É sentimento comum entre os
teólogos, que o juízo particular se faz logo que o homem expira, e que
no próprio lugar onde a alma se separa do corpo, aí é julgada por Jesus
Cristo, que não manda alguém em seu lugar, mas vem ele mesmo para a
julgar. Qual não será o espanto daquele que, vendo pela primeira vez seu
Redentor, o vir indignado!
Ante faciem indignationis eius quis stabit? (1) – “Diante da face de sua
indignação quem é que poderá subsistir?” Este pensamento causava tal
estremecimento ao Padre Luiz Dupont, que fazia tremer consigo a cela
onde se achava. O Bem-aventurado Juvenal Ancina, ouvindo cantar o Dies
irae, e pensando no terror que se há de apoderar da alma ao comparecer
em juízo, resolveu deixar o mundo, o que efetivamente fez. – O aspecto
do Juiz indignado será o anúncio da condenação: Indignatio regis, nuntii
mortis (2). Segundo São Bernardo, será maior sofrimento para a alma ver
Jesus Cristo indignado do que estar no inferno.
Têm-se visto criminosos banhados em suor frio na presença de um juiz
terrestre. Pison, comparecendo no senado em traje de réu, sentiu tamanha
confusão, que a si próprio se deu a morte. Que pena não é para um filho
ou para um vassalo ver seu pai ou seu príncipe indignado!
Que maior
mágoa não deve sentir a alma à vista de Jesus Cristo, a quem desprezou
durante toda a vida! Videbunt in quem transfixerunt (3) – “Verão aquele a
quem traspassaram”. Esse Cordeiro, tão paciente durante a vida do
pecador, então mostrar-se-lhe-á irritado, sem esperança de se deixar
aplacar. Pelo que a alma pedirá às montanhas que a esmaguem e a furtem
às iras do Cordeiro indignado: Montes, cadite super nos, abscondite nos
ab ira Agni (4).
Opinam os Doutores que o divino Juiz virá julgar a alma em forma humana,
e portanto com as mesmas chagas com que deixou a terra. Estas chagas
serão motivo de consolação para os justos, mas que terror e espanto não
inspirarão ao pecador! A vista do Homem-Deus, que, morreu para o salvar,
far-lhe-á sentir mais vivamente a sua ingratidão.
Quando José do Egito disse a seus irmãos: Eu sou José, a quem vendestes,
diz a Escritura, que pelo terror perderam a fala e ficaram calados (5).
Que responderá, pois, o pecador a Jesus Cristo? Terá coragem de lhe
pedir misericórdia, quando, primeiro que tudo, tem de lhe dar contas do
abuso que fez da misericórdia? Que fará então? Pergunta Santo Agostinho,
para onde fugirá o miserável, quando vir acima de si o Juiz irritado,
por baixo o inferno aberto, a um lado os pecados que o acusam, a outro
os demônios armados para execução do suplício e dentro de si os remorsos
de sua consciência?
Santo Afonso de Ligório
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