Despectum et novissimum virorum, virum dolorum et scientem infirmitatem – “O mais desprezado e o último dos homens; homem de dores e experimentado nos trabalhos” (Is. 53, 3).
I. Jesus na cruz! Que espetáculo foi para os anjos do céu verem um Deus
crucificado! Que impressão nos deve também fazer contemplarmos o Rei do
céu suspenso num patíbulo, coberto de chagas, desprezado e amaldiçoado
de todos, em agonia e morrendo de dor, sem consolação! Ó céus, porque é
que padece tanto o divino Salvador, inocente e santo: padece para pagar
as dívidas dos homens. Onde se viu jamais tal espetáculo? O Senhor
morrer por seus servos! O Pastor morrer por suas ovelhas! O Criador
sacrificar-se todo pelas suas criaturas!
Jesus na cruz! Eis aí o homem de dores, predito por Isaías: virum dolorum.
Ei-lo sobre esse madeiro infame, atormentado exterior e interiormente.
Exteriormente está dilacerado pelos açoites, pelos espinhos e pelos
cravos; de toda a parte corre o sangue e cada um de seus membros tem o
seu sofrimento particular. Interiormente está aflito e triste, desolado e
abandonado de todos, até de seu próprio Pai. – Mas o que mais o
atormenta no meio de tantas dores é a vista horrenda de todos os
pecados, que ainda depois de sua morte seriam cometidos pelos homens
remidos ao preço de seu sangue.
Sim: os ódios, os pecados impuros, os furtos, as blasfêmias, os
sacrilégios, numa palavra, todos os pecados se apresentaram então aos
olhos de Jesus Cristo e cada um deles, com a sua malícia própria, veio,
qual fera cruel, dilacerar-lhe o Coração. – Queixava-se então Jesus: É
assim, ó homens, que se me pagais o meu amor? Ah, se vos soubesse
agradecidos, morreria satisfeito! Mas, o ver tantos pecados depois de
tantas dores; tamanha ingratidão depois de tão grande amor – eis o que
me faz morrer de pura tristeza. – Ah, meu Redentor! Entre esses ingratos
me vistes também a mim com todos os meus pecados.
II. Meu amabilíssimo Jesus! Eu também concorri grandemente para Vos
atormentar na cruz, sobre a qual estáveis morrendo por mim. Oxalá
tivesse eu morrido e jamais Vos tivesse ofendido! Meu Jesus e minha
esperança, assusta-me a morte pela lembrança de que então terei de dar
contas de todas as injúrias com que paguei o amor que me haveis tido;
anima-me, porém, a vossa morte e me faz esperar o perdão. Pesa-me de
todo o coração de vos ter desprezado. Se pelo passado não Vos amei,
quero amar-Vos durante todo o resto da minha vida, e quero ser e padecer
tudo para Vos agradar. Ajudai-me, meu Redentor, que morrestes na cruz
por meu amor.
Senhor, dissestes que, quando fôsseis exaltado sobre a cruz, havíeis de atrair-Vos todos os corações: Et ego, si exaltatus fuero a terra, omnia traham ad meipsum
(1). Pela vossa morte na cruz já arrebatastes ao vosso amor tantos
corações, que por Vós deixaram tudo, bens, pátria, parentes e vida.
Suplico-Vos, arrebatai também o meu coração, que, pela vossa graça já
suspira por Vos amar; não permitais que ainda ame o lodo da terra, como
no passado tenho feito.
Quem me dera, ó meu Redentor, ver-me despojado de todo afeto terrestre,
afim de que, esquecendo tudo, só me lembre de Vós e só a Vós ame! Espero
tudo da vossa graça. Conheceis a minha impotência; ajudai-me, eu vô-lo
peço, pelo amor que Vos fez aceitar uma morte tão dolorosa no monte
Calvário. Ó morte de Jesus, ó amor de Jesus, apossai-vos de todos os
meus pensamentos, de todos os meus afetos, e fazei que de hoje em diante
não pense em outra coisa senão em amar a Jesus. Amabilíssimo Senhor,
atendei-me pelos merecimentos de vossa morte. – atendei-me também vós, ó
Maria, que sois Mãe de misericórdia. Rogai a Jesus por mim; as vossas
súplicas podem fazer-me santo e é isso o que espero. (I 728.)
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1. Io. 12, 32.
(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do
Ano: Tomo III: Desde a Décima Segunda Semana depois de Pentecostes até o
fim do ano eclesiástico. Friburgo: Herder & Cia, 1922, p. 17-19.)
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