Para nos ocuparmos, na meditação, com o socorro dos livros, importa muito escolher bem os livros de que nos queremos servir, e seguir nessas leituras um método útil. Há livros que contêm meditações em que a alma se eleva, de alguma sorte, ao seio de Deus, perde-se nas Suas infinitas perfeições, e leva a sua vista às profundezas dos Seus mistérios. Esses livros não são próprios para uma alma que necessita de socorro para se recolher. Só Deus pode fazer entrar nesta espécie de meditação; e, quando Ele a ela nos chama, entramos nela sem dificuldade. Uma alma que entrasse nela por si mesma, sem a isso ser atraída pela graça, extraviar-se-ia infalivelmente, e incidiria numa funesta ilusão. Não seria Deus quem a conduziria por essa trilha extraordinária; ela só seria guiada nela pelo orgulho e pela presunção. O amor-próprio, a vã estima de si mesma não tardaria a insinuar-se na sua oração, impedi-la-ia de tirar proveito dela, afastá-la-ia mesmo de Deus, ao invés de aproximá-la; ou, se ela agisse de boa fé, em breve a inutilidade dos seus esforços a lançaria no desânimo.
Falo, pois, aqui da meditação que está ao alcance de toda alma cristã. O fim da meditação é não somente esclarecer a mente sobre as verdades da Religião, sobre a extensão das nossas obrigações, mas é também excitar o coração a se apegar a Deus pelos sentimentos, e levá-lo à prática das verdades que devem santificá-lo. Com efeito, de que serviria conhecermos os nossos deveres, se por motivos da religião não nos aplicássemos a animá-los desse amor cristão que os faz cumprir em mira a Deus?
Portanto, um livro que só servisse para vos instruir, que não vos propusesse os motivos próprios para pôr o coração em movimento a fim de se prender às máximas que ele propõe, não seria próprio para vos ocupar na meditação. Ordinariamente, a instrução não falta: o que falta é a determinação à prática.
Livros de meditação prática é que é preciso empregar; ou então desses livros em que os sentimentos se juntam às reflexões, e fazem amar o dever fazendo conhecê-lo. Sem isso, perderemos a prática comum da meditação, e achar-nos-emos muito embaraçados quando quisermos por nós mesmos refletir sobre as verdades da Religião, e tirar delas ou consequências práticas ou afetos para regular a nossa conduta; porque não teremos acostumado a nossa mente a esse método, servindo-nos de livros que não o propõem.
A meditação não é um estudo para se instruir, porém um meio de se determinar a viver santamente, pelos motivos que a Religião apresenta. Não basta ser esclarecido sobre as próprias obrigações, é preciso que o coração se apegue a elas para agradar a Deus.
Se quiserdes tirar fruto desse santo exercício feito com o socorro dos livros, observai o não lerdes continuamente, sem nunca parar. A meditação e a leitura espiritual são exercícios bem diferentes: a meditação é feita para prender o vosso coração a Deus; nunca percais isto de vista. O coração só se apega pelos seus próprios sentimentos. O que achais nos livros são as afetos, os sentimentos de outrem: não são os vossos. Portanto, se só fizerdes ler, lereis muitos sentimentos, mas sentimentos que vos são estranhos. Eles ocuparão a vossa mente, mas o vosso coração não produzirá nenhum se não tiverdes cuidado de deter-vos para refletir sobre os motivos que vos são apresentados, e por este meio excitar o vosso coração a esses sentimentos salutares, e tornar-vo-los próprios produzindo-os por vós mesma.
Não nos santificamos pelo amor que outro teve a Deus, e que lemos num livro, porém pelo amor que o nosso coração concebe, e que ele próprio testemunha a Deus.
O vosso coração sairá, pois, desse exercício quase tão vazio como nele entrou, porque não terá produzido nada do seu próprio fundo. A meditação é obra muito mais do coração do que da mente. Uma meditação em que o coração não age, só apresenta o exterior do edifício, que não contém nada dentro. E eis aí por que é que as pessoas que se servem de livros, e que só fazem ler, geralmente saem da sua meditação muito satisfeitas, porém quase tão pouco recolhidas como estavam antes. Saem dela sem haverem tomado nenhuma resolução de servir melhor a Deus. Nada tendo feito para se reformar, o coração torna a encontrar os seus pendores, e continua a entregar-se a eles. Da meditação corre ele aos divertimentos, aos quais não renunciou.
Lede, pois, se tendes muita dificuldade em estar recolhido na presença de Deus: lede em espírito de fé; e, quando achardes alguma reflexão que podeis aplicar à vossa conduta, não a passeis de leve; aprofundai-a, para gravá-la na mente, e para prender a ela o coração. Ela servirá para vos corrigir de algum defeito que ela mesma vos fará conhecer em vós; para vos firmar no amor de alguma virtude interior, que ela vos mostrará, para fazerdes uso dela nas ocasiões.
Mas sobretudo, quando no livro que meditais achardes algum bom sentimento, não vos contenteis com admirá-lo; tratai de vo-lo tornar próprio e pessoal. Numa santa confiança, em Deus, de que pela Sua misericórdia e pela Sua graça podeis elevarvos aos sentimentos perfeitos que tantos outros tiveram antes de vós, prendei-vos a eles durante algum tempo para excitar o vosso coração a produzi- los, não uma vez de passagem, porém várias vezes e de várias maneiras diferentes, pelos diferentes motivos que o Espírito Santo vos sugerir para animar o vosso coração; e não os deixeis enquanto eles vos ocuparem. Se a imaginação ainda se transviar, voltai à leitura; fazei-a sempre segundo o mesmo método, e sobretudo não vos esqueçais de que os livros não devem servir para favorecer a preguiça, mas sim para facilitar o recolhimento.
Se, pelo socorro dos livros, Deus vos der algum bom sentimento que vos prenda a Ele, ainda mesmo quando esse sentimento fosse diferente daquele que ledes, deixai o livro e segui esse sentimento; o Espírito Santo sopra onde quer.
O amor-próprio, que teme sempre o esforço, talvez vos sugira que não deveis deter-vos então, apesar da luz de Deus; que é preciso ver se, continuando a ler, não achareis coisas que vos serão mais úteis. Guardai-vos bem de escutá-lo! Isso é uma astúcia do inimigo, que procura tornar-vos infiel à graça que recebeis, e que quer fazer-vos perder todo o fruto da vossa meditação.
As coisas que lemos, como as que ouvimos, só podem fazer no coração uma impressão salutar na medida em que Deus as acompanhar da sua graça. É Deus quem fala ao coração, e quem dá o incremento à palavra da salvação. Deveis, pois, ler e escutar em espírito de fé, de confiança e docilidade. Deus, que quis atrair-vos nesse momento, talvez não tenha ligado a mesma graça às coisas em que a procurais, e a vossa infidelidade será causa de serdes privada dela. Será por culpa vossa que a vossa oração não produzirá todo o bem que dela esperáveis. Aliás, a mesma tentação vos faria passar sobre as segundas reflexões como sobre as primeiras. A vossa meditação não passaria de uma leitura mal feita, da qual nenhuma vantagem tiraríeis.
Se eu me detiver assim, dirá alguém, não terei tempo de percorrer todos os pontos da meditação.
Mas que necessidade há de os percorrerdes todos, se um só basta para vos ocupar? Por que deixardes um objeto que vos ocupa santamente, para procurardes outro que talvez não venha a vos ocupar do mesmo modo? Por que deixardes o certo pelo incerto? Seria seguirdes a inconstância do vosso espírito, e não o espírito de Deus.
Nesse objeto que quereis abandonar achareis sempre duas coisas: ou algum defeito a combater, ou alguma virtude a aperfeiçoar, e um recolhimento de amor a Deus. A primeira servirá para vos corrigirdes sobre algum ponto, não raro importante; a segunda pôr-vos-á numa disposição mais perfeita de praticar todas as virtudes. O amor estende-se a tudo; e, se somos tão fraco e tão imperfeito, é por não amarmos bastante. Que mais podeis procurar alhures?
Aproveitai, pois, da graça que Deus vos apresenta. Nunca deixeis o certo pelo incerto. Dai mais ao sentimento do que à reflexão. Quando o coração se apega a Deus, a mente ocupa-se d’Ele mais facilmente, e a imaginação se desgarra mais dificilmente. Enfim, é indubitável a máxima: Para ir a Deus e ao Céu, segui a impressão de Deus, e guiai-vos pelo Seu Espírito. Se Ele parece abandonar-Vos, não percais ânimo: sede firme e constante. A esperança é um porto seguro contra as borrascas e as tempestades. Ainda quando estivésseis no fundo do abismo, Deus vos tirará dele pela Sua misericórdia. Em qualquer estado em que estejamos, nunca é permitido desesperar; e, apesar de todos os seus pretextos especiosos, o desânimo refletido e voluntário é tão desarrazoado quanto criminoso.
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