No dia da profissão, trazia ela ao seio um bilhete com esta prece:
Teve-os ambos.
O martírio do corpo começou na véspera da Sexta-Feira Santa, ano e meio antes da sua morte. Cumpre ouvi-lo contar por ela própria:
“Na Quinta-Feira à noite, não tendo obtido licença para ficar no Sepulcro a noite inteira, recolhi-me à meia-noite a cela. Mal a cabeça me pousava no travesseiro, senti uma golfada subir-me borbotando até aos lábios; cuidei que ia morrer, e o coração se me desfez de alegria. Entretanto, como eu acabava de apagar a lampadazinha, mortifiquei a minha curiosidade até a manhã, e adormeci tranquilamente. Às 5 horas, dado o sinal de acordar, pensei imediatamente que tinha alguma coisa de feliz a saber. Aproximando-me da janela, logo o verifiquei, achando o lenço cheio de sangue. Oh! Minha Mãe, que esperança! Fiquei intimamente persuadida de que meu Bem-Amado, naquele dia de aniversário da Sua morte, me fazia ouvir um primeiro chamado, como um doce e longínquo murmúrio que me anunciava a sua ditosa chegada”
Haverá muitos, entre os doentes, os tísicos, os feridos, que, sentindo uma golfada subir-lhes borbotando aos lábios, esperam pelo dia seguinte para olharem o lenço, e adormeçam tranquilamente?
No dia seguinte, Teresinha assiste aos Ofícios da manhã. Não sente, afirma, nenhuma fadiga, o menor sofrimento. Por isto, consegue facilmente licença de acabar a quaresma como a começara, e de compartilhar todas as austeridades do Carmelo sem alívio algum: Ofícios longos, o jejum até a noite, a disciplina durante três Miserere, as ocupações de casa; à tarde, em cima de um banquinho, lava os vidros das janelas.
“Nunca, certifica, essas austeridades me tinham parecido mais deliciosas”
À noite, novo jato de sangue…
Ela soube tão bem fazer, que a deixaram seguir o regulamento. Acessos violentos de tosse sacudiam-lhe o peito. Era principalmente à noite. Na sua cela afastada, ninguém a podia ouvir.
Veio o outono, depois o inverno, o terrível inverno de 1896. Não havia fogo no Carmelo! Teresinha, transida de frio durante o dia todo, volta à cela, após o Ofício, pelo meio da noite. É-lhe precisa, na exaustão das suas forças, meia hora para subir a ela; meia hora para acomodar-se. Não chega a aquecer-se. Às 6 horas, o dia recomeça; e assim, dia por dia, até que ela se deita para agonizar.
Transportada para a enfermaria, confessa, ao deixar a cela:
Transportada para a enfermaria, confessa, ao deixar a cela:
“Sofri muito nela, nela gostaria de morrer”
O martírio do coração não lhe foi poupado: e ela o começou jovem, aos 4 anos, pela morte da mãe. Cruel moléstia do pai aditou-lhe novo capítulo. Seria demasiado longo pormenorizar os outros.
Mais se, talvez, esse martírio não foi excepcionalmente duro, um terceiro se lhe juntou, que não previra: o da alma.
Mais se, talvez, esse martírio não foi excepcionalmente duro, um terceiro se lhe juntou, que não previra: o da alma.
Desde a infância, Teresinha vivera em pleno sobrenatural. A fé. Era-lhe a luz, a força, a doçura. E essa luz era tão clara, tão límpida, que ela não chegava a compreender, assim diz, como se podia duvidar.
Mas fez a experiência disso: alguns dias depois dos seus escarros de sangue, a luz, de repente, se apaga. Quanto mais se esforça por arredar as ideias perturbadoras, quanto mais se aferra a fé, tanto mais a sente vacilar. E é a sensação duma queda vertiginosa em poço sem fundo.
Mas fez a experiência disso: alguns dias depois dos seus escarros de sangue, a luz, de repente, se apaga. Quanto mais se esforça por arredar as ideias perturbadoras, quanto mais se aferra a fé, tanto mais a sente vacilar. E é a sensação duma queda vertiginosa em poço sem fundo.
“Não digo mais, escreve ela, recearia blasfemar”
E a tempestade conserva a violência até ao êxtase que lhe acompanhará a morte. Em certos dias exclama:
“Oh! Como é preciso rezar pelos agonizantes! Se se soubesse!…”
Durante semelhante martírio, qual foi o seu comportamento? Qual o primeiro grito do seu coração? A ação de graças: agradece a Deus o tirar-lhe a única consolação natural que lhe restava, e fazê-la comer o pão amargo da dúvida à mesa dos pecadores.
Mas, contra a tentação que persiste, como vai ela reagir?
“Eu me porto como brava, declara. Sabendo que é covardia bater-se alguém em duelo, volto as costas ao adversário, sem jamais encará-lo; depois, corro para o meu Jesus. Digo-lhe estar pronta a derramar todo o sangue para confessar que há um céu. Digo-lhe ser feliz de não poder contemplar na terra, com os olhos da alma, esse belo céu que me aguarda, afim de que Ele se digne de abri-lo pela eternidade aos pobres incrédulos. Assim, apesar dessas trevas que me tiram todo sentimento de gozo, ainda posso exclamar: Senhor, vós me encheis de alegria por tudo quanto fazeis, pois haverá alegria maior do que a de sofrer por vosso amor? E depois, não ignoras que, mesmo não tendo o gozo da fé, esforço-me por lhe ter as obras. Pronunciei mais atos de fé num ano do que em toda a minha vida”
Em suma, dois gestos: recusa de aceitar a dúvida, e redobramento dos atos que a fé inspira. Dois gestos de bom senso e de coragem, mas sobretudo dois gestos de amor.
A esse martírio que a tortura no íntimo do ser, e que se junta aos outros sem suprimi-los, ela põe o penacho, o penacho do sorriso! Esse sorriso, perdera-o Teresinha aos 4 anos, na morte da mãe. Achara-o no momento da “sua conversão”, antes da entrada para o Carmelo. Conservá-lo-á até o fim: ser-lhe-á o meio de ocultar a cruz debaixo das flores. De tal sorte que o Bom Deus, “como que iludido — diz ingenuamente — pela expressão do seu semblante, não perceberá que ela sofre”; ou, pelo menos, compreenderá que é feliz de sofrer por Ele.
Com efeito, referem-nos as testemunhas, “o sorriso nunca lhe deixava os lábios. Permanecia graciosa como uma criança”.
Quando se lhe afigura que o sofrimento excede da medida, convence-se de que “Jesus deve saber melhor que ela até onde é capaz de ser levado o seu sofrimento e o seu amor”.
As noviças que a visitam na cela:
“Não se aflijam por mim! Já cheguei a não poder mais sofrer, porque todo sofrimento me é doce”
E ainda:
“Eu gozo de sofrer. Quanto mais intenso é o sofrimento, quanto menos aparece aos olhos das criaturas, tanto mais Vos faz sorrir, ó meu Deus. E se, por impossível, Vós mesmo o devêsseis ignorar, eu ainda seria feliz de sofrer, na esperança de que, por minhas lágrimas, pudesse impedir ou reparar talvez uma só falta contra a fé”
E a heroica menina, triturada no corpo, no coração, na alma, carregando até ao limite das suas forças a cruz de todas as observâncias do Carmelo, lá se vai, de sorriso nos lábios, para o cimo do seu Calvário, almejando morrer nele como Jesus, sem consolo, mas pelo amor e por amor.
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