Mas qual o espírito que deve inspirar e dominar a vida interior dum Agregado do Santíssimo Sacramento?
É
o próprio espírito da adoração eucarística, expresso pelos quatro fins
do Sacrifício do Altar. A vida da alma interior é um prolongamento de
sua oração: é justo, pois, que uma mesma seiva e um mesmo espírito
animem a ambas.
Toda
a vida, todos os pensamentos, todas as obras do Agregado deverão, pois,
levá-lo a adorar, agradecer, reparar e orar, pela maior glória do Deus
da Eucaristia. Devendo, por conseguinte, entranhar-se na natureza de
cada uma dessas homenagens, dos atos e dos sentimentos que lhes são
próprios, a fim de produzi-los com freqüência e de lhes adquirir a
facilidade e o hábito.
I - Adoração
1.° -
Adorar a Jesus Cristo no Santíssimo Sacramento é reconhecê-lO, real,
verdadeira e substancialmente presente, pelo humilde sentimento duma Fé
viva e espontânea, que submete a fraqueza da razão humana à Divindade de
tão sublime Mistério. Não devemos querer, como o Apóstolo incrédulo,
ver ou tocar para convencer-nos da verdade de Jesus-Hóstia, mas esperar
apenas, para podermos prostrar-nos aos Seus pés e ouvir esta palavra
infalível e suave da santa Igreja, repetindo-nos, com São João Batista: "Eis o Cordeiro de Deus, eis aquele que apaga os pecados do mundo".
2.º
- Adorar a Jesus Cristo no Santíssimo Sacramento é oferecer-Lhe a
homenagem soberana de todo o nosso ser: do corpo, pelo mais profundo
respeito; do espírito, pela fé; do coração, pelo amor; da vontade, pela
obediência; de todos os sentidos por um absoluto acatamento; em união
com o louvor de todos os verdadeiros adoradores de Jesus Cristo, em
união com as adorações da santa Igreja, da Santíssima Virgem, quando
ainda na terra, e de toda a Corte Celeste. Prostrada ao pé do Trono do
Cordeiro, essa Corte oferece-Lhe a homenagem de suas coroas, dizendo:
"É digno o Cordeiro que foi imolado e que nos remiu para Deus, com o Seu Sangue, fazendo de nós um reino para Deus Pai, é digno de receber o poder, a divindade, a sabedoria, a fortaleza, a honra, a glória e a bênção!" (Ap. 5,9- 10. l2 - Vulg.).
3.°
- Adorar a Jesus Cristo no Santíssimo Sacramento é adorar a grandeza, a
ternura de Seu Amor pelos homens, que O levou a instituir e a perpetuar
a divina Eucaristia, para ser sempre a Vítima de salvação, o Pão
celeste e a consolação do homem peregrino na terra.
4.° -
Adorar, finalmente, a Jesus Cristo sacramentado é fazer da divina
Eucaristia o fim de nossa vida, o objeto final de nossa piedade, o alvo
de amor de nossas virtudes e de nossos sacrifícios. Tudo pela maior
glória de Jesus no Santíssimo Sacramento, tal deve ser a senha de toda a
vida do adorador.
II- Ação de graças
Todo benefício requer ação de graças, e quanto maior for o benefício, maior também será a gratidão.
Ora,
a Santíssima Eucaristia é o benefício dos benefícios do Salvador. Seu
Amor encontrou o segredo de reunir todos os Seus bens, todas as Suas
graças, todas as Suas virtudes, todos os Seus amores no dom régio da
Eucaristia. É a quintessência de todas as Suas maravilhas, a
glorificação sacramental de todos os Mistérios de sua Vida. É a Vida
temporal e a Vida celeste do Salvador reunidas em seu Sacramento,
a fim de ser, para o homem, fonte inexorável de Graça e de Glória, de
santidade e de amor: a fim de que o amor do homem peregrino seja tão
rico quanto o amor do habitante dos Céus.
Perante
tal Bondade por parte de Jesus Cristo, qual será o reconhecimento do
coração do homem, considerando-se a si mesmo como o fim da Eucaristia,
da Encarnação, do Calvário! Como louvar dignamente tamanha Bondade? Que
ação de graças jamais corresponderá a semelhante Dom? Que amor pagará
tal soma de Amor? Faltam palavras adequadas ao pobre, sob a impressão
dum dom régio, duma visita real, que o liberte da miséria e o coroe de
honra e de glória; só dispõe de lágrimas de surpresa e de júbilo: a
felicidade oprime-o, fá-lo desfalecer.
Tal
seria também a nossa ação de graças pela divina Eucaristia, se nos
fosse dado compreender melhor o seu imenso beneficio; se pudéssemos
conhecer melhor, dum lado a Jesus Cristo, e do outro a nossa profunda
miséria. O homem, a quem a bondade torna feliz, é levado pelo amor a
dedicar-se ao seu benfeitor. Presta-lhe a homenagem de tudo quanto tem,
qual Zaqueu; segue-O, como os Apóstolos; acompanha-o até o Calvário,
como João e Madalena.
Mas
isso ainda não lhe basta ao coração: a Santíssima Eucaristia será sua
própria ação graças. Oferece-a ao Pai celeste em reconhecimento de lha
ter dado.
Oferece a Jesus Cristo o próprio Dom de seu Amor, dizendo-Lhe com o profeta: "Que darei ao Senhor por todos os bens com que me sacia? Tomarei o cálice de salvação, e invocarei o Nome do Senhor" (Sl. 115,12- 13). Repete, com Maria, Sua divina Mãe, o cântico de êxtase de sua gratidão, e com o velho Simeão, o Nunc dimittis. Porquanto, depois da Eucaristia, só resta o Céu - e não é ela um Céu antecipado?
III- Propiciação
A propiciação é, em primeiro lugar, a reparação de honra, feita a Jesus Cristo pela ingratidão e pelos ultrajes de que é objeto em Seu Sacramento de Amor; é também a satisfação de misericórdia, implorando perdão e graça para os culpados.
1.º-
Reparação de honra. Nosso Senhor Jesus Cristo é mais ofendido em Seu
estado sacramental do que nos dias de Sua Paixão. Então foi humilhado,
insultado, renegado e crucificado, mas por um povo que não O conhecia,
por uns carrascos mercenários.
Aqui,
Jesus é renegado pelos Seus que já O adoraram, que comungaram, que O
reconheceram como o seu Deus. Jesus é humilhado por Seus filhos, a quem o
respeito humano, a vergonha, o orgulho tornam apóstatas.
Jesus
é insultado por servos a quem prodigalizou honras e bens, servos
mercenários, a quem o hábito das coisas sagradas torna pouco
respeitosos, profanadores, sacrílegos até, como outrora os mercadores do
templo, expulsos por Jesus. Jesus é vendido por Seus amigos - e quantos
Judas há no mundo! E vendemos Jesus a um ídolo, a uma paixão, ao
próprio demônio. Jesus é crucificado por aqueles a quem tanto amou, e
que se utilizam de Seus dons para insultá-lO, de Seu Amor para
desprezá-lO, de Seu silêncio e de Seu véu sacramentais para encobrir o
sacrilégio eucarístico: crime abominável! Jesus Cristo é então
crucificado no comungante e entregue ao demônio que nele reina!
E
esses horrendos sacrilégios se renovaram e se renovam ainda diariamente
em todo o universo. Só Deus lhes conhece o número e a malícia. E ele, o
Deus de Amor, será tratado assim até o fim do mundo!
Ora,
ante tamanho Amor dum lado e tamanha ingratidão do outro, o coração do
reparador se deveria fender, como o monte Calvário; seus olhos se
deveriam tomar em duas fontes inesgotáveis de lágrimas e obscurecer-se
como o sol à vista do deicídio; seus membros deveriam tremer de pavor e
de horror, como tremeu a terra por ocasião da morte do Salvador.
Mas
a esse sentimento de dor e de medo deve suceder outro, de expiação ao
Amor de Deus, tão desconhecido e ultrajado. A alma deve fazer um ato de
reparação e de amor à Vítima divina, como o fizeram o centurião, os
carrascos e o povo contrito, como o faz a santa Igreja pelo seu
Sacerdócio nos dias de luto e de crime. Como Maria, ao pé da Cruz, é
preciso sofrer com Jesus, amá-lO por aqueles que não O amam, adorá-lO
por aqueles que O ultrajam, mormente se entre esses ingratos e
sacrílegos houver parentes ou amigos nossos. Mas a reparação se imporia
com maior força ainda se, desgraçadamente, fôssemos nós mesmos culpados
para com o Deus da Eucaristia, ou se fôssemos, pelo escândalo, causa de
pecado por parte do próximo.
Ah! então a justiça pede uma reparação igual à ofensa. Será que nós, também, havemos de merecer a doce repreensão do Salvador?
"Vós, a quem amei com tanto Amor, a quem prodigalizei favores insignes, vós Me abandonais, Me desprezais, Me crucificais! Fácil seria compreender o esquecimento dos homens terrestres, a indiferença dos escravos do mundo, o desprezo mesmo daqueles que não têm fé, que nunca gozam das delícias de Meu Sacramento; mas vós, Meu amigo, Meu comensal, vós, esposa de Meu Coração!"
Tais
sejam talvez as justas censuras do Coração de Jesus. A nós cabe abaixar
a cabeça de vergonha e partir a alma de dor. Jesus, numa revelação a
santa Margarida Maria, mostrou-lhe o Seu Coração ferido, coroado de
espinhos, encimado por uma cruz, e dirigiu-lhe estas palavras:
"Tenho uma sede ardente de ser amado pelos homens no Santíssimo Sacramento, e não encontro quase ninguém que se esforce, segundo o Meu desejo, para Me desalterar, usando para comigo de alguma paga!"
2.° - Propiciação de misericórdia.
A propiciação seria incompleta em se limitando à reparação. Embora
satisfizesse a Justiça Divina, não satisfaria o Amor de Jesus. Que quer
este Amor? Quer a salvação dos homens e o perdão dos maiores pecadores.
Queria perdoar a Judas; pedia perdão para os seus carrascos, enquanto
estes O insultavam. E, no Altar, não é sempre a Vítima de propiciação
pelos pecadores? Sua Paciência em suportá-los, Sua Misericórdia em
perdoar-lhes, Sua Bondade em recebê-los no regaço paterno, eis a
vingança do Amor, eis Seu triunfo!
Nessa
obra divina de perdão, Jesus carece, por assim dizer, dum associado,
dum cooperador, que repita com Ele ao Pai a oração da Cruz: "Pai, perdoai-lhes porque não sabem o que fazem"
(Lc 23,43). Carece duma vítima que acabe em si mesma o que falta a Seu
estado de imolação sacramental: o sofrimento, o sacrifício efetivos. As
almas só se redimem a tal preço - preço outrora pago no monte Calvário.
Mas também quão sólidas, generosas, perfeitas, serão as conversões que,
merecidas em comum por Jesus e pela alma reparadora, partirão do
Tabernáculo divino! Ah! é principalmente aí que devemos procurar a
redenção das almas, a conversão dos grandes pecadores, a salvação do
mundo.
IV- Impetração
A impetração é o aposto lado eucarístico da oração, é o fruto natural da adoração, da ação de graças e da propiciação.
Este
apostolado de oração honra a Jesus Cristo no Santíssimo Sacramento como
a Fonte divina de todo Dom e de toda Graça. Com efeito, a Santíssima
Eucaristia é-lhe um tesouro inesgotável, um reservatório mais largo e
mais profundo que o oceano. Jesus aí depositou as Suas virtudes, todos
os Seus méritos, o preço infinito de Sua Redenção, colocando tudo isso à
disposição do homem, mediante uma só condição: ele irá procurá-las,
solicitá-las de Sua Bondade sempre pronta a prodigalizar-lhes os Seus
bens.
Do fundo do Tabernáculo, Jesus clama a todos aqueles que sofrem, que estão necessitados, desgraçados:
"Vinde a Mim e Eu vos aliviarei".
É sempre o bom Samaritano, o Médico divino de nossas almas, que há de
curá-las de todas as chagas do pecado e que há de purificar (I) e
santificar nossos corpos pelo Seu Corpo sagrado. É sempre o bom Pastor a
amar Suas ovelhas, a nutri-las com Sua Carne e com Seu Sangue.
Mas
está triste, pois há muitas ovelhas desgarradas, que o lobo raptador
Lhe arrebatou. Chora-lhes a perda, chama-as, solicita-as. Não pode,
porém, ir em sua busca. Então, para consolar o nosso bom Pastor, iremos
nós procurá-las, conduzi-las a Seus pés pela força de nossas orações. E
que alegria será para Jesus, que felicidade para nós!
Jesus,
no Santíssimo Sacramento, é sempre o Bom Mestre que, unicamente, aponta
o caminho do Céu, ensina a Verdade de Deus, comunica a Vida de Amor.
Mas
no mundo Jesus não é mais conhecido. Os homens ignoram o Salvador que
está no meio deles. É preciso dar a conhecer a Deus, mostrá-lO, como
João Batista, trazer-Lhe os amigos, os irmãos, como André. O maior
beneficio que se possa fazer a alguém é revelar-lhe o seu Mestre e seu
Deus. É, sobretudo mostrando o Amor e a imensa Bondade de Jesus que o
devemos tornar conhecido, pois é o meio mais eficaz de Lhe atrair os
corações.
Jesus,
no Santíssimo Sacramento, é sempre o Salvador em estado de imolação,
oferendo-Se sem cessar ao Pai, como o fez na Cruz, pela salvação dos
homens; apontando-Lhe Suas Chagas profundas e Seu Coração aberto, para
obter o perdão do gênero humano.
É
aos pés dessa Vítima adorável que o adorador deve orar, chorar,
implorar ao Amor Crucificado que sensibilize o coração dos pecadores
empedernidos, que quebre as cadeias tão duras e vergonhosas do vício, a
pesar sobre tantos escravos do mundo; que rompa o véu que retém o judeu -
povo que mereceu as primícias de Sua ternura - na cegueira e na
infidelidade; que humilhe o orgulho do herege, a fim de que veja a
Verdade e se submeta ao Seu império; que toque o coração do cismático, para que reconheça a sua mãe, a santa Igreja, e se venha lançar nos seus braços!
E
esta Igreja, Esposa de Cristo, será sempre objeto das orações do
adorador, em si, em suas instituições, em suas obras, em seu sacerdócio,
em seu povo, em cada um de seus filhos; em tudo o que interessa à sua
prosperidade, à sua perfeição e ao cumprimento de sua missão no mundo.
E, reconhecendo humildemente sua própria insuficiência e a dependência
absoluta em que se encontra para com Deus, o adorador reza por si mesmo.
Conserva constantemente sua alma em um estado de oração, pela
contemplação de sua indigência e da grandeza das bondades divinas. E
assim manterá a alma sempre aberta, pronta a receber a efusão da Graça.
Tais
as quatro grandes homenagens que encerra a adoração eucarística, e que
devem animar e vivificar com seu espírito toda a vida do Agregado do
Santíssimo Sacramento. Praticá-las fielmente, será praticar a vida
interior em alto grau e estabelecer perfeitamente o Reinado de Jesus na
alma.
(I) O Santo, em seu manuscrito, emprega aqui a palavra chastifiera, que é muito expressiva e traduz bem o seu pensamento.
(A Divina Eucaristia, escritos e Sermões de São Pedro Julião Eymard)
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