segunda-feira, 7 de novembro de 2016

Como são esquecidos os mortos!


Santo Agostinho se queixava de que os mortos são muito esquecidos. Realmente. Vai-se logo a me­mória dos defuntos com os últimos dobres do sino e as derradeiras flores lançadas sobre a sepultura. Quando morremos, partimos para aquela região que a Escritura chama terra oblivionis — a terra do esquecimento. Não tenhamos muita vaidade nem ilu­sões. Seremos esquecidos!

Quem se lembrará de nós alguns anos após a nos­sa morte? Talvez uma lembrança vaga, uma evocação de saudade muito apagada. E como somos orgulho­sos hoje! Tanto nos fere a mágoa um esquecimento mesmo involuntário! Felizes os que se desiludem e se desapegam das amizades e vanglorias da terra an­tes que chegue a Mestra e Doutora da Vida — a Morte!

Como se compadecem todos dos enfermos! Que carinho e solicitude e mil sacrifícios em torno do lei­to de um pobre doente que geme! Porém, veio a mor­te. Pranto, homenagens sentidas, flores, túmulos, necrológios, e... esquecimento. Hoje afastam a idéia da morte como se fôssemos todos imortais. É mis­ter esquecer os defuntos, deixá-los no túmulo, evitar esta preocupação doentia da morte e da eternidade.

Morreu, acabou-se! Vamos rir, vamos dançar e cantar. Deixemos que a vida corra alegre e feliz. Não pensemos mais na morte e muito menos em mor­tos. Não é assim que fala e age o mundo louco e ma­terialista de hoje?

Ai! Como são esquecidos os mortos! O materia­lismo estúpido não compreende nem a beleza, nem a consolação, e o culto da memória dos mortos como o tem a Igreja católica. Para nós, eles não morreram, mudou-se-lhes a condição da vida: Vita mutatur, non tollitur!

Na sepultura não se acaba para sempre o ho­mem. Cremos no que dizemos cada dia no Credo: — Eu creio na ressurreição da carne e creio na vida eterna.

A piedade para com os mortos é um ato de fé na vida eterna, urna doce certeza de que nossos mortos queridos não estão perdidos para sempre ao nosso amor. Havemos de os encontrar um dia no seio de Deus! Como é doce, consolador e belo crer na imor­talidade e esperar a vida eterna!

Pois se cremos na vida eterna, cremos no purga­tório. E se cremos no purgatório, oremos pelos nossos mortos.

Requiem aeternam dona eis Domine! — Dai-lhes, Senhor, o descanso eterno!

Não sabemos então que é nosso próprio interesse orar pelos mortos?

Um dia também iremos para a eternidade e nas chamas do purgatório acharemos tudo quanto tiver­mos feito na terra pelos mortos. Vamos, pois, neste mês dos defuntos: Missas, Rosários, esmolas, peni­tencia, orações fervorosas pelos nossos mortos queridos!

Como são esquecidos os mortos! Exclamava San­to Agostinho! E, no entanto, acrescenta São Francis­co de Sales, em vida eles nos amavam tanto e (quem sabe?) estão no purgatório por nossa causa...

Nos funerais, lágrimas, soluços e flores. Depois, um túmulo e o esquecimento... Como são esquecidos os mortos!

Tende compaixão de mim!
Tende compaixão de mim!
Miseremini mei! Miseremini mei!

Tal é o gemido do purgatório, o gemido das po­bres almas esquecidas.

A Igreja, Mãe carinhosa, nunca se esquece dos seus filhos, mesmo depois que partiram para as re­giões da morte e da eternidade. Todos os dias, no altar, ela suplica: — Memento!

Lembrai-vos, Senhor, dos vossos servos e servas que nos precederam com o sinal da fé e agora descan­sam em paz. A estes e a todos os mais que repousam em Cristo, nós vos pedimos, Senhor, concedei lugar de refrigério, luz e paz.

Que tocante lembrança da Santa Igreja, nossa Mãe! E em todas as Missas que se celebram em todo universo!

Porque são esquecidas

Sufraguemos nossos mortos. Não os deixemos esquecidos sob qualquer pretexto comodista e de gen­te sem fé.

O purgatório é terrível e para algumas almas é bem longo. Devemos ter compaixão e carinho por nossos entes queridos que a morte arrebatou.

Ao céu chegam as almas só depois de longas e dolorosas purificações. Não digamos de cada um que morre: — Está no céu!

Temos o costume de logo canonizar nossos mor­tos, dizendo: — Estão no céu! E nem mais rezamos por eles, deixando-os esquecidos no purgatório. É uma ingratidão bem comum. No céu entram as po­bres almas só depois de longas e dolorosas purificações. E quem sai desta vida tão santo e perfeito que não mereça o purgatório? Nunca deixemos de orar e muito e por longo tempo pelas almas de nossos mor­tos queridos.

Há pobres almas destinadas a um longo sofri­mento nas chamas expiadoras. Só Deus sabe o que elas padecem, enquanto seus parentes nem rezam, nem mandam oferecer por elas a santa Missa, e re­petem tranquilos: — Está no céu!

Disto teve receio Frederico Ozanam, o piedoso apóstolo das Conferências Vicentinas. Lemos no seu testamento: — “Não vos deixeis levar por aqueles que disserem: ‘Ele está no céu!’. Rezai sempre por aquele que muito vos ama, mas que também pecou muito. Ajudado pelas vossas orações, deixarei a ter­ra com menos receio”.

Não nos iludamos com o purgatório. Seus sofri­mentos são muito grandes e é mister uma grande compaixão, uma grande misericórdia para com os mortos. Ai! Esquecer os mortos sem sufrágios é do­loroso, é de consequências tristes! Oremos pelas ben­ditas almas.

Vamos em socorro dos nossos pobres irmãos da Igreja padecente.

Vamos, levantai-vos, dizia São Bernardo, voai em socorro das almas dos defuntos, implorai a clemência divina pelas vossas lágrimas e gemidos, intercedei por eles com as vossas preces, satisfazei por elas com o santo sacrifício da Missa, resgatai-as por vossas esmolas aos pobres, por vossas boas obras, abri-lhes as portas do paraíso.

Combatamos estas duas causas do esquecimento dos mortos: — a presunção que diz: — Estão no céu, e comodamente não nos interessamos em sufragá-los mais, e, falta de uma fé bem viva no que seja o tor­mento do purgatório.

Deveres sagrados e esquecidos

Sim, bem sagrados e graves são nossos deveres para com os mortos. Temos obrigação de justiça e de caridade em sufragar os defuntos. Não bastam lágrimas, flores, coroas, homenagens póstumas. Tu­do isto é mais consolo para os vivos que alívio para os mortos, dizia Santo Agostinho.

Devemos, pois socorrer os defuntos:

1° — Em razão do parentesco e do sangue.
2° — Por gratidão, aos benfeitores nossos.
3° — Por justiça.
4° — Por caridade.

Próximos mais próximos de nós, dizia São Francisco de Sales, naturalmente são nossos pais. Não nos esqueçamos da alma de um pai querido, de uma saudosa mãe. Foram tão carinhosos e se sacrifica­ram por nós! Não estarão talvez no purgatório? Nos­so amor filial os canonizou logo depois da morte e os colocou no céu! Ah! E talvez gemam e sofram no pur­gatório. Estão salvos, é verdade, no seio de Deus, entre as santas almas, porém... são terríveis os so­frimentos do purgatório.

Santa Monica teve o cuidado de recomendar a Santo Agostinho: — Meu filho, não me esqueças no santo altar!

A Igreja tem uma oração especial nas missas de defuntos pelo pai e mãe do sacerdote e que cada fiel pode repetir:

“Ó Deus, que nos ordenastes que honrássemos o nosso pai e nossa mãe, tende piedade, pela vossa cle­mência, das almas de meu pai e de minha mãe, e perdoai-lhes os seus pecados. Permiti também que eu possa um dia tornar a encontrá-los”.

Que tocante oração!

Depois a gratidão.

Há de ser penoso e horrendo o esquecimento dos nossos nas chamas do purgatório!

Não sejamos ingratos. Oremos por todos quan­tos nos fizeram algum benefício na terra. A grati­dão não pode morrer à beira da sepultura de nosso benfeitor. Vai além, corre em auxílio das almas do purgatório!

E, finalmente, deveres de justiça e de caridade. De justiça porque somos obrigados a orar por aque­les aos quais estamos ligados por laços de parentes­co e de gratidão. E... caridade. “Não há, diz São Francisco de Sales, maior ato de caridade que orar pelos mortos. É um resumo de todas as obras de ca­ridade”.

Lembremo-nos das pobres almas sofredoras do purgatório. Não temos criaturas que tanto amamos na terra e que hoje nos ferem o coração por uma sau­dade amarga?

Ah! Não bastam as lágrimas e as flores da se­pultura. Isto é mais consolo para os vivos. O que aproveita aos mortos é o sufrágio. Santifiquemos nossa saudade pela caridade. Lembremo-nos que tal­vez gemam no purgatório os que tanto amamos! Por eles mandemos celebrar o santo sacrifício da Missa, façamos algum ato de caridade aos pobres, uma Co­munhão, um Rosário de Maria!

Exemplo

O Santo Cura d’Ars e o purgatório


O Santo Cura d’Ars, São João Batista Vianney, era um devoto fervoroso das santas almas do purgatório... Pedira a Deus a graça de sofrer muito. Os sofrimentos do dia, oferecia-os pela conversão dos pe­cadores, e os da noite, pelas almas do purgatório.

E como sofreu! Que noites terríveis de agonias e aflições e tentações espantosas do diabo não passa­ra o Santo durante os longos anos da paróquia de Ars!

A um padre que lhe perguntara a opinião sobre o poder das almas do purgatório em nosso favor, res­pondeu:

— “Si soubéssemos como é grande o poder das boas almas do purgatório sobre o Coração de Jesus e si soubéssemos também quantas graças poderíamos ob­ter por intercessão delas, é certo, não seriam tão es­quecidas”.

Nos seus catecismos célebres o Santo narrava tocantes e belos exemplos sobre a eficácia e o poder da devoção às santas almas do purgatório. Nosso Se­nhor lhe concedeu extraordinárias graças para conhe­cer muitas vezes os mistérios do purgatório.

No processo da Canonização atestaram os que o conheceram:

— A devoção às almas do purgatório foi uma das suas mais fervorosas. Se havia duas Missas a ce­lebrar, uma pelos doentes, outra pelas almas, prefe­ria a das almas.

Muitas vezes lhe pediam orações por uma ou ou­tra alma e o santo respondia:

— Sim, rezarei por ela. Está no purgatório por um tempo indeterminado...

Ou então: — Ela já foi para o céu! Não tem ne­cessidade mais de sufrágio.

Diz o ilustrado Mons. Trochu, autor de “Les in­tuitions du Curé d'Ars, que “o purgatório é um lugar onde o Cura d’Ars sabia o que se passava. Conhecia ele a sorte dos defuntos, teve intuições muito grandes do que se passa além-túmulo”.

Uma senhora foi se confessar ao Santo, em Ars. Depois da confissão, disse-lhe ele: — “Minha filha, agradeça à prima que a trouxe ao confessionário, por­que sem isto a senhora estaria no inferno”. E depois de lhe indicar as causas do perigo da condenação, lhe disse muito grave: e depois, minha filha, que ingra­tidão! Há dez anos que seu pobre pai está sofrendo no purgatório e não mandaram dizer uma só Missa para o libertar!”.

Uma senhora piedosa tinha um esposo indife­rente em religião, mas não obstante homem bom e honesto. Um dia, vítima de um colapso cardíaco, veio a falecer se nenhum sinal de arrependimento. A po­bre esposa, desolada, não tinha consolo. Julgava per­dida a alma do esposo. Assim ficou num horrível martírio e sem consolo durante meses. Foi até Ars. O Santo, ao vê-la, foi logo dizendo: — “Minha se­nhora, já se esqueceu dos ramalhetes de flores que ofereciam à Santíssima Virgem?” A pobre senhora lembrou-se de que realmente ela o e esposo durante muito tempo sempre ofereciam a uma imagem da Vir­gem uns ramalhetes de flores.

— Minha filha, Deus teve piedade daquele que honrava tanto a sua Mãe. No momento da morte seu marido teve um grande arrependimento. Sua alma está no purgatório. Com orações e boas obras poderá libertá-lo.

Foi um alívio para o coração da pobre viúva, que melhorou de saúde e adquiriu a paz da alma.

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