quarta-feira, 2 de outubro de 2019

A Pequena Trilha

Santa Teresinha do Menino Jesus

A Pequena Trilha

Teresa de Lisieux, dizia Pio XI, abriu uma senda nova, a “pequena trilha”, accessível a todos e que leva até à santidade.

Em que consiste essa Pequena Trilha

Santa Teresinha nos vai dizer: Teve ela sempre o grande desejo de chegar à santidade, vendo embora a incomensurável distância que a separava de todos os Santos. Em vez de desanimar, dizia consigo:
“O bom Deus não poderia inspirar desejos irrealizáveis; posso, pois, apesar da minha pequenez, aspirar à santidade. Fazer-me maior é impossível, devo-me suportar tal qual sou, com as minhas imperfeições sem número; mas quero achar o meio de ir para o céu por uma pequena trilha bem reta, bem curta, uma pequena trilha inteiramente nova”
Estamos num século de invenções; agora não vale mais a pena galgar os degraus duma escada. Entre os ricos, um elevador substitui-a vantajosamente. Eu de mim quisera achar um elevador para chegar até Jesus, porque sou pequena demais para galgar a rude escada da perfeição. Então, li nos livros santos:
“Se alguém é pequenino, venha a mim”
Aproximei-me, pois, de Deus, adivinhando bem que tinha descoberto o que procurava.
“Querendo ainda saber o que faria Ele ao pequenino, continuei as minhas investigações. Eis o que achei: ‘Qual uma mãe acaricia o filho, assim eu vos consolarei. Carregar-vos-ei ao seio e vos embalarei aos joelhos’. Ah! Nunca palavras mais deliciosas, mais ternas, me vieram rejubilar a alma. O elevador que me deve elevar até ao céu são Vossos braços, ó Jesus! Para isso, não preciso crescer; devo, ao contrário, ficar pequenina. Fazer-me pequenina cada vez mais”
Ficar pequena, fazer-se criança cada vez mais: tal é o segredo de Teresinha.
A criança sente-se fraca e pobre, mas fia-se na força e na riqueza dos pais. A desconfiança de si, a confiança em Deus: eis os dois traçados paralelos que assinalam a “pequena trilha.
desconfiança de si, a convicção de que não é nada, de que nada tem, de que nada pode, Teresinha sente-a, proclama-a, canta-a, compraz-se, pois vê nisso o seu melhor título, as bondades de Jesus.
“O que agrada a Jesus na minha pequena alma é ver-me amar a minha pequenez, a minha pobreza; é Jesus que faz tudo em mim, e eu nada faço senão ser pequena e fraca”
“Para ser de Jesus, há que ser pequena, pequena como a gota de orvalho”.
E ela se resguardará bem de crescer.
“Até entre os pobres, dá-se a criança o que lhe é necessário; mas, logo que ela cresceu, o pai não quer mais sustentá-la e lhe diz: Trabalha agora, já te podes bastar. — Pois bem, acrescenta ela, foi para nunca ouvir isto que nunca quis crescer, sentindo-me incapaz de ganhar minha vida, a vida eterna do céu; porquanto eu nunca soube fazer nada sozinha”.
Esta desconfiança de si, quando voluntária e amada, toma outro nome, augusto e que nos parece terrível: chama- se humildade.
“O espírito de infância, diz Monsenhor Charles Gay, mata o orgulho muito mais seguramente que o espírito de penitência”
Teresinha matou o orgulho.
“A maior coisa, assevera, que o Todo-Poderoso fez em mim foi ter-me mostrado a minha pequenez, a minha impotência para todo bem”
Ela vai até se felicitar das próprias imperfeições, porque lhe fazem sentir melhor a sua fraqueza.
“É tão doce a gente se sentir fraca e pequena”
Tem horror ao “óleo dos louvores, tão delicioso à natureza, mas que lhe poderia amolecer a cabeça”“Os cumprimentos só lhe causam desprazer”, ao passo que as censuras “lhe são festim delicioso a encher-lhe a alma de alegria”“Desejei ardentemente ser humilhada”, afirma ela.
Há, porém, uma humilhação mais requintada: é o esquecimento; e é esse o anelo de Teresinha. No dia dos primeiros votos trazia este bilhete ao seio:
“Ó Jesus, fazei que ninguém se ocupe de mim. Seja eu calcada aos pés. Esquecida qual grãozinho de areia”
Ainda postulante, escrevia a uma de suas irmãs:
“Não quero mais nada senão o esquecimento; não o desprezo, as injurias: seria glorioso demais para o grãozinho de areia; se desprezassem um grão de areia, é que o veriam, é que pensariam nele. Que felicidade estar tão bem escondida que ninguém pense em vós, ser desconhecida mesmo das pessoas que vivem convosco!”
“Desde a idade de cinco anos, diz-nos um dos seus historiadores, até as últimas semanas que lhe precederam à morte, ela se esforçou por passar despercebida”
“Era realmente preciso prestar atenção, depõe um dos seus confessores, para perceber que era muito inteligente”
E quantos não o perceberam!
No dia do seu ingresso, o Superior eclesiástico, que se opusera à admissão, terminou a alocução, cheia de reservas, por esta frase endereçada à Superiora:
“Enfim, Reverenda Madre, obedeço a Monsenhor, de quem sou mero delegado; almejo, porém, que a Comunidade não se tenha que arrepender mais tarde de ter acolhido postulante tão jovem”
A sua juventude, no noviciado, não lhe valerá outro privilégio que o de ser repreendida sem parcimônia. A Madre Prioresa dava o exemplo.
“Ela é muito mais orgulhosa do que pensais, dizia. Precisa ser constantemente humilhada”
De fato. Teresinha confessa que não podia encontrar-se com ela sem receber alguma censura. E quando a via em direção era “para ser increpada quase todo o tempo”.
Nem para a admissão ao noviciado, nem para a profissão religiosa, recolheu a unanimidade dos sufrágios; sem dúvida, porque muitos achavam que era demais três irmãs na mesma comunidade.
Mais tarde, confiá-la-ão de fato a formação das noviças, mas sem lhe darem o título de Mestra. Será apenas “a mais velha do noviciado”. Ficará assim entre as noviças até a morte, sem nunca tomar o seu lugar entre as professas no Capítulo.
As religiosas que se aproximavam dela mais de perto nem sempre lhe suspeitavam, sob a simplicidade perpétua das aparências; a sublimidade da virtude. No leito de doente, onde acabava de suportar com sorriso umas 500 pontas de fogo, ela ouviu muito distintamente estas palavras que vinham da cozinha, situada bem defronte da sua cela:
“Irmã Teresa do Menino Jesus vai morrer breve, e me pergunto na verdade o que nossa Madre poderá dizer a seu respeito depois que morrer. Há de ficar bem embaraçada, porque essa freirinha, por mais amável que seja, não fez, entretanto, nada que valha a pena ser contado”
Uma irmã conversa tomou a se oferecer a Teresinha moribunda um alimento que teria infalivelmente provocado vômito. A doente escusou-se muito meigamente, alegando os motivos. A enfermeira de ocasião mostrou-se descontente com essa resistência, todavia tão doce e tão justificada, e permitiu-se dizer a uma pessoa da roda:
“Não sei por que falam tanto de Irmã Teresinha do Menino Jesus. Não faz nada de notável; nem sequer se pode dizer exatamente que seja boa religiosa”
A murmuração foi contada à doente, cujo rosto se iluminou de um sorriso:
“Ouvir dizer no leito de morte que eu não sou boa religiosa, que alegria!”
A sua humildade atingira, pois, o grau em que se está bastante convencido do próprio nada, para achar bem que os outros tão pouco duvidem dele.

Mas a desconfiança de si, quando se chama humildade, torna fácil a confiança em Deus.
Porquanto a humildade não é virtude deprimente. Não há virtude deprimente. A virtude — virtus — é força. A humildade, desviando-se do eu, volve-se para Deus e chama-o. E Deus vem para encher o vácuo, e com Deus a gente se sente capaz de tudo.
Conheço Alguém tão grande que me escuta e me ama: grande, forte, e bom, amante, e todo paternal! E tão perto! É só lançar-se-Lhe nos braços.
“Ó Jesus, exclama, deixa-me dizer-te que me amas loucamente. Como então a minha confiança teria limites?”
E depois, ela sabe “que a gente alcança do bom Deus na medida em que espera”. Ela espera, pois, tudo, confia nEle para tudo. Conta-Lhe “muito singelamente o que Lhe quer dizer, e sempre Ele a compreende”.
É paupérrima, mas “o bom Deus lhe dá à proporção o que lhe é preciso para praticar a virtude”. Se não a ouve, tem as suas razões que ela não precisa compreender. E ela Lhe agradece mesmo assim. Deixa-O “gerir-lhe os interesses, jogar por ela no banco do amor, sem de modo algum se intrometer no jogo”. Se é noite e se a criança tem medo, “queixa-se de não ver quem a carrega, pois bem, feche os olhos… a noite não a assustará, porque ela não a verá mais”.
Ante as dificuldades, “é pequena demais para se lhes sobrepor. Passa-lhes então por debaixo muito simplesmente. É bom para as grandes almas alar-se acima das nuvens quando a tempestade brame; ela sofre pacientemente o aguaceiro: tanto pior, se ficar um pouco molhada, aquecer-se-á ao sol do amor”.
Encarregada da educação das noviças, compreende a evidência que a tarefa lhe excede as forças. Acha-a por isso mesmo simplificada:
“Coloca-se bem depressa nos braços do bom Deus como o bebê que esconde a cabeça loura no ombro do papai e diz: Senhor, vedes, sou pequena demais para criar vossas filhas; se lhes quereis dar por mim o que convém a cada uma, enchei minha mãozinha, e, sem deixar os vossos braços, sem sequer desviar a cabeça, distribuirei os vossos tesouros”
“a sua mão se achou cheia tantas vezes quanto foi necessário”.
Não ignorava que o pai ama os filhos, e que Deus é o melhor dos pais. “Papai, o bom Deus”, ousa falar, traduzindo a seu modo a palavra de São Paulo: Abba, Pater! Assim, ficar criança é não se preocupar com coisa alguma. Sem dúvida, escapam-lhe pequenas tolices, porém se as crianças caem com frequência, são pequenas demais para se machucarem muito…
“Não cessam de quebrar, de rasgar, de cair, amando embora muito aos pais e por eles sendo amadas”
Mas, e a reparação, a dívida a pagar? Teresinha é muito pequena e muito pobre “para pagar uma só das suas dívidas espirituais”; então diz a Jesus:
“Pagai todas as minhas dividas”
E fica encantada de não ter nada, para contar unicamente com Ele.
E o Purgatório? Quase não a inquieta.
“Ficará sempre contente com a sentença do bom Deus”
E o Inferno? Oh! Nenhum risco.
“As crianças não se condenam”
Sem dúvida ela nunca cometeu pecado grave. No entanto, não é isto o que lhe infunde confiança, é o amor de seu Salvador. E “ainda quando tivesse na consciência todos os crimes que se podem cometer, iria, com o coração partido de arrependimento, lançar-se nos braços”.
Em suma, com a desconfiança de si, vai de mãos dadas à confiança em Deus, uma confiança perpétua, absoluta, infinita se tal pudesse ser. Afinal, é uma confiança infinita que Deus merece: não nos arriscamos, pois, a exagerar.
Ah! Bonito método, e tão simples! Cabe em duas palavras: desconfiança de si, confiança em Deus. Tão simples, que as crianças o acham por instinto na sua fraqueza em face do poder e da bondade dos queridinhos pais. E tão eficaz! Se Judas o tivesse praticado, se, acabrunhado pelo crime inexpiável; se, enojado de si próprio, tivesse olhado para o Mestre com olhos enternecidos e confiantes, não teria se dependurado a uma figueira, mas ao pescoço de Jesus. E diríamos hoje: “São Judas”, como dizemos: “São Pedro, São João, São Paulo”… Em vez de ser aquele que a gente só nomeia com horror, aquele de quem a Verdade pôde dizer: “Melhor fora que não tivesse nascido”, teria permanecido apóstolo, um dos Doze, isto é, um daqueles homens que são os maiores da história. Pois não os há que tenham feito tão grandes coisas e tão duradouras, já que fundaram a Igreja imortal. Não os há que tenham exercido influência tão decisiva no futuro da humanidade. E ademais, eles são, pela eternidade, Santos, e dos maiores. Entre Judas e os outros, qual foi a diferença? O pecado? Não, os outros igualmente, mais ou menos, eram pecadores. Todavia, os outros creram no amor do Mestre. Et nos credidimus caritati. Confiaram no amor. Judas, não. Não acreditou. Confiou só em si; era muito, e era muito pouco, e quando o percebeu, desesperou. Não seguiu a “pequena trilha” de Teresa de Lisieux.

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