CAPITULO VII - QUAIS SÃO OS MAUS ESCRUPULOSOS
Digamos uma palavra deste gênero de escrupulosos, a fim de completar a matéria e estabelecer as distinções necessárias.
Embora a maioria dos escrúpulos provenham do demônio, pode-se dizer que os maus escrupulosos são mais particularmente obra dele. São todos aqueles que fazem da piedade uma idéia falsa, ou que dela se servem para ocultar aos outros e a si mesmos vícios grosseiros de que não se querem corrigir. Consoante os autores da Ciência do confessor, podem-se reduzir a duas espécies de escrupulosos todos esses de que queremos falar: uns, que não passam lá muito da linha do pecado venial; outros, que engolem a iniquidade como água, e que merecem antes o nome de hipócritas do que o de escrupulosos.
Os primeiros não passam, ordinariamente, de gente que, seja por ignorância dos seus deveres, seja por cegueira voluntária ou por amor-próprio, formam uma falsa consciência, e são escrupulosos em excesso sobre certos pontos, ao passo que sobre outras importantíssimos, como paixões, inveja, vingança, ódio, maledicência, etc., não se fazem censura alguma e não sentem nenhum remorso.
Os segundos são os que, como os Fariseus de que fala o Evangelho, fazem escrúpulo de cometer pequenas faltas ou de faltar a certas práticas de pura devoção, ao passo que não fazem nenhum escrúpulo de viver em pecado mortal, e abandonam-se mesmo aos desregramentos mais vergonhosos.
Deve o confessor ser mais atento a descobrir a boa ou má fé dessas espécies de escrupulosos, pois não pode tratar com êxito a doença deles sem conhecê-la bem; porém um dos sinais mais característicos das falsas devoções é a indocilidade, a teimosia, o apego obstinado ao próprio senso. Deve ele pois, experimentá-los sobre este ponto. Deve examinar com cuidado se eles cumprem os deveres do seu estado, se os conhecem, se observam o preceito do amor do próximo, o perdão das injúrias, etc.; pois é nisto que se reconhece infalivelmente o caráter da devoção deles, e se há no caso bom ou mau escrúpulo. Uma vez feita esta investigação, convém agir com prudência, com tato, mas também com firmeza. Cumpre instruí-los, tirar-lhes as ilusões, volver-lhes o temor para aquilo que é realmente pecado; mantê-los afastados da comunhão até que a falsa consciência desapareça e que a conduta se torne mais regular e mais constante.
Quanto aos escrupulosos hipócritas ou que caem em grandes excessos, é urgente abrir-lhes os olhos sobre a enormidade dos pecados a que estão habituados, sobre os perigos do seu estado, forçá-los a converter-se. Eles precisarão de uma confissão geral, coisa de que os outros escrupulosos podem talvez prescindir. Uma vez bem feita a confissão, segundo as circunstâncias, uma vez assegurada a conversão deles, ou ao menos presumida sincera, se os escrúpulos não passarem trabalhar-se-á na cura deles como na dos bons escrupulosos. Enfim, regra geral, cumpre esforçar-se por desarraigar essas falsas devoções, destruir as falsas consciências, reconduzir aos verdadeiros princípios da religião e da piedade, porque nada faz mais mal, quer à religião quer à edificação do próximo, do que os maus escrupulosos.
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