Há pessoas que, nesse estado de secura, em que a sua mente e o seu coração não fornecem nada para elas se entreterem com Deus, servem-se de livros para suprirem à sua impotência e para se recolherem mais facilmente, e se impedirem de distrair-se. Este método pode ser bom, porque a leitura pode deter e fixar a imaginação. Se esta se extravia, e se o percebemos, temos sempre diante dos olhos, nas reflexões e nos sentimentos que os livros encerram, objetos que nos reconduzem a Deus. Penso, contudo, que não nos devemos apegar a essas leituras sem necessidade, e sem seguir certas regras que as possam tomar úteis.
Primeiramente, não se deve recorrer aos livros por preguiça, para se poupar a pena de pensar e de conversar com Deus. Este motivo afastaria Deus de vós, e seria causa de não achardes nos livros o recolhimento que neles buscais. Para atrair sobre vós as misericórdias do Senhor, cumpre que o motivo que vos faz agir seja bom; e esse que então vos guiaria não seria bom.
Não conseguiríeis, pois, recolher-vos, e incidiríeis em outro inconveniente. Perderíeis o hábito de ocupar-vos por vós mesma de Deus; de sorte que, quando os livros vos faltassem, já não saberíeis o que fazer na missa, na meditação; quando quisésseis passar algum tempo diante do SS. Sacramento, ou quando na vossa cela quisésseis recolher-vos para vos unirdes a Deus, o mesmo espírito de preguiça vos impediria então igualmente de vos incomodardes para refletir.
Não deveis, pois, servir-vos dos livros senão no caso em que, apesar da vossa boa vontade e dos vossos esforços, a imaginação se extravia frequentemente, sem que o percebais. Então Deus abençoará esse cuidado que tomais para não o esquecerdes por distrações, mesmo involuntárias.
Ora, como sempre se faz mister nos apegarmos aos meios que a Providência estabeleceu para nos salvar, quando fordes obrigada a tomar um livro durante algum exercício observai que esse livro seja conforme ao gênero de exercício que deveis fazer. A vontade de Deus é que nesse tempo vos ocupeis de preferência de tais e tais reflexões, de tais e tais sentimentos. Nunca deveis afastar-vos dessa ordem da Providência, para a qual as graças vos são prometidas e preparadas: deveis, pois, tomar um livro próprio para vos ajudar a cumprir esse dever.
Guardai-vos de imitar pessoas que, durante a missa, tomam o primeiro livro de piedade que encontram ou que o gosto lhes faz preferir. Serão um sermão, ou alguma obra semelhante; e, arrastadas pela sua leitura, passam esse santo tempo sem saberem se assistem à missa, ou, pelo menos, sem testemunharem a Deus nenhum desses sentimentos que no coração deve produzir esse mistério do amor de Jesus Cristo a nós. Quantas graças não perdemos, por uma conduta que indica tanta indiferença por esse divino Redentor imolado todos os dias no Altar, quando nada lhe pedimos num tempo em que Ele está disposto a nada recusar, visto que foi na fogueira do Seu holocausto que Ele estabeleceu o trono da Sua misericórdia!
Aliás, quando essa conduta não tivesse esse inconveniente, ela não é segundo o espírito da Igreja. Esta terna mãe dos fiéis, atenta a tudo o que pode contribuir para a salvação deles, exorta-os a unir-se ao sacerdote para oferecerem com ele esse sacrifício ao Pai onipotente. A consagração pertence só ao padre, mas a oblação que a precede todo o povo a faz com ele; e ele mesmo exorta os fiéis a se unirem a ele para atrair sobre toda a Igreja as graças do Senhor: “Orate fratres; Orai, irmãos, a fim de que o meu sacrifício e o vosso se tornem agradáveis a Deus Padre onipotente”. Para entrar nesse espírito, deveis, durante a missa, servir-vos desses livros que, por orações conformes às diferentes partes da missa, vos ajudam a unir-vos a Jesus Cristo pelos diversos sentimentos que cada parte pode inspirar no sacrifício que Ele oferece a Seu Pai em vosso favor; ou desses livros que, por considerações particulares sobre o mistério da Eucaristia, vos dão ensejo de produzir atos de Fé, de Esperança, de Amor, de Gratidão. Esse Sacrifício é obra do amor; e o amor só pelo amor pode ser compensado. Sondai o vosso coração, e achareis gravada nele esta máxima: “Não é de estranhar que, enquanto Jesus Cristo faz por vós os maiores milagres, nada façais para lhe testemunhar que sois sensível a isso?”
Não pretendo que essa maneira de assistir à missa seja absolutamente necessária. Sei que, seja qual for a oração vocal ou mental que se faça, unindo-se às que o padre faz, isto basta para se desobrigar digna e santamente desse exercício; mas penso que, quando alguém é obrigado a tomar um livro para se recolher num exercício de piedade, é mais a propósito fixar-se naqueles livros que melhor nos fazem entrar no espírito desse santo exercício.
Não digais, como certas pessoas cuja leviandade se mostra em todas as coisas, que é aborrecido dizer sempre a mesma coisa. A missa não é um divertimento, para que se procure variedade. E’ a ação mais santa, mais augusta, o mistério mais temível da religião. Os motivos são sempre os mesmos; os bons sentimentos não poderiam ser demasiadamente repetidos para os gravarmos mais profundamente no coração. Deus recebe-os sempre com bondade: não deixa nenhum sem recompensa.
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