DIFERENTES ESPÉCIES DE ESCRÚPULOS. SEUS OBJETOS.
Podem-se distinguir diversas espécies de escrúpulos: uns são em matéria de fato, e outros em matéria de direito. Há escrúpulo em matéria de fato quando, por exemplo, a pessoa receia ter consentido num mau pensamento, não haver confessado bem um pecado, ou ter esquecido alguma circunstância, etc. Há escrúpulo em matéria de direito quando, por exemplo, se acredita que há pecado quando não o há; que uma coisa é proibida, quando não o é; que uma ação é culposa, posto que o não seja.
Há escrúpulos em matéria grave quando, por exemplo, se receia que uma ação que se fez ou que se deve fazer seja pecado mortal; donde vem que, depois de a haver feito, a pessoa se considera como um inimigo de Deus e como objeto de sua aversão. Há-os em matéria leve quando se receia que uma ação que se fez ou que se quer fazer, mesmo a mais inocente, é desagradável a Deus, e se considera a Deus como um amo severo, sempre irritado e descontente, que só tem para o escrupuloso censuras e ameaças, e que breve deve abandoná-lo para puni-lo das suas infidelidades.
Há, finalmente, a tentação do escrúpulo e o consentimento na tentação. A tentação consiste no temor e na angústia que empolgam o coração do escrupuloso e lhe fazem ver pecado onde absolutamente não o há. O consentimento na tentação consiste em que o escrupuloso, em vez de resistir aos seus escrúpulos, a eles se deixa arrastar, escuta-os, examina-os e rola-os cem e cem vezes na mente, embora fique sempre igualmente embaraçado. Finalmente, deixa-se ele persuadir de haver pecado, e não tem repouso enquanto não depositar o seu escrúpulo aos pés de um confessor. — Eis agora os principais objetos dos escrúpulos:
1.º- As orações. — Os escrupulosos torturam-se no tocante à maneira como fazem as suas orações: desatenção, distrações, omissões, dissipação, tibieza; racham a cabeça, enleiam-se, acabrunham o espírito com isso; e tantos esforços, ao invés de lhes afastar os temores, só são próprios para produzi-los em turba.
2.º- As confissões. — Quantas inquietações não têm os escrupulosos sobre as suas confissões passadas! que desejos de reiterá-las incessantemente! que tormentos e são impedidos disso! Confissões gerais, confissões anuais, confissões particulares, confissões sem dor, confissões sem fruto, eis aí outras tantas inquietações que roem os escrupulosos.
3.º- correções fraternas. — Menos hábeis não são eles em forjar mil quimeras no tocante às maledicências ouvidas, às maledicências repetidas, às maledicências não impedidas, do que sobre a curiosidade excessivamente grande para com a conduta do próximo, e sobre o excesso de covardia em repreender os que fazem mal.
4.º- Os motivos das ações. — Novo motivo de aflição e de tristeza para o escrupuloso: o motivo das ações, sobretudo nas coisas indiferentes e de conselho. O grande desejo que eles têm, de referir tudo à glória de Deus, leva-os a crer que eles nunca têm intenção pura, e que só têm intenções contrárias. Se dão esmola, imaginam ser por vaidade; se comem, é por sensualidade, etc.
5.º- Sobre a predestinação. — O quinto objeto dos escrúpulos, pelo qual as almas são trabalhadas, é dos mais desoladores, porque lhes abate o ânimo lançando-lhes trevas no espírito. O escrupuloso não compreende o mistério da predestinação; procura compreendê-lo; acredita-se reprovado, e ei-lo sem coragem, caindo às vezes numa espécie de demência.
6.º- As perguntas perigosas que ele se faz a si mesmo. — O escrupuloso lança-se de vez em quando em tentações delicadíssimas, pelas perguntas perigosas que faz a si mesmo: Que faria eu se me achasse em tal ou tal caso? Estaria disposto a cumprir o meu dever, a derramar o meu sangue, etc., etc.? E sobre isto se atormenta, e julga-se culpado daquilo que imagina haver entrevisto nas suas disposições.
7.º- Das tentações. — Quem não sabe que o escrupuloso teme sempre haver consentido em molestas tentações que o demônio lhe suscite? Ele confunde o sentimento com o consentimento, a tentação com a vontade; daí um motivo inesgotável de perturbações.
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