terça-feira, 22 de novembro de 2016

FALTAS QUE AS ALMAS PIEDOSAS CO­METEM NO TEMPO DA SECURA


Os tempos de secura são difíceis e pe­nosos para uma alma que busca a Deus sinceramente; essa provação desanima muitos. Mas ouso dizer que esses tempos são mais penosos e mais perigosos por causa da conduta que seguem ordinariamente as pessoas assim provadas. A pri­meira falta que elas cometem é faltarem à confiança na oração, é descurarem o dar-se a ela, ou a ela se aplicarem dis­plicentemente num tempo em que mais necessidade têm dela. A dificuldade que achamos em aplicar-nos nunca deve fa­zer-nos abandonar os exercícios de pie­dade que são ou de dever ou de uso. A virtude consiste em fazer a vontade de Deus: não se pode inculcar excessivamen­te isto. Deus quer que, em tal tempo, uma alma religiosa esteja na meditação, na oração, no coro, na leitura pública ou par­ticular, etc. Não deve ela faltar a isto, pois ignora se em algum desses exercícios Deus não lhe mudará as disposições: deve, pois, ir a eles com confiança, no desejo e na esperança de aproveitar das graças que Deus lhe conceder.
Mas dizeis: Eu não faço nada disso; repleta de aborrecimento, de tédio, de dis­trações, não tenho nem bom pensamento, nem bom sentimento; o meu espírito está cego, e o meu coração está mudo.

Sei o quanto é penoso esse estado, pelo combate contínuo em que se precisa estar. Mas será um consolo para vós estar se­gura de que fazeis a vontade de Deus, desde que estais na ocupação que Ele pede de vós. Se solicitardes com confiança a graça de suportar com paciência esse es­tado de tédio e de aborrecimento, e de perseverar na fidelidade apesar da pena que experimentais, Deus não vo-la recusa­rá; e, se Ele vos fizer esperar algum tem­po por essa mudança para a qual implo­rais a Sua misericórdia, será só para experimentar o vosso amor, e para aumen­tar o vosso mérito.

Aliás, é fora de propósito vos afligirdes com as distrações. Elas só são culposas na medida em que a elas nos entregamos voluntariamente. Se nos desviamos delas assim que as percebemos, elas não impe­dem a oração de ser agradável a Deus; a oração torna-se, com isso, duplamente me­ritória. Pratica-se, nela, a um tempo, a piedade e a mortificação. O mérito é fun­dado nas dificuldades vencidas pelo es­pírito de fé e de amor. Quando, pois, a distração se renovasse a cada momento, renunciai-lhe com a mesma fidelidade, para vos repordes na presença de Deus, e não tereis censuras a sofrer da parte d’Ele. A leviandade de espírito desvia o coração da oração; mas Santo Agostinho, diz que, quando gememos com essa cor­rupção e nos humilhamos dela, continua­mos a orar.

A Religião é sempre consoladora quando nos apegamos aos seus princípios, e quan­do lhe seguimos com docilidade as práti­cas.

Eis que não experimentais nem bom pensamento nem bom sentimento de que possais ocupar-vos na oração. Nisto pode haver perturbação ou preguiça. Perturba­mo-nos com o nosso estado; e, desde que a perturbação se apossa de uma alma, esta já não reflete bastante para achar os meios de se sustentar. A perturbação es­curece as luzes: não nos detemos em ne­nhum dos meios que entrevemos, e que passam rapidamente pela mente, porque não os consideramos suficientemente pa­ra apreendê-los e os pôr por obra. Na perturbação, o temor prevalece, o coração se confrange; ela quase não deixa lugar aos dons que Deus está disposto a nos fazer, e assim opõe obstáculo à sua libe­ralidade.  

A preguiça faz com que não nos demos o trabalho de refletir sobre as máximas da Fé, para no-las aplicarmos; que nos cansemos de combater, pela pena que nis­to achamos. Em breve imaginamos que combater com perseverança é uma coisa acima das nossas forças. Deixamo-nos le­var à negligência, que torna ainda mais penosos esses santos exercícios, ou os abandonamos inteiramente.

Não é muito difícil remediar essas fa­lhas. Deveis estar certa de que esse estado não é mau em si mesmo; que nesse es­tado podeis ser agradável a Deus e adqui­rir muitos méritos para o Céu, como já vo-lo fiz notar. Por que, pois, vos pertur­bardes com isso? Se só o Céu buscais, en­carai o vosso estado como um bem, visto que ele vos pode conduzir a ele; e con­duzir-vos a ele mais seguramente do que um estado mais agradável à natureza e ao amor próprio. Alargai o vosso coração por motivos de confiança que a Religião vos fornece, para receberdes o socorro de Deus. Aceitai da mão do Senhor esse estado pe­noso; suportai-o com paciência por todo o tempo que a Deus aprouver vos manter nele; oferecei-lho, enfim, em espírito de penitência e de satisfação. Não há alma que não possa, que não deva humilhar-se diante de Deus, submetendo-se aos rigores interiores que experimenta. Estes santos pensamentos vos apegarão a Deus, o vosso próprio estado vo-los fará nascer. Desde que a perturbação e a inquietação não mais vos ocuparem, volvereis os olhares para o Céu, de onde o socorro vos deve vir.

A meditação torna-se outro motivo de inquietação; e eis aqui a cilada que a ten­tação vos arma, para vos tornar penoso esse santo exercício e impedir-vos de apro­veitar dele. Essa tentação também vos des­via da vontade de Deus, impedindo-vos de seguir o atrativo que Ele vos dá, para vos apegar à vossa vontade por uma ma­neira de meditação que é da vossa escolha e que Deus não vos dá; e isso contra a máxima geralmente aprovada, de que em tudo, e mormente na meditação, devemos seguir o atrativo de Deus. Se Deus conduz uma alma à medita­ção por vistas de várias virtudes, enquan­to uma primeira vista a ocupa, não deve ela desviar-se dela. Desde que essa já não a ocupa mais, deve ela prender-se àque­la que Deus lhe apresenta. Mas, como se fosse necessário só se ocupar de um úni­co objeto, e como vários não podem ocu­pá-la utilmente, ela se desvia desse atra­tivo para se obstinar no primeiro assun­to, que não lhe fornece mais nada; e, querendo fazer a sua vontade contra a von­tade de Deus, não pode ocupar-se de coisa alguma útil.
Deus atrai outra alma por meio de re­flexões seguidas sobre as grandes verda­des da Religião; quer que ela as apro­funde, para fazer uso delas na sua con­duta. Mas não foi esse o plano que ela formou para si. Quereria ser toda senti­mento por Deus: só se compraz nos afetos, e as reflexões a aborrecem. Sai então da trilha que o Senhor lhe marcou, escolhe outra onde não O acha. Deixa escapar mil reflexões úteis, para se consumir en­fim em frios sentimentos que não a satis­fazem, porque só vêm dela mesma. E queixa-se de não poder ocupar-se na medi­tação.

Uma terceira alma quereria seguir o método comum da meditação, refletir so­bre o objeto que preparou, entrar nos sen­timentos que essas reflexões fazem nascer, tomar, em consequência, as resoluções que devem corresponder a elas, e, segundo es­se método, ocupar-se de Deus. Mas não é isso o que Deus pede dela; Deus quer ocupar-lhe o coração muito mais do que a mente. Se ela se desviar do sentimen­to que Deus lhe dá, para voltar às re­flexões, mil distrações desviá-la-ão do seu objeto, sobretudo se ela tiver uma imagi­nação viva, que, num momento, leva lon­ge a reflexão, e, de alguma sorte, vê tudo num relance. Breve não terá ela, pois, nem reflexões santas nem bons sentimen­tos: cansada de lutar contra si mesma, desesperando de ser bem sucedida, aban­donará a meditação, ou nela se entregará a distrações voluntárias.

Toda pessoa, desolada de não achar o Deus que acredita procurar de todo o seu coração, cai no desânimo. A oração vem a pesar-lhe: e ela abandona-a. Prestai atenção a isto: essa dificuldade de se ocupar de Deus provém do fato de ela re­sistir ao espírito de Deus, para seguir o seu próprio espírito. Se ela se deixasse con­duzir por esse espírito divino, logo as suas queixas cessariam, pela facilidade que ela acharia em praticar esses santos exercí­cios, ou por vantagens que deles tiraria para a sua perfeição.


O método comum é ótimo, é sempre o primeiro que se deve seguir. Mas, quando o espírito de Deus proporciona um atra­tivo particular, é conselho de todos os Padres espirituais que nunca se deve con­trariar esse atrativo, e, que a pessoa deve deixar-se conduzir pelas impressões dele, consoante a palavra do Salvador: “O es­pírito sopra onde quer: deve-se escutá-lo sempre” (Jo 3, 8).

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