Manus
meae stillaverunt myrrham, et digiti mei pleni myrrha probatissima —
«As minhas mãos distillaram myrrha, e os meus dedos estavam cheios da
myrrha mais preciosa» (Cant. 5, 5).
Sumario.
Na Santíssima Virgem tudo estava em perfeita harmonia, porque estava
isenta do pecado original e cheia de graça. A carne obedecia prontamente ao espírito; e o espírito a Deus. Contudo ela foi tão
amante da mortificação que se tomou um modelo perfeito desta virtude.
Quanto mais mortificados não devemos ser nós que temos tantas más
paixões a exprimir e quiçá tantas culpas a expiar. E somos tão delicados
e tão amantes de nossa comodidade. A continuarmos assim, como nos
poderemos gloriar de ser filhos de Maria?
Com
efeito, Maria praticou a mortificação interior, conservando o coração
sempre desprendido de todas as coisas terrestres: desprendida estava das
riquezas, querendo sempre viver pobre e ganhando o sustento com os
trabalhos de suas mãos; desprendida das honras, amando a vida humilde e
obscura, posto que lhe coubesse o titulo de nobreza, por ser descendente
dos reis de Israel; desprendida afinal dos seus santos pais, porque na
idade de três anos os deixou resolutamente, para ir encerrar-se no
templo.
Quanto
á sua mortificação exterior, na verdade é pouco o que a este respeito
sabemos; mas esse pouco é mais do que suficiente para a nossa
edificação. Maria mortificava de tal maneira a vista, que tinha os olhos
sempre baixos, e jamais os fixava em alguém, como dizem Santo Epiphanio
e São João Damasceno, e acrescentam que desde menina foi tão recatada,
que admirava a todos. Que direi da escassez do nutrimento e da redundância dos trabalhos? esta excedendo as forças da natureza, aquela
lhe quase faltando; esta não lhe permitindo tempo algum livre, aquela
continuando os dias em jejum. E quando veio a vontade a refazer-se, a
comida foi a mais óbvia só para afastar a morte, não para prestar
delicias. Não se deu ao sono senão obrigada pela necessidade, mas quando
o corpo repousava, o animo vigiava.
Finalmente,
quanto a Bem-aventurada Virgem foi mortificada em tudo o mais, bem se
infere do que ela mesma revelou a Santa Isabel benedictina, conforme se
lê ema São Boaventura: «Sabe», disse-lhe, «que não recebi de Deus
nenhuma graça sem grande trabalho, oração continua, desejo ardente e
muitas lágrimas e penitencias.» Em suma, foi Maria em tudo mortificada,
de modo que foi dito della que suas mãos distillaram myrrha, a qual na
explicação dos interpretes é símbolo da mortificação: Manus meae
stillaverunt myrrham.
II.
Se Maria, a mais inocente de todas as virgens, quis praticar a tal
ponto a mortificação, quanto mais não devemos nós pratica-la, nós que
temos tantas más inclinações que reprimir, e quiçá tantos pecados que
expiar! Seja, pois, o fruto da presente meditação o exercício da
mortificação cristã.
Quanto
ao interior, vejamos qual seja a nossa paixão dominante, e
esforcemo-nos por vencel-a, pois quem não a subjugar, está em grande
perigo de se perder; ao contrario, aquele que vencer a paixão
dominante, facilmente vencerá todas as outras.
Pelo
que respeita á mortificação exterior, devemos, antes de mais nada,
mortificar a vista, por cuja causa já muitos se acham no inferno.
Notemos o que diz São Francisco de Sales: «Não é tanto, o ver, como o
olhar, que é a causa da perdição.» — Devemos em seguida mortificar a língua, abstendo-nos de toda a critica e de palavras injuriosas e
livres. Uma palavra livre, embora dita só para rir, pode ser causa de escândalo e de mil pecados. — Em terceiro logar devemos mortificar a
gula, comer para viver, e não viver para comer. Afirma Cassiano que é
impossível que não esteja sujeito a muitas tentações impuras o que se
farta de comida ou de bebida. — Devemos afinal mortificar o ouvido e o
tato, evitando escutar conversas maliciosas e murmurações, e usando de toda a cautela tanto para com os outros como para nós mesmos, fugindo de
todo o brinquedo de mãos. Imitando Maria Santíssima, devemos praticar a
mortificação em todas as coisas e assim mostrar-nos seus dignos filhos:
Filii Mariae, imitatores eius.
Se
não te sentires com força para tanto, recorre com confiança a esta Mãe amaríssima; põe-te debaixo de sua proteção especial e dizer muitas
vezes com São Bernardo: «Lembrae-vos, ó misericordiosíssima Virgem
Maria, que jamais se ouviu dizer fosse por vós desamparado algum
daqueles que tem recorrido á vossa proteção, implorado o vosso
auxilio, e exorado o vosso, valimento. Animado eu, pois, com igual
confiança, a vós, ó Virgem das virgens, ó minha Mãe, recorro; a vós me
acolho; e gemendo sob o peso dos meus pecados, me prostro aos vossos
pés. Não queirais desprezar as minhas suplicas, ó Mãe do Verbo
incarnado, mas escutae-as favoravelmente e dignae-vos de atendel-as.
Assim seja.». (Indulg. De 300 dias cada vez, e plenária uma vez por mez, para quem a rezar cada dia)
Fonte: Santo Afonso de Ligório - Meditações para cada dia do ano
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