., obedecei-lhe, e acreditai que ele vos compreendeu.

Mas, dizeis vós, “se eu me condenar obedecendo, quem me tirará do inferno?” Isso não é possível, pois a obediência le­va ao paraíso, e nunca ao inferno.

Os santos doutores (Santo Antonino, Navarro, Suárez e outros) concedem comumente dois privilégios às almas escru­pulosas, no tocante às suas confissões pas­sadas, às suas dúvidas, aos seus maus pen­samentos, ao seu consentimento, etc., etc.:

1.º- Que elas não pecam agindo contra os escrúpulos, quando o fazem por obe­diência;

2.º- Que, depois da ação, devem crer que não consentiram nos seus maus pensamentos, se não estiverem certas de haver realmente dado pleno consentimen­to ao pecado cuja malícia inteira conhe­cem. Quando duvidarem disso, a sua pró­pria dúvida prova que elas não acederam à tentação por sua vontade, pois, se não fosse isso, não duvidariam.

“Mas, dizeis vós, quero agir com a cer­teza de que não desagrado a Deus”. A maior certeza de Lhe agradardes é obe­decerdes ao vosso diretor e vencerdes o vosso escrúpulo.

Se quereis andar direito e com segu­rança, obedecei pontualmente a todas as ordens do vosso diretor. Rogai-lhe que vos dê regras, não somente particulares, mas gerais, e atende-vos a elas. Termino re­petindo sempre: Obedecei, obedecei, e por caridade não trateis a Deus de tirano”.
Assim fala Santo Afonso de Ligório, es­se santo, tão erudito nos caminhos de Deus e tão experiente sobre as doenças da alma.

Finalmente, para dar mais peso às nos­sas provas, vamos citar, no oitavo conse­lho, as autoridades mais próprias para convencer os escrupulosos.

VIII. Agir contra os escrúpulos

O último e o mais eficaz conselho, sem o qual os outros de nada serviriam, é ex­plicar todas as dúvidas em favor de si mesmos, e passar por cima delas quando se desconfiar que são escrúpulos. Por exemplo, um escrupuloso teve pensamen­tos de blasfêmia, de impureza, de juízos temerários; sente dúvidas e temores vio­lentos de haver consentido neles; todavia, não ousaria assegurá-lo, desconfia, mes­mo, de se tratar aqui de um escrúpulo. Neste caso e noutros semelhantes, deve persuadir-se de não haver consentido, e, sem perder tempo em discutir mais, deve rejeitar prontamente esse pensamen­to como um pensamento criminoso, con­trário à paz e ao repouso de sua alma.

Mas, como o escrupuloso poderia achar violento e perigoso este remédio, e por conseguinte poderia recusar-lhe o uso, eis aqui um feixe de provas imponentes, uma reunião de doutores aos quais não se pode resistir sem loucura.

Primeiramente, todos os teólogos, tanto escolásticos quanto místicos ou espirituais, ordenam este remédio como um remédio seguro. Limitemo-nos a citar alguns deles, os mais famosos.

Gerson, chanceler de Paris, diz no seu Tratado da preparação para a missa, cons. 6º: Os escrupulosos (falando dos padres que receiam sempre não haver pronun­ciado bem as palavras da consagração ou outras) “devem ousadamente ir contra tais escrúpulos; do contrário nunca terão a paz da alma”.

Santo Antonino, Livro de Consciência, página 10, regra 6.ª, diz: “É um conselho salutar agir as mais das vezes contra os leves escrúpulos e contra os ataques de tibieza, etc.”.

O Cardeal Cajetano, falando, na sua Suma, dos escrúpulos ordinários sobre a matéria das confissões, diz que, quando alguém duvida de se ter esquecido de con­fessar algum pecado, se tem alguma cren­ça ligeira de o haver confessado deve tomar essa crença por certeza e depor a sua dúvida.

Vásquez diz que o escrupuloso nunca deve crer haver pecado mortalmente se isso não lhe aparece tão claramente que ele não tenha dúvida alguma a respeito, e, às vezes, mesmo se não estiver pronto a jurar.

Enfim, todos os teólogos místicos ou es­pirituais, o Beato João de Jesus Maria, esse homem tão esclarecido; o Beato Afonso Cabrera, célebre dominicano; os Padres Jamin, Surin, Rodriguez, Louis de Blois, Avila, Henrique Suso, Tomás a Kempis, S. Francisco de Sales, S. Filipe de Néri, Santa Teresa, S. João da Cruz, S. Inácio, Dionísio o Cartuxo, etc., dizem que “é pre­ciso combater generosamente e agir con­tra o escrúpulo, depondo a própria cons­ciência; porquanto quem consente no escrúpulo, embora seja sobre coisa leve, alimenta-o e entretém-no, de tal sorte que com isso é mais atormentado nas coisas importantes; e, ao contrário, quem é fiel em resistir à tentação do escrúpulo tor­na-se mais forte, pelos bons hábitos que adquire resistindo”, como diz o apóstolo S. Tiago:Resistite diabolo, et fugiet a vobis; resisti ao demônio, e ele fugirá de vós.

Que responderá o escrupuloso a tantas autoridades imponentes? Dirá que todos esses doutores se enganam? Para isto se­ria mister haver perdido todo o respeito para com a Igreja e os seus doutores.

Dirá que esses doutores só avançam es­sa doutrina para aliviar as consciências timoratas? Mas quereriam esses dou­tores, para exonerar-a consciência dos ou­tros, ensinar o erro onerando a sua pró­pria consciência?
Dirá, enfim, que eles falam em favor dos escrupulosos, e que ele não é do nú­mero destes? Para responder a isto, basta provar-lhe, consoante as regras prece­dentes, que ele não o é senão em demasia.

Receará ele colocar-se mal com Deus agindo desse modo? A experiência prova que aqueles que assim agem são agradá­veis a Deus, visto vermos que Deus os faz sempre progredir em graça e em vir­tude, e que Ele deixa cair em grandes faltas os que consentem no escrúpulo.

Responderá que está convencido de to­das essas verdades, mas que, nessas oca­siões, é possuído de um temor tão violen­to que não pode abafá-lo? Então eu digo que, se ele não pode evitar o temor, visto que nisto consiste a tentação, deve resig­nar-se a suportá-la em paz, com paciên­cia, e resguardar-se de consentir nela.

Replicará ele, enfim, que receia pecar agindo com esse temor e contra a sua consciência? Ser-lhe-á então respondido que, embora ele aja com temor e, mesmo assim agindo, se engane, pensando não existir pecado onde o há, contudo ele não peca, segundo o sentimento geral dos teó­logos, e em particular de Santo Antonino.

Devemos, entretanto, antes de findar este artigo, expor um ponto essencial aos escrupulosos: e é que, aconselhando-lhes explicarem em seu favor as dúvidas que lhes advêm, e passarem adiante, entende­mos isto de toda sorte de dúvidas e de questões de fato: por exemplo, se se con­sentiu em maus pensamentos, se se pro­nunciaram as palavras da consagração, se se confessou um pecado ou não, etc,; mas, nas questões de direito, por exemplo, se um contrato é usurário ou não, se se está obrigado a restituir ou não, etc., cumpre entender estas matérias com alguma dis­tinção, mormente entre pessoas pouco ins­truídas, pouco inteligentes, naturalmente interessadas e que pudessem aplicar mal as regras. Sobre isto, cumpre consultar o diretor e seguir o juízo dele.

Nenhum comentário:

Postar um comentário