Sumário. Em
nossas tribulações não nos é proibido pedirmos a Deus que nos livre
delas; mas é necessário que nos conformemos com a sua vontade. Estejamos
certos de que Deus não nos envia as cruzes para nossa perdição, mas
para nossa salvação e para nos comunicar as suas graças. Vede o bom
régulo de quem nos fala o Evangelho. Talvez nunca tivesse pensado em ser
discípulo de Jesus Cristo; mas o Senhor atraiu-o a si por meio da
enfermidade do filho, e comunica-lhe, a ele e a toda a família, o mais
precioso de seus dons, a fé.
I. Refere
São João que, tendo certo régulo vindo pedir a Jesus Cristo que quisesse
acompanhá-lo até a casa dele para lhe curar um filho moribundo, o
Senhor lhe respondeu: Vai, teu filho está vivo. O régulo creu nesta
palavra, e, voltando à casa, soube pelos seus criados que a febre
deixara o filho na mesma ora em que Jesus dissera: Teu filho está vivo.
Pelo que creu ele e toda a sua família: Credidit ipse et domus eius tota.
Admiremos neste trecho do Evangelho uma disposição amorosa da divina Providência, que “toca de uma extremidade à outra e dispõe todas as coisas com suavidade”
(1). Aquele bom régulo talvez nunca tivesse pensado em fazer-se
discípulo de Jesus Cristo; mas o Senhor atraiu-o a si por meio da doença
do filho e comunica-lhe, bem com à toda a família, o mais precioso dos
seus dons, que é o da fé. — É o que Deus quer fazer também a nosso
respeito, quando nos envia tribulações e, em particular, a enfermidade.
Em
primeiro lugar, Deus no-las envia afim de que nos emendemos de alguma
falta; porquanto, na palavra de São Jerônimo, “assim como as coisas
materiais são lavadas com sabão, assim as almas se purificam por meio
das enfermidades e tribulações”. — Deus no-las envia também para nos
consolidar mais na virtude. Por esse meio nos faz, por assim dizer,
tocar com a mão a nossa fraqueza, esclarece-nos acerca da nossa vaidade e
desapega-nos das coisas terrestres. — Mas, o que é mais importante, as
enfermidades, ao passo que diminuem as forças do corpo, reprimem os
apetites de nosso maior inimigo, a carne; ao mesmo tempo que nos
recordam que a terra é para nós um lugar de desterro, fazem-nos levar
uma vida digna de um cristão e estar preparados para a passagem à
eternidade. Por isso é que o Eclesiástico disse: Infirmitas gravis sobriam facit animam (2) – “Uma grave enfermidade faz a alma sóbria”.
II.
Tenhamos a persuasão de que Deus não nos envia as cruzes para nossa
perdição, mas para nossa salvação. Quando, pois, o Senhor nos visita por
alguma doença ou outra aflição, examinemos logo a nossa consciência e
reconheçamos que temos merecido essa cruz, e, mais ainda, humilhemo-nos
em sua presença e digamos com o bom ladrão: Digna factis recipimus (3) — “Recebemos o que merecemos pelas nossas obras”.
— Entretanto, sem esperarmos que outros no-lo digam, aproximemo-nos
espontaneamente dos santos sacramentos, lembrados do que nos diz o
Espírito Santo: Nas doenças deve-se, antes de mais nada, recorrer ao
médico da alma, afim de que nos livre da doença (4).
Não te é
proibido rogar a Deus, como o régulo do Evangelho, que te alivie os
sofrimentos. Se, porém, aprouver a Deus deixar-te na tribulação, dize
então o que Jesus Cristo, muito mais aflito do que tu, não deixava de
dizer no Horto: “Pai meu, se não pode passar este cálice sem que eu beba, faça-se a tua vontade”— Fiat voluntas tua (4).
Entretanto, consolemo-nos com a esperança do paraíso, que é um bem tão
grande, que, para o ganharmos, todo o trabalho é leve. “Eu tenho por
certo”, diz o Apóstolo, “que os sofrimentos da vida presente não têm
proporção alguma com a glória futura que se manifestará em nós (5). A
tribulação que nos vem no presente, momentânea e leve, produz em nós, de
modo incomparável e maravilhoso, um peso eterno de glória.” (6)
Meu Jesus,
agradeço-Vos as luzes com que me iluminais agora. Arrependo-me, sobre
todo o mal, de Vos ter ofendido, e proponho de hoje por diante
conformar-me sempre com a vossa vontade santíssima. — “Dignai-Vos,
Senhor, conceder-me benignamente, com o perdão dos pecados, a paz da
consciência; para que, limpo de toda a culpa, Vos sirva com a confiança
alegre e firme” (7), nos dias de vida que ainda me restam. † Doce coração de Maria, sêde minha salvação. (*IV 197.)
1. Sap. 8, 1.
2. Ecclus. 31, 2.
3. Luc. 23, 41.
4. Ecclus. 38, 9.
5. Matth. 26, 42.
6. Rom. 8, 18.
7. 2 Cor. 4, 17.
8. Or. Dom.
Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo III – Santo Afonso
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