1.º Caridade. — A mais necessária das virtudes que deve ter o confessor dos escrupulosos é a caridade, porém uma caridade doce, paciente, a toda prova; uma caridade que lhe sustente, que lhe ative, que lhe duplique o zelo à proporção que as dificuldades aumentem. Há quem diga que, para ter essa caridade necessária, tão heróica deve ela ser, seria mister que o confessor tivesse sido acometido dessa doença; porquanto só a experiência pode revelar quantos males se sofre, quanto se é digno de compaixão e de caridade quando se é atacado de escrúpulo.
2.º Firmeza. — Deve, pois, o confessor ter muita bondade para com essas espécies de penitentes; deve consolá-los, suportá-los, esclarecê-los; mas a essa bondade deve aliar também uma grande firmeza: isto é indispensável para com essas pobres almas, que de outro modo nunca se renderiam à verdade. Ser bom sem ser firme, ou ser firme sem ser bom, não seria ter as qualidades requeridas; é preciso reunir as duas coisas ao mesmo tempo, bondade e firmeza: todos compreendem a razão disto. E é que, se se for apenas bom, o escrupuloso abusará disso, se prevalecerá disso, e se enterrará cada vez mais no mal. Se se for apenas firme, desanimar-se-á, desolar-se-á com isso o escrupuloso, ele sentirá falta de confiança, e o escopo do confessor não será atingido.
3.º Ciência. — À bondade e à firmeza deve-se juntar necessariamente a ciência. Requerida para qualquer direção, mais particularmente a ciência é requerida para a direção dos escrupulosos, pois estes estão nas trevas; o seu espírito está cegado, as suas idéias embrulhadas; as dúvidas amontoam-se-lhes na consciência, as angústias transtornam-lhes o coração; eles não sabem explicar a si mesmos o que se passa neles: ao ministro sagrado é que cabe, pois, empunhar o facho, espancar as trevas, dissipar as dúvidas, acalmar as inquietações, mostrar o caminho, fazer entrar nele, ensinar a trilhá-lo. É preciso mesmo uma ciência mais do que ordinária, por duas razões: a primeira, porque são trilhas extraordinárias as dos escrupulosas; a segunda, porque, se não se decide positivamente, claramente, em tom firme e sem réplica, não se dominará essa imaginação versátil, não se imporá silêncio a esse espírito inquieto. Pode-se esperar responder a todas as perguntas, abordar todas as penas, dissipar todos os temores, sem um conhecimento aprofundado das leis divinas e humanas, das circunstâncias, das aplicações, das exceções, das regras teológicas, das sentenças dos doutores e de outras autoridades? Sem dúvida a oração, a piedade, a pureza de intenção, os conselhos dos homens prudentes, a meditação suprem um pouco a ciência; mas seria infinitamente pára desejar que se possuísse tudo ao mesmo tempo. Entretanto, o escrupuloso não tem de se perturbar com o receio de não achar um confessor que tenha o grau de ciência de que falamos; tem só que ir com boa fé, obedecer àquele que o dirige, como obedeceria a Deus, e o Espírito Santo não o deixará sem condutor nas trilhas da salvação.
4.º Experiência. — Importa que os confessores dos escrupulosos tenham uma certa experiência, ou pelo menos um caráter resoluto unido à prudência; porquanto, se parecerem embaraçados, hesitantes, tímidos, irresolutos, os escrupulosos se prevalecerão disto; tornar-se-ão ainda mais inquietos; procurarão embrulhá-los com perguntas finas e hábeis para ver se eles são capazes de julgar, de decidir bem, se não se contradizem, e se as suas decisões merecem alguma confiança.
5.° Autoridade. — O confessor dos escrupulosos deve ter uma grande autoridade sobre o espírito daqueles que ele dirige; mas esta autoridade deve ele hauri-la não somente no seu ministério, mas também na maneira de granjear a confiança, a submissão, o interesse do seu penitente. É preciso que não omita nada, desde o princípio, para adquirir sobre ele esse ascendente necessário; que o deixe explicar-se e descobrir-se, que o escute com paciência, que lhe responda com doçura, que lhe suporte as perguntas, que trabalhe para conhecê-lo escutando-o, e, depois, que aproveite todas as ocasiões para provar ao escrupuloso que o conhece, lhe diga qual é o seu estado, explique-lhe algumas das suas tentações, das suas dúvidas, dos seus combates, analise-lhe a sua situação e diga-lhe mesmo algumas vezes: Olhe, para lhe provar que lhe leio no coração, e que ele é transparente aos meus olhos, eis o que você sente, de que é que duvida, o que é que o aflige, o que é que o detém, etc. Então, vendo que o seu confessor o conhece tão bem, o escrupuloso conceder-lhe-á a sua confiança, acreditará na palavra dele; e então a obediência tornar-se-lhe-á mais fácil. Ora, o confessor deverá aplicar-se a obter essa confiança inteira, absoluta, cega, a exigi-la mesmo, ameaçando o escrupuloso de abandoná-lo se ele não obedecer; e, desde que obedecer fielmente, o escrupuloso ficará curado ou pelo menos tranquilo, e o confessor ficará exonerado de um pesado fardo.
Apressemo-nos, entretanto, a dizer ser preciso que os meias empregados para obter esse resultado sejam diferentes segundo a inteligência, a instrução, a idade, a índole dos escrupulosos: é sempre de acordo com a «moléstia que se deve fazer a escolha dos remédios. Cumpre, pois, discernir a doença, estudar o natural, remontar aos princípios, examinar os efeitos, observar os matizes, os sintomas, as fases diversas, os obstáculos, os meios já empregados, e depois agir com sabedoria, precaução e firmeza.
Depois disto, deve o confessor prescrever ao escrupuloso alguns remédios utilíssimos, posto que muito conhecidos: 1.º, proibir-lhe a leitura de obras próprias para despertar os escrúpulos, e a conversa com pessoas escrupulosas; 2.º, se ele for fortemente atormentado, ide (diz o autor do Manual dos confessores, depois de vários outros), ide até o ponto de lhe proibir assistir aos sermões em que se trata das verdades terríveis, e de examinar a consciência sobre coisas que lhe causam escrúpulos mal fundados; 3.º, se o escrúpulo consiste no temor de consentir em maus pensamentos, por exemplo sobre a fé, a pureza ou a castidade, deve o confessor passar afoitamente por sobre essas coisas, e dizer-lhe que esses pensamentos são tentações e penas, mas que não há aí nem consentimento nem pecado
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