Mas afinal, acrescentam algumas vezes certas pessoas, bastas vezes sucede não se ter nenhum atrativo particular. Prepara-se ou resolve-se ler um assunto, que logo se esquece, ou no qual não se acha com que se ocupar, ao menos por longo tempo. Neste caso, não se sabe o que fazer na oração. E logo a gente se persuade de que perde aí o seu tempo, que empregaria melhor noutro lugar e em alguma ocupação do seu estado. Não é melhor seguir esta idéia do que estar na oração sem aí fazer nada?
Esta idéia é uma tentação perigosa e funesta, que afasta de Deus uma alma e a faz esquecer a Deus, justamente pela ocupação que ela toma contra a vontade d’Ele.
Porque, afinal de contas, — direi eu também por meu lado, — é bem de admirar que uma alma religiosa formule semelhante queixa, e confesse, sem corar, que não acha com que se ocupar diante de Deus. Se a preguiça ou o amor-próprio não a impedem disso, então entre ela em si mesma, examine diante de Deus se os seus sentimentos, os seus motivos, as suas diligências, o seu proceder são conformes àquilo que a santidade do seu estado pede, quais são as paixões que a ocupam, quais as ocasiões que a arrastam às faltas que ela comete; e, nos sentimentos de pesar que testemunhar a Deus, procure os meios que deve empregar para se corrigir. Eis aí um assunto que facilmente se pode ter sempre presente, que se pode tomar com frequência, e que é talvez um dos mais úteis.
Quantos outros assuntos mais ou menos semelhantes não pode a gente propor-se! Não há ninguém que não possa prender-se a alguma das vistas que a Fé fornece, e que lhe podem ser mais familiares.
Como o Publicano, a gente se reconhece indigno dos benefícios de Deus; implora a Sua misericórdia; admira a Sua bondade que nos suporta; dá-Lhe mil ações de graças.
Como Madalena, mantemo-nos aos pés de Jesus Cristo; testemunhamos-Lhe o vivo pesar que concebemos das nossas faltas; solicitamos o perdão delas. Repassamos na mente os bens que temos recebido da pura liberalidade do Senhor, a criação, a redenção, a providência especial que nos colocou na sua Igreja, único asilo para a salvação; a Sua bondade, que nos buscou quando Lhe fugíamos; a Sua paciência, que nos suportou quando Lhe resistíamos; a Sua doçura, que nos repôs no caminho quando d’Ele nos transviávamos.
Estes objetos, e mil coisas semelhantes, fundados naquilo que deveis a Deus e nos vossos interesses pessoais em relação à eternidade, poderão ocupar-vos utilmente diante de Deus, sem vos constrangerdes, nem vos obrigardes a deter-vos na mesma vista senão enquanto ela vos ocupar.
Quando se tem uma imaginação viva e volúvel, facilmente ela é detida apresentando-se-lhe um objeto sensível no qual achamos um bem interessante. Jesus Cristo, Deus e Homem, é um objeto sensível, e capaz de excitar numa alma o mais vivo interesse. Que utilidade não podemos tirar dele para a meditação!
Representamo-no-lo ensinando os homens; fixamo-nos nas verdades que Ele lhes revela. Consideramo-lo agindo entre os homens: vemos as Suas intenções para a glória de Seu Pai, a Sua exatidão em cumprir a vontade de Seu Pai, embora bem rigorosa; a Sua paciência, a Sua caridade para com os homens, nas humilhações e nos sofrimentos a que Se submete por amor a eles. Que exemplos não achamos em todas as virtudes que esse divino Salvador praticou! exemplos capazes de impressionar a imaginação, de ocupá-la utilmente, se nos dermos o trabalho de os aplicar à nossa conduta.
Muitas vezes, no tempo da oração, estamos diante do SS. Sacramento. Esta vista relembra-nos o sacrifício de Jesus Cristo nos nossos altares, a Sua morada no tabernáculo, a mesa santa onde Ele nos convida a nos alimentarmos da Sua própria carne, e onde tantas vezes nos tem unido a Si de maneira tão íntima, tão perfeita. Esses prodígios do Seu amor a nós, que reflexões, que sentimentos não nos inspirarão, por pouca atenção que Lhes prestemos? Se, apesar de tudo isso, a imaginação se extravia, lançai os olhos sobre o altar onde Jesus Cristo está presente, sobre a Cruz a que está pregado, e logo a reconduzireis a Ele.
Em qualquer estado que estejais, ide sempre à oração, na firme esperança de que será um tempo de mérito para vós. Já que é Deus quem a ela vos chama, achareis nela as maiores graças pelo sacrifício contínuo que fizerdes de vós mesmo à vontade de Deus. A confiança dá esta santa liberdade que se deve ter com um pai infinitamente bom, dilata o coração pelo amor, consola a alma de todas as suas penas pela esperança das recompensas. Experimentareis o socorro d’Ele para combaterdes e vencerdes as paixões que são as inimigas da Sua glória tanto como da vossa felicidade. Nunca vos perturbeis, pois; não deis ouvidos à preguiça; não temais nada, estando sob a proteção de um Deus infinitamente bom, todo poderoso, e fiel às Suas promessas.
Achareis sempre ou com que vos ocupardes, ou, combatendo, com que merecerdes uma felicidade eterna.
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