domingo, 15 de janeiro de 2017

SOBRE AS LEITURAS QUE SE FAZEM DURANTE A MEDITAÇÃO, OU ASSISTIN­DO AO SACRIFÍCIO DO ALTAR.


Há pessoas que, nesse estado de secura, em que a sua mente e o seu coração não fornecem nada para elas se entreterem com Deus, servem-se de livros para supri­rem à sua impotência e para se recolhe­rem mais facilmente, e se impedirem de distrair-se. Este método pode ser bom, porque a leitura pode deter e fixar a ima­ginação. Se esta se extravia, e se o per­cebemos, temos sempre diante dos olhos, nas reflexões e nos sentimentos que os li­vros encerram, objetos que nos recondu­zem a Deus. Penso, contudo, que não nos devemos apegar a essas leituras sem ne­cessidade, e sem seguir certas regras que as possam tomar úteis.

Primeiramente, não se deve recorrer aos livros por preguiça, para se poupar a pena de pensar e de conversar com Deus. Este motivo afastaria Deus de vós, e seria cau­sa de não achardes nos livros o recolhi­mento que neles buscais. Para atrair so­bre vós as misericórdias do Senhor, cumpre que o motivo que vos faz agir seja bom; e esse que então vos guiaria não seria bom.
Não conseguiríeis, pois, recolher-vos, e incidiríeis em outro inconveniente. Perderíeis o hábito de ocupar-vos por vós mes­ma de Deus; de sorte que, quando os li­vros vos faltassem, já não saberíeis o que fazer na missa, na meditação; quando quisésseis passar algum tempo diante do SS. Sacramento, ou quando na vossa cela quisésseis recolher-vos para vos unirdes a Deus, o mesmo espírito de preguiça vos impediria então igualmente de vos incomo­dardes para refletir.

Não deveis, pois, servir-vos dos livros senão no caso em que, apesar da vossa boa vontade e dos vossos esforços, a imagi­nação se extravia frequentemente, sem que o percebais. Então Deus abençoará esse cuidado que tomais para não o esque­cerdes por distrações, mesmo involuntá­rias.

Ora, como sempre se faz mister nos ape­garmos aos meios que a Providência estabeleceu para nos salvar, quando fordes obrigada a tomar um livro durante algum exercício observai que esse livro seja con­forme ao gênero de exercício que deveis fazer. A vontade de Deus é que nesse tem­po vos ocupeis de preferência de tais e tais reflexões, de tais e tais sentimentos. Nunca deveis afastar-vos dessa ordem da Providência, para a qual as graças vos são prometidas e preparadas: deveis, pois, tomar um livro próprio para vos ajudar a cumprir esse dever.

Guardai-vos de imitar pessoas que, du­rante a missa, tomam o primeiro livro de piedade que encontram ou que o gosto lhes faz preferir. Serão um sermão, ou alguma obra semelhante; e, arrastadas pela sua leitura, passam esse santo tempo sem saberem se assistem à missa, ou, pelo me­nos, sem testemunharem a Deus nenhum desses sentimentos que no coração deve produzir esse mistério do amor de Jesus Cristo a nós. Quantas graças não perde­mos, por uma conduta que indica tanta indiferença por esse divino Redentor imo­lado todos os dias no Altar, quando nada lhe pedimos num tempo em que Ele está disposto a nada recusar, visto que foi na fogueira do Seu holocausto que Ele esta­beleceu o trono da Sua misericórdia!

Aliás, quando essa conduta não tivesse esse inconveniente, ela não é segundo o espírito da Igreja. Esta terna mãe dos fiéis, atenta a tudo o que pode contribuir para a salvação deles, exorta-os a unir-se ao sacerdote para oferecerem com ele esse sacrifício ao Pai onipotente. A consagração pertence só ao padre, mas a oblação que a precede todo o povo a faz com ele; e ele mesmo exorta os fiéis a se uni­rem a ele para atrair sobre toda a Igreja as graças do Senhor: “Orate fratres; Orai, irmãos, a fim de que o meu sacrifício e o vosso se tornem agradáveis a Deus Pa­dre onipotente”. Para entrar nesse espí­rito, deveis, durante a missa, servir-vos desses livros que, por orações conformes às diferentes partes da missa, vos ajudam a unir-vos a Jesus Cristo pelos diversos sentimentos que cada parte pode inspirar no sacrifício que Ele oferece a Seu Pai em vosso favor; ou desses livros que, por considerações particulares sobre o mistério da Eucaristia, vos dão ensejo de produzir atos de Fé, de Esperança, de Amor, de Gratidão. Esse Sacrifício é obra do amor; e o amor só pelo amor pode ser com­pensado. Sondai o vosso coração, e achareis gravada nele esta máxima: “Não é de estranhar que, enquanto Jesus Cristo faz por vós os maiores milagres, nada façais para lhe testemunhar que sois sen­sível a isso?”

Não pretendo que essa maneira de as­sistir à missa seja absolutamente neces­sária. Sei que, seja qual for a oração vo­cal ou mental que se faça, unindo-se às que o padre faz, isto basta para se desobrigar digna e santamente desse exercício; mas penso que, quando alguém é obrigado a tomar um livro para se recolher num exercício de piedade, é mais a propósito fixar-se naqueles livros que melhor nos fazem entrar no espírito desse santo exer­cício.


Não digais, como certas pessoas cuja leviandade se mostra em todas as coisas, que é aborrecido dizer sempre a mesma coisa. A missa não é um divertimento, para que se procure variedade. E’ a ação mais santa, mais augusta, o mistério mais temível da religião. Os motivos são sem­pre os mesmos; os bons sentimentos não poderiam ser demasiadamente repetidos para os gravarmos mais profundamente no coração. Deus recebe-os sempre com bondade: não deixa nenhum sem recom­pensa.

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