Sumário. As virtudes que o Senhor exige particularmente dos religosos que vivem em comunidade, são a humildade e a mansidão.
Quem vive solitário nos desertos não precisa tanto delas; mas quem vive
em comunidade, se não é manso e humilde, cairá cada dia em mil defeitos
e passará uma vida inquieta, porque é impossível que não sofra ou
repreensões do superior ou desgostos dos companheiros. Para que serve um
religioso que não sabe suportar por Deus um desprezo, uma humilhação,
uma contrariedade? Ele será sempre um soberbo ao qual a graça divina
resistirá: Deus resiste aos soberbos.
O nosso
amabilíssimo Redentor Jesus quis ser chamado Cordeiro, exatamente para
significar quanto Ele era manso e humilde. Estas foram as virtudes que
principalmente quis que de si aprendessem os seus discípulos: Aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração.
E são estas também as que Jesus exige particularmente dos religiosos,
que fazem profissão de imitar sua vida sacrossanta. – Quem vive
solitário nos desertos não tem tanta necessidade destas virtudes; mas
quem vive em comunidade, é impossível que não sofra ou repreensões dos
superiores, ou desgostos dos companheiros. Pelo que um religioso que não
ama a mansidão, cairá cada dia em mil defeitos, e passará uma vida
inquieta.
O
religioso é preciso que seja todo doçura para com todos, estranhos e
companheiros, e ainda para com os súditos, se é superior; considerando,
se é súdito, que lhe vale mais um ato de mansidão em suportar os
desprezos e as repreensões, do que mil jejuns e disciplinas. – Dizia São
Francisco, que muitos põem a sua perfeição nas mortificações externas e
depois não sabem suportar uma palavra injuriosa; não compreendem que se
adquire maior mérito pelo sofrimento das injúrias. Quantas pessoas –
pondera ainda São Bernardo – , são todas doçura, quando não se diz ou
não se faz nada contra o seu gênio; mas depois, nas ocasiões contrárias,
fazem conhecer a sua pouca mansidão!
Quem é superior, note que aproveitará mais aos súditos uma repreensão feita com doçura do que cem outras feitas com aspereza. Mansuetus utilis sibi et aliis
– “O manso é útil a si próprio e aos outros”, ensina São João
Crisóstomo. – Em suma, como diz o mesmo Santo, o sinal mais certo de uma
alma virtuosa é vê-la mansa nas ocasiões. Um coração manso faz as
delícias do mesmo Deus que nele se compraz: Beneplacitum est illi fides et mansuetudo (1).
Para estar
sempre disposto a suportar em paz as injúrias, é bom que o religioso
nas suas meditações se represente os diversos encontros que lhe podem
sobrevir e se arme contra eles; e depois, nas ocasiões, deve fazer-se
violência, para não se perturbar, nem prorromper em impaciências. Por
isso deve abster-se de falar, quando o ânimo está exaltado, até que veja
que está acalmado. – Mas é sobretudo necessário ter um grande fundo de
humildade. Quem é verdadeiramente humilde, não só não se perturba quando
se vê desprezado, mas até com isso se alegra e se enche de júbilo
(ainda que a carne ressinta), vendo-se tratado como julga que merece e
feito semelhante a Jesus Cristo, que, sendo digno de toda a honra, quis
por amor de nós ser saciado de opróbrios e injúrias. – Os santos foram
mais ávidos de desprezos do que o são de aplausos e honras os mundanos. E
para que serve um religioso que não sabe suportar um desprezo por Deus?
Ele será sempre um soberbo, ou um humilde só de nome e fingido, ao qual
a divina graça resistirá, como diz o Espírito Santo: Deus superbis resistit, humilibus autem dat gratiam (2) – “Deus resiste aos soberbos, mas dá a graça aos humildes”.
Ó meu
humildíssimo Jesus, que por meu amor fostes tão humilhado e Vos fizestes
obediente até à morte de cruz! Como tenho ânimo de me apresentar diante
de Vós e chamar-me vosso imitador, vendo-me tão pecador e tão soberbo
que não posso suportar sem ressentimento um só desprezo? D’onde me vem
tão grande soberba, a mim, que pelos meus pecados tantas vezes mereci
ser calcado eternamente aos pés dos demônios no inferno? Ah, meu Jesus
desprezado, ajudai-me, fazei-me semelhante a Vós. Quero mudar de
costumes. Vós, por meu amor, sofrestes tantos opróbrios; eu também por
vosso amor quero suportar todas as injúrias.
Meu Redentor, fizestes muitos honrosos e desejáveis os desprezos, desde que os abraçastes em vossa vida com tão grande amor. Mihi absit gloriari, nisi in cruce Domini nostri Iesu Christi (3) – “Longe esteja de mim o gloriar-me, senão na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo”.
– Humildíssima Senhora e Mãe de Deus, Maria, vós que em tudo, mas
particularmente no sofrer, fostes a mais semelhante a vosso Filho,
alcançai-me a graça de suportar em paz todos os ultrajes que de hoje em
diante me forem feitos. (IV 431.)
- Ecclus. 1, 34. 2. 1 Petr. 5, 5. 3. Gal. 6, 14.
Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo III – Santo Afonso
Nenhum comentário:
Postar um comentário