quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017

II- Diferentes espécies de escrúpulos


II CAPITULO 
DIFERENTES ESPÉCIES DE ESCRÚPULOS. SEUS OBJETOS.

Podem-se distinguir diversas espécies de escrúpulos: uns são em matéria de fato, e outros em matéria de direito. Há escrúpulo em matéria de fato quando, por exemplo, a pessoa receia ter consentido num mau pensamento, não haver confes­sado bem um pecado, ou ter esquecido al­guma circunstância, etc. Há escrúpulo em matéria de direito quando, por exemplo, se acredita que há pecado quando não o há; que uma coisa é proibida, quando não o é; que uma ação é culposa, posto que o não seja.
Há escrúpulos em matéria grave quan­do, por exemplo, se receia que uma ação que se fez ou que se deve fazer seja pe­cado mortal; donde vem que, depois de a haver feito, a pessoa se considera como um inimigo de Deus e como objeto de sua aversão. Há-os em matéria leve quando se receia que uma ação que se fez ou que se quer fazer, mesmo a mais inocente, é desa­gradável a Deus, e se considera a Deus como um amo severo, sempre irritado e descontente, que só tem para o escrupu­loso censuras e ameaças, e que breve deve abandoná-lo para puni-lo das suas infide­lidades.

Há, finalmente, a tentação do escrúpulo e o consentimento na tentação. A tenta­ção consiste no temor e na angústia que empolgam o coração do escrupuloso e lhe fazem ver pecado onde absolutamente não o há. O consentimento na tentação consis­te em que o escrupuloso, em vez de resis­tir aos seus escrúpulos, a eles se deixa arrastar, escuta-os, examina-os e rola-os cem e cem vezes na mente, embora fique sempre igualmente embaraçado. Final­mente, deixa-se ele persuadir de haver pecado, e não tem repouso enquanto não depositar o seu escrúpulo aos pés de um confessor. — Eis agora os principais ob­jetos dos escrúpulos:

1.º- As orações. — Os escrupulosos tor­turam-se no tocante à maneira como fa­zem as suas orações: desatenção, distra­ções, omissões, dissipação, tibieza; ra­cham a cabeça, enleiam-se, acabrunham o espírito com isso; e tantos esforços, ao invés de lhes afastar os temores, só são próprios para produzi-los em turba.

2.º- As confissões. — Quantas inquieta­ções não têm os escrupulosos sobre as suas confissões passadas! que desejos de reiterá-las incessantemente! que tormentos e são impedidos disso! Confissões gerais, confissões anuais, confissões particulares, confissões sem dor, confissões sem fruto, eis aí outras tantas inquietações que roem os escrupulosos.

3.º- correções fraternas. — Menos há­beis não são eles em forjar mil quimeras no tocante às maledicências ouvidas, às maledicências repetidas, às maledicências não impedidas, do que sobre a curiosidade excessivamente grande para com a con­duta do próximo, e sobre o excesso de co­vardia em repreender os que fazem mal.

4.º- Os motivos das ações. — Novo mo­tivo de aflição e de tristeza para o escru­puloso: o motivo das ações, sobretudo nas coisas indiferentes e de conselho. O gran­de desejo que eles têm, de referir tudo à glória de Deus, leva-os a crer que eles nun­ca têm intenção pura, e que só têm inten­ções contrárias. Se dão esmola, imaginam ser por vaidade; se comem, é por sensuali­dade, etc.

5.º- Sobre a predestinação. — O quin­to objeto dos escrúpulos, pelo qual as al­mas são trabalhadas, é dos mais desola­dores, porque lhes abate o ânimo lan­çando-lhes trevas no espírito. O escrupu­loso não compreende o mistério da pre­destinação; procura compreendê-lo; acre­dita-se reprovado, e ei-lo sem coragem, caindo às vezes numa espécie de demên­cia.

6.º- As perguntas perigosas que ele se faz a si mesmo. — O escrupuloso lança-se de vez em quando em tentações delicadíssimas, pelas perguntas perigosas que faz a si mesmo: Que faria eu se me achasse em tal ou tal caso? Estaria disposto a cumprir o meu dever, a derramar o meu sangue, etc., etc.? E sobre isto se atormenta, e julga-se culpado daquilo que ima­gina haver entrevisto nas suas disposições.


7.º- Das tentações. — Quem não sabe que o escrupuloso teme sempre haver consen­tido em molestas tentações que o demô­nio lhe suscite? Ele confunde o senti­mento com o consentimento, a tentação com a vontade; daí um motivo inesgotá­vel de perturbações.

Nenhum comentário:

Postar um comentário