Que significa o termo mulher, desde as primeira letras da
Sagrada Escritura? É o nome genérico do sexo feminino, e não de uma
categoria especial. Assim é que Deus chamou Eva de mulher, já antes
que ela se unisse ao homem (cf. Gn 2,21-25; 5,2).
Mulher para o
gênero globalmente, e esposa para determinada categoria, de modo
especial. Se, pois, ele dá o nome de mulher a Eva, mesmo ainda inupta,
o termo mulher se tornou aplicável também à virgem. Não é, pois, de se
admirar que o Apóstolo, movido pelo Espírito que inspira toda a Sagrada
Escritura, inclusive no livro do Gênesis, tenha usado a mesma palavra,
isto é, mulher, que, a exemplo de Eva, convém igualmente a uma
virgem.
2.
O restante, aliás, concorda com isso. Pelo fato de não nomear as
virgens, ao contrário do que faz ao ensinar sobre o matrimônio (cf. 1Cor
7,34), Paulo indica suficientemente que se refere a todas as mulheres e
ao sexo feminino em geral, sem fazer distinção entre mulher e virgem,
que de todo não cita. Aquele que em outro lugar se lembrou de
distinguir, quando a diferença o exigia (e ele usou dois vocábulos
diferentes para distinguir as duas categorias), não quer que se veja
diferença, quando ele não distingue nem se refere a duas categorias.
Que dizer do fato de que na língua grega, em que Paulo escreve suas
cartas, é costume usar o termo gynaikas (mulheres) em vez de theleías,
em latim feminas? Se, deste modo, aquele termo é habitualmente usado
para indicar todo o sexo feminino, e pode ser traduzido em latim por
femina, é claro que, dizendo gynaika (mulher), quis nomear todo o sexo
feminino, no qual estão compreendidas igualmente as virgens.
Mas há um pronunciamento de Paulo bem evidente: "Toda mulher
que estiver em oração e profetizar com a cabeça descoberta desonra a
sua cabeça" (1Cor 11,5). Que significa "toda mulher", senão mulher de
qualquer idade, de qualquer ordem, de qualquer condição? Dizendo
"toda" , ele não exclui qualquer categoria de mulher, como não exclui
qualquer homem da proibição de velar a cabeça. Por isso, com efeito,
diz: "Todo homem" (1Cor 11,4). Como, pois, relativamente ao sexo
masculino, com a expressão "todo homem", Paulo proíbe até aos mais
jovens usar véu, igualmente, para o sexo feminino, com o termo
mulher, obriga até a virgem a cobrir-se com o véu. Em ambos os sexos,
os de menor idade devem seguir a disciplina dos maiores. Do contrário,
obrigaríamos os rapazes ainda virgens do sexo masculino a usar véu, se
não são as mulheres virgens obrigadas a isso, visto que os rapazes não
são nominalmente citados. Se há distinção entre mulher e virgem,
também existe entre homem e rapaz.
Com certeza, diz Paulo que as mulheres devem usar véu por causa
dos anjos (cf. 1Cor 11,10), porque os anjos se afastaram de Deus por
causa das filhas dos homens (cf Gn 6,2). Quem poderá responsabilizar
só as mulheres adultas, já casadas e privadas da virgindade, de
excitarem a concupiscência, a não ser que se negue que as virgens são
mais belas e atraem enamorados? Vejamos mesmo se os anjos não
desejaram senão as virgens, já que a Escritura diz "filhas dos homens",
quando podia nomear indiferentemente as esposas dos homens ou as
mulheres.
Igualmente, ao dizer: "E as tomaram por esposas" (Gn 6,2), a
Escritura quer dizer que são recebidas como esposas as mulheres ainda
não casadas. Se não fossem mulheres núbeis, usaria de expressão
diferente. Uma mulher é disponível para contrair casamento se é viúva
ou virgem. Assim, usando o termo "filhas" inclui nessa expressão
genérica uma categoria especial.
Quando diz o Apóstolo que a própria natureza ensina que as mulheres
devem usar véu, pois a sua cabeleira lhes serve de cobertura e
ornamento, não podemos, acaso, concluir que também às virgens foi
determinada semelhante cobertura e ornamento? Se for vergonhoso
para uma mulher raspar a cabeça, o mesmo será para a virgem.
Se existe uma única condição para a cabeça da mulher, há uma única
disciplina, inclusive para aquelas virgens que ainda têm a proteção da
infância. Já desde pequenina, a menina é chamada de mulher. Foi
assim, de resto, a observância do povo de Israel. Mas mesmo que nele
não se observasse esse costume, a nossa lei, que amplia e completa a
dele, exigiria para si esse acréscimo, impondo às virgens o uso do véu.
Escuse-se dessa norma aquela idade que ainda ignora o sexo. Que ela
goze do privilégio da simplicidade infantil. Todavia, Eva e Adão, logo que
começaram a conhecer o bem e o mal, ocultaram sem demora o que
descobriram (cf. Gn 3,7). Assim também, as meninas que passaram da
infância, do mesmo modo que obedecem à natureza, obedeçam também
à disciplina. Ao se desenvolver o corpo, começam também as funções
da mulher. Nenhuma menina é mais virgem, desde que se pode casar,
porque então a idade a desposou a um varão, isto é, ao tempo [da
puberdade].
Mas pode alguém objetar: Uma jovem se consagrou a Deus. Apesar
disto, à medida que cresce, ela muda de penteado e todos os seus
vestidos, à maneira feminina. Fale com toda gravidade e mostre-se à
altura de uma virgem. Se algo esconde por causa de Deus, proteja-o
completamente. Se vivemos sob o olhar complacente de Deus,
interessa-nos que só a ele nos confiemos, de modo somente dele
conhecido, a fim de não recebermos do homem o que só de Deus
esperamos. Por que, então, descobrir diante de Deus o que velas diante
dos homens? Serás, por acaso, mais recatada na rua do que na igreja?
Se é graça de Deus [a tua virgindade] e, como diz Paulo, a "recebeste,
por que te glorias, como se não tivesses recebido"? (1Cor 4,7). Por que
te mostras ostensivamente e julgas assim as outras? Ou, acaso, pensas
que com a tua vaidade, convidas as outras para o bem? Na realidade, se
te glorias, corres o risco de te perderes, e forças as outras a correrem o
mesmo perigo. Facilmente se destrói o que se assume com desejo de
glória. Cobre-te do véu, ó virgem, se és virgem; deves enrubescer-te.
Se és virgem, não suportes o olhar de muitos. Ninguém possa olhar com
admiração a tua face; ninguém perceba em ti uma farsa. Se velas a tua
cabeça, finges ser casada. Mas, a bem dizer, não estás mentindo, pois
és esposa de Cristo. A ele consagraste a tua carne; vive, pois, segundo
a disciplina do teu esposo. Se ele ordena que usem véu as esposas
alheias, quanto mais as suas!
Quanto àquelas que se desposarem, posso
declarar com certeza, a meu critério, que elas devem usar o véu, desde
o dia em que pela primeira vez tocaram o corpo do seu esposo e
tremeram pelo beijo e pelo aperto da mão direita. Para tais mulheres,
tudo já é matrimônio: a idade, porque já são maduras; a carne, porque
já têm idade de casar-se; pelo espírito, porque conscientes de tudo;
pelo pudor, porque experimentaram o beijo; a esperança, porque estão
na expectativa das núpcias; a mente, porque querem o casamento.
Baste-nos o exemplo de Rebeca: apenas indicado o seu futuro esposo,
já se toma esposa à notícia de sua chegada e logo se cobre do véu (cf.
Gn 24,65).
Retirado do Livro: Tratado da Oração por Tertuliano.
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