quinta-feira, 17 de novembro de 2016

A ESMOLA


O sufrágio da esmola

Um socorro aos mortos dos mais valiosos é a esmola. Não é mister lembrar aqui o valor da cari­dade. É auxílio ao pobre na terra, alívio aos mortos nas chamas expiadoras do purgatório. Há tanta mi­séria a socorrer no mundo! Por que não fazermos do dinheiro, que perde tanta gente, um meio de sal­vação para nossa alma, e alívio do pobre e alívio do Purgatório? Não é conselho de Nosso Senhor que aproveitemos e façamos da riqueza meio de salva­ção empregando-a nas boas obras como os pecadores a empregam para o mal?
Socorramos o pobre em sufrágio das almas do pur­gatório.

Contam piedosos autores esta parábola tão ex­pressiva: Um homem tinha três amigos. Dois lhe eram muito queridos. O terceiro nem por isso. Um dia fora acusado e levado ao Tribunal da Justiça. Chama os amigos para o defender.

O primeiro escusou-se. Tinha negócios e famí­lia, era impossível!

O segundo foi até à porta do Tribunal e o deixou.

O terceiro o acompanha sempre fiel, defende-o com ardor, dá testemunho de sua inocência e salva o acusado do castigo.

Assim, o homem tem neste mundo três amigos: o dinheiro, os parentes e as boas obras. O dinheiro o abandona na morte, quando há de comparecer no Tribunal da Justiça de Deus. Os parentes o levam até a beira da sepultura e o deixam; e o esquecem de­pois. O terceiro amigo — as boas obras, a caridade praticada, as obras de misericórdia, tudo quanto o homem fez de bom neste mundo, só isto o acompa­nha e o defende no Tribunal da Justiça de Deus.

Pois bem. Neste mundo toda sorte de boas obras se­jam os nossos amigos. Tudo o mais falha. Diz São João que as obras do homem o hão de seguir depois da morte: Opera enim illorum sequntum illos.

Socorramos o pobre em sufrágio dos mortos. Praticaremos dupla obra de caridade. E tenhamos a certeza de que Aquele Deus de Misericórdia não dei­xará que se perca nossa pobre alma no Tribunal do Dia do Juízo.

Eis porque rezar pelos mortos, socorrer as almas do purgatório na prática da caridade pela esmola, é das maiores riquezas do cristão neste mundo.

A esmola, disse o Anjo a Tobias, salva o ho­mem da morte, apaga os pecados e faz achar a graça diante de Deus[1]. O Livro Eclesiástico ensina que “assim como a água extingue o fogo mais ardente, assim a esmola apaga o pecado"[2].

Sim, e a esmola apaga também o fogo do pur­gatório.

Dai esmola ao pobre em sufrágio das benditas almas. As lágrimas que vossas esmolas enxugarem, o alívio que tiverdes dado aos que padecem fome, sede e frio, serão alívio no purgatório para as almas sofredoras, talvez almas de vossos entes queridos. É uma dupla caridade socorrer os pobres por amor das santas almas.


A esmola que salva


São João Crisóstomo faz este belo e poético elo­gio da esmola: “A esmola, diz ele, é uma celeste in­dústria e a mais hábil de todas. Protege os que a exercem. É amiga de Deus e está ao lado do Senhor e alcança facilmente a graça aos que ela ama. Que­bra os ferros, dissipa as trevas, extingue o fogo... Diante dela se abrem com toda segurança as portas do reino do céu[3]”. Como se aplicam bem as pa­lavras do eloquente e Santo Doutor à esmola dada em sufrágio para alívio e libertação das almas do purga­tório! Nossa esmola ao pobre vai quebrar as cadeias de ferro e fogo que retém no purgatório as pobres almas, dissipa-lhes as trevas horríveis da ausência e da separação do Bem Infinito que tanto as faz so­frer naquele cárcere medonho. E diante da esmola, quantas vezes não se abrem com segurança as portas do reino do céu às pobres cativas! Bem-aventurados os misericordiosos, porque eles alcançarão miseri­córdia, diz Nosso Senhor no evangelho.

Sim, sejamos agora misericordiosos para com os infelizes, os desgraçados, os pobres, e alcançaremos misericórdia para nós e para as almas do purgatório. Diz o Livro de Tobias: “As esmola livra de todo pe­cado e da morte, e não deixará a alma descer nas trevas"[4]. Sim, a esmola nos livrará da morte eterna, e, se nesta vida tivermos aplicado nossos recursos em socorrer os pobrezinhos, livraremos nossa alma da eterna morte, das trevas do inferno, e livraremos as almas das trevas do purgatório.

Pelas almas sofredoras tenhamos compaixão dos pobres.

Um dia, em Saint Lazare, São Vicente de Paulo ia dar a bênção à mesa frugal da comunidade dos seus padres, quando de repente sentiu-se profunda­mente comovido e as lágrimas lhe corriam pelas fa­ces. Soluçava. O seu pensamento sentia-se agora transportado para a Lorreine, onde o povo tinha fo­me como nas províncias devastadas pela guerra. Ah! Dizia o Santo, lá há muita fome, muita fome...

“Ó, si nós soubéssemos meditar e ter compaixão daquelas pobres almas que têm fome de Deus! E Je­sus, que na pessoa do pobre tem fome e sede, como nos diz no Evangelho, não sentirá também a fome das benditas almas? Tive fome e me destes de comer, estive doente e me visitastes. Jesus nos fala assim nas almas do purgatório[5]”.

“A esmola, escreveu o ilustrado Henri Bremond[6], é, no pensamento da Igreja, um dos ele­mentos essenciais do culto dos mortos. Obra de cari­dade e de sacrifício eucarístico, o ágape primitivo reunia estes dois elementos. Muito antes de ter sido abolido, o ágape era uma espécie de reunião de bene­ficência para socorrer os pobres, visando obter por esta obra o alívio e a libertação das almas do purgatório. Os Santos Padres falam sempre nisto. Na Ida­de Média, esta idéia de socorrer os pobres para alívio das almas do purgatório teve uma influência decisi­va na organização das obras de caridade”.


Dupla caridade


Podemos dizer: dar esmola em sufrágio e para alívio e libertação das almas do purgatório é dar duas vezes, é dupla esmola. Socorre os vivos e os mortos. Os amigos das santas almas não deixam esquecido este meio poderoso e meritório de praticar a caridade.

São Pedro Damião conta que, numa festa da Assunção de Maria, um homem de Deus teve uma visão. Viu na igreja a Santíssima Virgem num tro­no, cercada de Anjos e de Santos. Diante dela apa­rece uma pobre mulher em andrajos, em estado de grande miséria, mas trazendo sobre os ombros uma capa de seda e pedrarias ricas. Ajoelhou-se a po­brezinha diante da Virgem e entre lágrimas lhe disse: “Ó Mãe de misericórdia, eu vos suplico, tende pie­dade de João Patrizzi que acaba de morrer e sofre no purgatório. Sabei, ó Mãe de misericórdia, que eu sou aquela mendiga que um dia pedia esmola na por­ta da vossa basílica e tiritava de frio. João, a quem pedi uma esmola, privou-se da sua capa para me co­brir”. Ao ouvir isto, a Virgem Santíssima sorriu, cheia de bondade, e disse: “O homem pelo qual pedes misericórdia estava condenado a sofrer muito tempo na expiação, mas já que ele praticou este ato de ca­ridade, e além disto sempre teve muita devoção para comigo, adornou meus altares, eu quero usar de bondade para com ele”. E Patrizzi foi logo libertado do purgatório[7].

Assim fará para conosco a Mãe de Deus, se jun­tarmos a sua devoção bem fervorosa à caridade para com os infelizes. É muito grande o mérito da esmola.

São João Crisóstomo aconselhava, numa exorta­ção, uma maneira de aliviar o sofrimento da sauda­de dos mortos, de um filho querido que a morte arre­batou, de um ente, enfim, que vimos partir para a eternidade, deixando-nos saudosos. Diz o Santo Dou­tor: “Perdeste um filho querido e não sabeis o que fazer para testemunhar a vossa dor. Quereis ser útil ainda ao vosso filho? Nada mais simples. Assiste a um coerdeiro pobre. Tomai um pobre para socor­rer. Dai aos pobres o que desejaríeis dar ao morto querido que chorais. Não tereis perdido o herdeiro do céu e arranjareis um coerdeiro na terra, que é o pobre. Em vez de uns miseráveis bens temporais que havíeis de deixar para um filho, lhe dareis a he­rança da posse de Deus no céu nos bens eternos. Eis como podeis socorrer vossos entes queridos muito mais do que se estivessem neste mundo[8]”.

Ordena a admirável e santa Regra de São Bento que quando morra um monge, durante trinta dias se ofereçam por sua alma o Santo Sacrifício e a ração de alimento que lhe pertencia seja dada aos pobres.

Que bela tradição! Sejamos caridosos para com os pobres da terra o apliquemos o mérito desta cari­dade para o alívio e libertação das santas almas so­fredoras do purgatório. Pratiquemos a dupla caridade.


Exemplo

Esmola pelas almas

Cristovão Sandoval, ainda menino, era devotís­simo das santas almas do purgatório. Procurava so­corrê-las de todos os modos. Privava-se até do ne­cessário para sufragar as pobres almas sofredoras. Quando estudava na Universidade de Louvain, aconteceu que as cartas da Espanha demoravam a che­gar com recursos e o pobre estudante ficou reduzido a uma extrema miséria sem ter do que se sustentar. Sempre que lhe pediam alguma esmola em nome das almas do purgatório, nunca a negava. Doía-lhe o co­ração ver pobres rogando: uma esmola por amor das santas almas do purgatório! Assim amargurado en­trou numa igreja pensando: não posso socorrer as almas do purgatório com minhas esmolas, mas posso rezar por elas. Quero ajudá-las com minhas orações. Acabou de rezar e ao sair da igreja um moço muito educado e de ar nobre o veio cumprimentar, dizendo estar de volta da Espanha, e lhe entregava uma gran­de soma de dinheiro, porque quando voltasse à Es­panha, seu pai lhe havia de pagar. Convidou-o para um almoço. Sandoval aceitou o generoso convite, pois até àquela hora nada havia comido. Depois, o moço desapareceu. Nunca mais Sandoval chegou a saber quem era aquele moço. Fez várias pesquisas, mas tu­do em vão. Um dia, contou o fato ao Papa Clemen­te VIII. O Santo Padre lhe disse: Meu filho, é pre­ciso publicar muito este fato para mostrar como Deus recompensa os que dão esmolas em nome das almas do purgatório e sufraga os mortos com atos de ca­ridade.

Uma mulher em Nápoles, conta Rossingnoli (91.ª Maravilha), chegou a uma extrema miséria, porque o marido fora preso por muitas dívidas. Os filhos passavam fome. Recorreu a um grande rico da cida­de e pediu-lhe uma esmola. Recebeu uma moeda de prata. Entrou numa igreja e pôs-se a considerar a triste situação em que se encontrava. Recorreu às almas do purgatório, procurando sufragá-las com fervorosas preces. Depois, tomou a moeda de prata, im­portância exata de uma espórtula de Missa, e mandou celebrar uma santa Missa pelas almas. Sai da igreja muito consolada e cheia de confiança. Encontra na rua logo um velho muito pálido que lhe quer falar.

— Coragem, minha senhora, diz-lhe o desconhe­cido, peço o favor de me levar esta carta a Fulano, tal rua, número tal. É um dos homens mais conhecidos e ricos do lugar.

A senhora executou logo o pedido. O jovem des­tinatário tomou a carta, abriu-a e empalideceu:

— A letra de meu pai... E meu pai já morto!

Indagou muito e veio a concluir que aquela po­bre viúva havia salvo do purgatório a alma do seu pai querido. A carta dizia assim: “Meu filho, teu pai acaba de ser libertado do purgatório graças a uma santa Missa mandada celebrar por esta senhora, por­tadora desta. Está ela numa extrema miséria e eu a recomendo à tua gratidão”.

Grande foi a comoção do jovem. Após acalmar­-se disse à pobre: “Minha senhora, acaba de fazer uma grande obra de caridade e lhe devo uma eterna gratidão: libertou meu pai do purgatório com uma Missa, esta manhã... Doravante eu me encarrego de protegê-la”. E assim o fez. — (Carfora — For­tuna hominis. Lib. I — Rossignoli, 91.ª Maravilha).



[1] Tob. XVV, 9.
[2] Eccl. II, 33.
[3] S. —. Cripost. Hom. XXXII — Epist. ad Hebreus
[4] Tobias — IV, 8, 12.
[5] Rousic — Le Purgatoire — C. XXIV
[6] Bremond — Le Correspondent — 11, 916 — Priere pour les morts.
[7] S. Petr. Dami. Opus. 34 c. 4.
[8] Crepost — Sermo de fide ressuctionis.

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