Chegamos ao cume da maior ingratidão que pode praticar um Cristão com o
divino Amante Sacramentado, porque não há palavras bastantes para
explicar a maldade de quem chega a pôr a boca imunda pelo pecado no
Corpo Puríssimo de Jesus. Não cessa ainda toda a Igreja Militante de
admirar-se de como o Criador dos Céus não teve horror de entrar do
puríssimo ventre de uma Virgem, e era mais puro que uma açucena, e mais
incorruptível que um sol. E que dirá a Triunfante? Que dirão aqueles
espíritos angélicos em ver seu próprio Criador albergado numa alma, que,
morta mela culpa, está escrava e tiranizada pelo Demônio? Ao traidor,
culpado de Sua morte, chamou Satanás o Redentor, porque já o cruel
tirano havia tomado posse de seu coração. Assim é. A Alma que jaz no
miserável estado de culpa é um trono do príncipe das trevas, e se ela
recebe em si o Corpo de Sangue de Jesus, é como pô-lo aos pés do
Demônio.
Chorando tanta
ingratidão, São Pedro Crisólogo exclamava: Ah! Deus Imortal! Unde te
traxit amor? Aonde, Senhor, arrastou-Vos o amor pelos homens? A um
presépio e a um calvário? Mais ainda. A uma habitação onde reina
Satanás. Aí põem as criaturas Vosso Divino Corpo, onde este infernal
príncipe pretende todas as adorações. Ele ali manda, ali reina, ali
domina; e Vós, Onipotente e Imenso, sofreis que, nessa Alma onde
entrais, exercite seu tirânico império? Envolta entre os mais duros
grilhões do pecado, procura tragá-la o cruel logo, e Vós consentis que
esteja juntamente ali Vossa Carne e Sangue, Que é A do mais Inocente
Cordeiro?
Porém, olhai, Católicos, como neste caso vos ameaça o mais
paciente entre os mortais: Panis in utero illius in fel convertetus
aspidum. Este Pão, Que comeis indignamente, se vos converterá em fel de
víboras venenosas. Quer dizer que Este Pão Que, a outros, dá vida, para
vós será veneno. De um peixe chamado fastino, dizem os naturais que tem
virtude de fazer doce toda a água salgada que entre em sua boca. Mas, a
quem recebe em pecado o Sangue de Jesus, acontece-lhe o contrário,
porque a bebida doce A faz amarga, e Aquele Sacramento Que é uma
torrente de delícias, Se lhe converte em um mar de amarguaras.
Não
para aqui o merecido castigo de sua ingratidão, diz o citado Profeta:
Divitias quas devoravit evomit. Volta a vomitar aquele precioso manjar
que engoliu. É o sentir de mui graves autores, que os Anjos, celando a
pureza devida a Este Augustíssimo Sacramento, tiraram-n'O da boca imunda
de Judas, antes que chegasse ao peito. Mas que é isso, se até os
próprios Demônios obrigaram uma infeliz mulher, depois de morta, a
lançar da garganta o Santíssimo Sacramento, que acabara de receber no
mal estado: Divitias quas devoravir evomit. O Angélico Doutor põe em
disputa qual seja maior sacrilégio: comungar em pecado mortal ou arrojar
na imundície o adorável Corpo de Jesus Sacramentado. É certo que uma e
outra culpa não cabem num coração caracterizado com o nome de Católico.
Convidado
um grave filósofo à função de uns desponsórios, vestiu-se e aornou-se
com extraordinário alinho, e, perguntado pela causa daquele primor,
respondeu: Ut pulcher ad pulchrum vadam. Eu vou comer com uma beleza, e é
preciso que não se veja em mim maldade alguma. Assim deve fazer quem
não só vai comer com Jesus, Que é o mais formoso dos homens, mas comer
também Sua própria Carne e beber Seu Sangue. Deve vestir-se primeiro do
candor da inocência, e, com lágrimas de compunção, lavar a mais pequena
mancha de pecado.
O cisne, a mais branca entre as aves, nunca come o
pão sem lavá-lo primeiro na água. Assim merece ser comido o Divino Pão
Eucarístico, molhado primeiro com lágrimas de amor. Só assim gozará uma
Alma de Seus admiráveis efeitos, porque o Corpo Sacramentado de Jesus é
como o sol, que, conforme às disposições que encontra na terra, numa
produz ouro, noutra prata, noutra ferro e noutra nada. Ó que
infelicidade para uma Alma ser terreno tão árido e tão inútil, que nada
produza nela Este Sol Divino de Jesus! Ó que desgraça! Levantar-se em
jejum do real banquete do Sacramento, como os convidados de Heliogábalo,
os quais, encontrando só os manjares pintados, saíam de sua mesa mais
famintos do que haviam entrado.
Mas assim é. Entra o Sol Sacramentado
nestas Almas, e nada produz nelas, porque as deixa como as acha. Dormia
um centinela sobre os muros de Atenas, sitiada pelos inimigos, quando
rondava seu vigilante capitão, e, vendo-o dormindo, tirou-lhe a vida,
dizendo: Talem inveni, qualem reliqui. Morto estava, e morto o deixei.
Assim obra Jesus Sacramentado com aquele que encontra morto pelo pecado
mortal: deixa-o como se acha: Talem inveni, qualem reliqui. Castigo bem
merecido por sua ingratidão, ficar morto nos braços da mesma vida,
naufragar no porto, cegar-se com a luz e perecer com o remédio.
Nenhum comentário:
Postar um comentário