Similiter autem odio sunt Deo impius et impietas eius - O ímpio e a impiedade são igualmente odiosos a Deus (Sabe. 14,9)
Consideremos o miserável estado de uma alma em pecado mortal. Vive
separada de Deus, seu soberano bem, de tal sorte que não pertence a
Deus, assim como Deus não pertence a ela: Vos non populus meus, et ego non ero vester. Não
só já não é dela, mas aborrece-a e condena-a ao inferno. - O Senhor não
odeia nenhuma das suas criaturas, nem mesmo as feras e as víboras: Nihil odisti eorum quae fecisti. Mas
o Senhor não pode deixar de odiar os pecadores. Sim, porque Deus odeia
necessariamente o pecado, que é seu inimigo inteiramente contrário a sua
vontade, e assim odiando o pecado, deve necessariamente odiar também o
pecador que se conserva unido ao pecado: Similiter autem odio sunt Deo impius et impietas eius - O ímpio e a sua impiedade são igualmente odiosos a Deus.
Oh céus! Se alguém tem por inimigo um príncipe da
terra, não pode mais dormir tranquilo, receando com razão a cada
instante a morte. E o que tem por inimigo a Deus, como pode viver em
paz? A ira de um príncipe pode-se fugir, já buscando esconderijo numa
floresta, já ausentando-se para outro pais, mas quem pode escapar das
mãos de Deus? As vossas mãos, Senhor, exclamava Davi, quer eu suba aos
céus, quer desça ao inferno, alcançar-me-ão em toda a parte: Etenim illuc manus tua deducet me.
Desgraçados pecadores! Eles são amaldiçoados por Deus,
amaldiçoados pelos anjos, amaldiçoados pelos santos, amaldiçoados até na
terra por todos os sacerdotes e religiosos, que todos os dias, ao
recitar o Officio divino, pronunciam esta maldição: Maledicti qui declinant a mandatis tuis - Amaldiçoados os que se apartam dos teus mandamentos. - Além
disso o desafeto de Deus traz consigo a perda de todos os merecimentos.
Ainda que algum tivesse merecido tanto quanto um São Paulo Eremita, que
viveu 98 anos numa gruta, tanto como um São Francisco Xavier, que
conquistou para Deus milhões de almas, tanto como o apóstolo São Paulo,
que segundo São Jeronymo, adquiriu mais merecimentos que todos os
outros apóstolos: se cometesse um só pecado mortal, perderia tudo: Omnes iustitiae eius, quas fecerat non recordabuntur - De nenhuma das obras de justiça que tiver feito, se fará memória.
Tão grande é, portanto, a ruína que traz consigo o desafeto
de Deus: de filho de Deus faz o homem tornar-se escravo de Lucifer, de
amigo querido, inimigo sumamente odiado; de herdeiro do céu, um
condenado ao inferno. Pelo que dizia São Francisco de Sales, que, se os
anjos pudesse chorar, chorariam de compaixão vendo a desgraça de uma
alma que comete pecado mortal e perde a graça de Deus. - O que é, porém,
mais triste, é que os chorariam, se fossem suscetíveis de chorar, e o
pecador não chora. Quando se perde um animal, uma ovelha, diz Santo
Agostinho, já não se come, não se dorme, não se faz senão chorar; mas
perde-se a graça de Deus, e come-se, dorme-se e não se chora!
Eis, pois, o triste estado a que me tenho reduzido, ó meu Redentor.
Para me tornardes digno da vossa graça, haveis empregado 33 anos de
suores e sofrimentos, e eu, por um instante de prazer envenenado, por um
nada, a desprezei e perdi. Dou graças a vossa misericórdia, que me dá
ainda tempo para a recuperar, se o quiser. Ah! Sim, quero fazer tudo
para a readquirir. Dizei-me o que devo fazer para obter o perdão.
Quereis que me arrependa? Pois bem, ó meu Jesus, arrependo-me de todo o
coração de ter ofendido a vossa bondade infinita. Quereis que vos ame?
Amo-Vos sobre todas as coisas, Jesus, meu Deus, amo-Vos sobre todas as
coisas.
No passado liguei demais o coração ao amor da criaturas e das
vaidades. De hoje em diante, quero só viver para Vós, e só amar a Vós,
meu Deus, meu tesouro, minha esperança e minha fortaleza: Diligam te, Domine, fortitudo mea - Amar-Vos-ei, meu Deus e minha fortaleza. Os
vossos merecimentos, as vossas chagas, ó meu Jesus, devem ser a minha
esperança e a minha força. É de Vós que espero a força de Vos ser fiel.
Recebei-me, pois, na vossa graça, ó meu Salvador, e não permitais que
jamais Vos abandone. Desprendei-me de todas as afeições mundanas, e
inflamai o meu coração ao vosso santo amor. - Maria, minha Mãe, fazei
com que me abrase no amor de Deus, como sempre vos haveis abrasado.
Meditações de Santo Afonso Maria de Ligório - Tomo III.
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