Outra fonte de desânimo vem do fato de alguém se atormentar para ser tocado sensivelmente. Fazem-se para isso os maiores esforços. Imagina-se que, sem essa sensibilidade, não se pode ser agradável a Deus: como se Deus fizesse questão de um sinal tão equívoco na piedade, e não sondasse o coração; como se Jesus Cristo, na maior desolação, no Horto das Oliveiras, não tivesse sido sempre infinitamente agradável a Seu Pai.
Nesse estado nada fareis, se vos esforçardes por vos elevar a mais além da graça que tendes. Bem longe de procurardes ser tocada sensivelmente, coisa que Deus não vos concede nesse momento, o que deveis é simplesmente ocupar-vos de Deus, segundo as graças que Ele vos faz. Se Ele quer manter-vos nas vistas da pura fé e nos sentimentos que elas excitam no coração pela via do raciocínio, não saiais dela enquanto o próprio Deus dela não vos tirar. Contentai-vos com aplicar à vossa conduta as verdades da Religião, as máximas da sua moral, para vos humilhardes diante de Deus das vossas infidelidades, e tomar as resoluções e os meios de evitá-las de então por diante. Deus receberá os vossos sentimentos, fortalecerá as vossas resoluções, recompensá-las-á por graças as mais preciosas.
Eu faço tudo isso, dizeis vós, mas, fazendo-o, não sinto nada por Deus; parece-me mesmo que, quando a boca exprime os sentimentos que eu ofereço a Deus, o coração não toma parte nisso. Sinto mesmo, às vezes, elevarem-se-me no coração sentimentos opostos aos que eu quisera ter por Deus; e é isto o que me desconcerta, me abate, me desanima.
Examinai essa pena a sangue-frio, e logo sereis curada dela. Deus só pede sentimentos verdadeiros. Para vos tranquilizardes sobre os vossos, não é necessário que eles sejam acompanhados dessa sensibilidade que afeta o coração com tanta doçura e vivacidade; basta saberdes que esses sentimentos estão na vossa alma, isto é, na vossa razão, na vossa vontade; basta que os julgueis sinceros pela disposição em que prometeis a vós mesma segui-los na prática. Os vossos sentimentos são então verdadeiros, sinceros; e serão sobrenaturais se Deus os fizer acompanhar da Sua graça.
Isto não deve parecer-vos singular. Agindo com os homens, para lhes prestar serviço, quantas vezes não achamos sentimentos verdadeiros que não são acompanhados dessa sensibilidade que experimentamos em agindo por um amigo? Quanta vez, mesmo, quando se trata de um amigo, agimos sem gosto, sem atrativo, e mesmo com certa repugnância! E então já não há generosidade nos serviços que lhe prestamos? Na Religião, é esta a instrução que se dá às pessoas que dispomos para o sacramento da Penitência; dize-mo-lhes: não é necessário que a contrição seja sensível; basta que seja sincera, pela disposição em que a pessoa se coloca de viver melhor para o futuro.
A vossa aflição sobre a falta de sensibilidade é, pois, sem fundamento; e completamente desarrazoado é o desânimo que a segue. Ao invés de vos ocupardes dela, deveis desprezá-la. O que então deveis fazer é recorrer a Deus e pedir-Lhe que acompanhe os vossos sentimentos com Sua graça, a fim de que eles se tornem sobrenaturais, e não careçam de nenhuma perfeição necessária para lhe serem agradáveis.A sensibilidade na devoção, no amor a Deus, na caridade para com o próximo, não depende de vós; não vo-la ordena o Senhor; não a exige de vós. Não podeis adquiri-la pela vossa indústria, pelos vossos esforços: outra razão, esta, que deve tranquilizar-vos quando não a sentis. Quando Deus a dá, temo-la sem esforços: quando não a dá, todos os esforços são inúteis. Atormentando-vos para excitá-la em vós, só fazeis é esquentar a cabeça pela contenção em que vos colocais; e, todo ocupada desse objeto, secais a devoção que a fé vos inspiraria, ao invés de reanimá-la. Segui o Espírito de Deus; aguardai que Ele vos previna, e não o previnais vós mesma senão pelas vossas orações.
Essa sensibilidade, que comove, que transporta, que põe no coração um vivo ardor que muita gente tem tido dificuldade em sustentar, é uma dessas graças que ordinariamente são a recompensa da mortificação interior; graças sem as quais não se pode chegar à perfeição; graças que Deus dá e retira segundo os desígnios impenetráveis da Sua providência. Podemos pedi-la com confiança, recebê-la com gratidão; mas a humildade exige que a aguardemos sem pressa, que a fruamos sem apego, e que estejamos sempre dispostos a fazer o sacrifício dela logo que Deus a reclame.
Bem certo é, pois, que, para agradar a Deus, para ter por Deus sentimentos verdadeiros e sinceros, não é necessário experimentar essa sensibilidade, mesmo quando nos ocupando de objetos os mais capazes de excitá-la. Ocupando-nos desses objetos, basta pormos o nosso coração na sincera determinação de preferirmos Deus a tudo aquilo que poderia fazer-no-lo perder. Esses sentimentos de amor a Deus, pode a Fé fornecer-nos sempre os motivos para os excitarmos em nós, e eles são sobejamente conhecidos para que eu vo-los deva relembrar aqui. Como esse amor é necessário para a salvação, Deus está sempre pronto a, pela Sua graça, ajudar-nos a produzi-lo, quando é com confiança que o invocamos.
Essa sinceridade de sentimento pelo qual o nosso coração se prende a Deus pela livre escolha da nossa vontade, é que nos torna agradáveis aos olhos d’Ele. Não há ninguém que, guiando-se pela fé, não possa descobrir na sua alma essa sincera determinação, pelos meios que ela está resolvida a empregar, segundo o Evangelho, para se colocar nessa disposição e para nela se manter. Não pretendo possa ela estar absolutamente certa disso; mas terá provas bastante fortes disso, para não se perturbar com esse estado de secura, de tédio, de tibieza involuntária em que Deus a mantém, e para esperar que, pela sua misericórdia, Ele lhe tornará esse estado útil para a sua salvação.
E notai bem que uma alma que tem a maior sensibilidade de devoção, ignorando se essa sensibilidade vem da graça, não está mais segura do que vós de amar a Deus verdadeira e sobrenaturalmente. Nem por isso, pois, estaríeis mais adiantada quando tivésseis essa devoção sensível que faz o objeto da vossa ambição, e cuja ausência vos perturba e vos desanima.
Também não deveis surpreender-vos de experimentar mais sensivelmente sentimentos contrários aos que quereis testemunhar a Deus: isso acontece em todas as tentações.
Os sentimentos das paixões são sempre mais vivos, mais afetuosos: degustamo-los mais facilmente, mais fortemente, porque eles nos levam a objetos sensíveis, ou mais conformes às inclinações da natureza, aos pendores do amor-próprio, ou, antes, é a propensão natural de nós mesmos que os excita. Essa sensibilidade vem do fundo da natureza; não precisa de socorro estranho.
Ao contrário, a sensibilidade nas coisas de Deus é efeito de uma graça que Deus nem sempre dá. Os sentimentos que a Fé produz, bem longe de terem essa proporção com a natureza e com o amor-próprio, contrariam-lhes todas as inclinações. Não é, pois, surpreendente que experimenteis sensibilidade nos primeiros, sem experimentá-la nos segundos, quando Deus não vo-la dá. Sem vos perturbardes nem vos assustardes, deveis, pois, comportar-vos, nesse estado de aridez, de desgosto, de repugnância, como o fazeis em todas as tentações. Depois de implorardes a misericórdia de Deus, renunciai a esses sentimentos que vêm estorvar a vossa união com Deus, desviai-vos deles por uma aplicação mais forte aos motivos que vos levam para Deus, e também pelo exercício do amor de Deus, produzido na razão e na vontade muito mais do que nos sentidos, pela Fé e pela graça. Forçai a tentação a vos deixar em paz: tereis menos consolação, porém tereis mais méritos; e o mérito está muito acima das consolações.
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