A Morte do Justíssimo São José |
1. - Não morre como justo senão quem vive como justo
Preciosa é a morte do justo! Morre Estêvão, primeiro dos mártires, cheio
do Espírito Santo; e vê os Céus abertos e Jesus sentado à direita de
Deus. Morre coma alegria mais serena no espírito: "Senhor Jesus, recebei
o meu espírito"; Com a consciência mais tranqüila no coração;
"ajoelhado, clamou com grande voz"; com o mel mais doce nos lábios:
"Senhor não lhes imputeis este pecado"; morre, ou melhor, dorme no seio
do seu Senhor: "Adormece no Senhor". (At 7, 59-60). Oh!"como é preciosa
diante de Deus a morte dos seus santos!" (Sl 115, 6).
Quem é que não deseja ter a morte dos justos? "Que eu morra da morte dos
justos" (Nm 23, 10), disse até aquele que depois morreu como ímpio. E,
todavia dizem, e desejam incessantemente morrer como justos aqueles que
porém querem viver como ímpios. Mas é vão este seu desejo: "o desejo dos
ímpios perecerá" (Sl111, 10). Não morre como justo senão quem vive como
justo. Não morre como santo senão quem vive como santo. Quem vive mal, morre mal; quem vive em pecado morre em pecado.
Sei o que me quererei opor, ó pecadores: que espereis morrer bem embora
agora vivais mal, porque quereis converter-vos no momento da morte. Vãs
esperanças; na morte vós não vos convertereis. Vós podeis morrer
repentinamente, como em nossos dias muitos morrem. Mas eu quero que vós
tenhais todo o tempo.
E não obstante vos provo que não vos convertereis. Tenhais toda a
oportunidade de sacerdotes entendidos que vos ajudam; vós não vos
convertereis.
2. - Quem não quer converter-se agora não se converterá nem mesmo nas últimas
E por primeiro vós não vos convertereis, porque não quereis converter-vos.
Parecerá talvez a vós que desde o princípio eu saia do caminho tendo de
falar com tais pecadores que querem converter-se na hora da morte. Sei
muito bem que vós quereis converter-vos então; mas sei ainda que vós não
quereis converter-vos agora. Portanto eu deduzo: não quereis usar bem
do tempo nem mesmo nos extremos.
Quem não conhece a força prodigiosa dos hábitos, radicados profundamente
para inclinar e arrastar irreversivelmente a vontade aos atos
convenientes a ele?
Vós, resistindo agora aos convites da graça tão freqüentes, aliás,
contínuos, habituais o vosso coração a uma dureza, que multiplicada por
alguns dias, e agravada incomensuravelmente por tantos anos, no momento
da morte se encontrará ter chegado a um grau de aumento realmente
monstruoso; de modo que
se agora o vosso coração é duro, então será duríssimo. Como pois o quereisromper, como dobrar, como amolecer?
Não é esta simples conjectura, quando o Espírito Santo ajuntar sua sentença.
É verdade irrefutável: "O coração empedernido acabará por ser infeliz" (Eclo 3, 27).
Um coração duro, como usa mal do tempo agora, assim o usará mal também.
Continuará na sua obstinação, na sua dureza: "acabará por ser infeliz".
Atingido por tantas dores, por tantas angústias, por tantas tribulações,
poderá sim blasfemar; humilhar-se, compungir-se, converter-se, não.
"Acabará por ser infeliz": fará mal até o último instante.
Quantos não morreram em nossos dias como cães! Não são conjecturas
estas, são fatos. Não são fatos acontecidos somente no passado; neste
tempo tão depravado vêem-se acontecer quase diariamente.
Batidos, afligidos, angustiados pelos males - diz a Escritura -
estrebucham, retorcem-se horrivelmente mais que mares agitados; e longe
de fazer penitência para dar glória a Deus, blasfemam o Altíssimo que
com tanto poder os flagela. "E blasfemaram o nome do Deus Todo-Poderoso
sobre estas pragas, e não fizeram
penitência para dar-lhe glória". "E comem sua língua pelas dores". E
tornam a blasfemar o Deus do céu. "E blasfemaram o Deus do céu pelas
suas dores e feridas". Não se convencem nem mesmo nas últimas, de
arrepender-se de tanta iniqüidade; "e não fizeram penitência pelas suas
obras" (Ap 16, 9-11).
3. - No momento da morte não podereis converter-vos porque não estais em
condições de fazê-lo.
Mas vamos! Quero a todo custo o vosso bem. Tendes não só todo o tempo e
toda oportunidade, mas mais ainda, todo o desejo de converter-se, como
desejais tê-lo então? Será vã a vossa vontade, porque então não
podereis.
Como? Oh! Deus! Você então nos desespera?
Não; antes quero que previnais o perigo de desesperar-vos não deixando
para aquele momento a vossa conversão, mas fazendo logo, aquilo que não
podereis então.
De fato, dizei-me, por favor: se uma dor de cabeça, uma dor de dentes,
que depois de alguns dias passa, vos abate e vos ocupa a mente que não
podeis pensar em outra coisa, nem fazer algo senão sentir vosso desgosto
e padecer; que farão as dores e os espasmos da morte? Com as forças
exauridas, nada, com o corpo arruinado, se não podeis ser aptos à menos
ação, como o sereis à maior cheia de enormes dificuldades que é
converter-se num momento de uma vida má e acostumada durante tantos anos
ao mal? Se os próprios bons, quando a doença se agrava, se encontram
incapazes, e são acostumados sempre a orar, a fazer atos de contrição,
de esperança, de amor; e apesar disso sentem então grande dificuldade;
como não a sentirão maior e insuperáveis os pecadores, habituados sempre ao mal e sem nenhum exercício ao bem?
A fantasia agitada, escurecida, estranhamente alterada, não apresentará
ao intelecto senão imagens de terror, fantasmas de confusão, visões
medrosas de objetos estragados e desfigurados.
A apreensão do juízo iminente e da eternidade próxima, os atrocíssimos
remorsos de consciência que farão ver o pecado muito diferente daquele
que parecia durante a vida; porque aqui se via quase como um cãozinho
festivo que se acaricia nos braços, e lá aparecerá como uma enorme
serpente ou como um dragão
poderosíssimo e venenoso.
O demônio que andará à roda com grandíssima raiva para devorar, como diz
S. Pedro (1Pd 5, 8-9), duplicará suas tentações, apertará o cerco, se
esforçará com os assaltos para fazer desesperar; farão chegar aos
últimos degraus o temor, o espanto, a consternação. O temor, quando é
moderado - diz S. Tomás - torna os homens solícitos para consultar e
agir; mas quando se torna excessivo, tolhe de fato
não só a ação, mas também o pensamento (S. Tomás, I - II, q. 44, a. 4
c.). Imaginai o que fará então aquele temor que é levado ao mais alto
grau, isto é, a agonia.
4. - Exemplos
Ouvi da própria boca do Pontífice S. Gregório Magno um fato horrível de
ser ouvido, acontecido na sua época, não só, mas em Roma, debaixo dos
seus olhos, no seu próprio mosteiro poucos anos antes que ele o narrasse
ao povo romano em uma homilia, e o tornasse conhecido a todo o mundo
cristão registrando-o nos seus Diálogos.
Assim diz o Santo: "Houve um certo Teodoro, jovem muito inquieto, que
mais por necessidade que por vontade veio seguindo um seu irmão ao meu
mosteiro. Ele afirmava com juramento, com raiva, com escárnio que por si
não chegaria jamais ao hábito da santa conversação. Agora no meio
daquela pestilência que logo consumiu uma grande parte da população
desta cidade, atingido pelo mal ele mesmo, chegou à morte. E estando
para dar o último suspiro, reuniram-se os irmãos para proteger com a
oração o seu pensamento. Nas extremidades do corpo já estava morto;
somente no peito ainda continuava o desejo de calor vital. Começaram,
portanto, os irmãos a reforçar as preces, quando já o viam partir a
qualquer momento. De
repente começou ele a gritar aos confrades assistentes e a interromper
com grandes gritos suas orações dizendo: ide embora, ide embora daqui.
Eis que eu fui dado para ser devorado por um dragão, que não acaba de
devorar-me. Já absorveu minha cabeça na sua boca. Que se faça logo, para
que eu não sofra mais aquilo que se é para fazer. Se fui entregue a
ele, que me devore; porque vós me fazeis sofrer demora tão amarga? Então
os irmãos começaram a dizer-lhe: Irmão, o que é isto?
Faça o sinal da S. Cruz. Mas ele respondia com gritos agudos: Sim eu
quero persignar-me, mas não posso. As escamas deste dragão me oprime,
não posso,não posso" .
Oh! Deus! Pecador, pecadora, que estais aqui para ouvir estas coisas e
outras acontecidas, cuidai, cuidai. Que não aconteçam para vós, que
tenhais que gritar por desespero: Não posso, não posso! E certamente vos
acontecerá não poder então, se agora, quando podeis, não quereis.
5. - Aquele que não quis fazer bem quando podia, não encontrará possibilidade de fazê-lo quando quiser
Mas concedamos por último que vós, tendo todos os sentidos livres,
possais também valer-vos dos auxílios que Deus possa dar-vos naqueles
extremos instantes para converter-vos. O mais terrível, será se vós não o
tiverdes; e se os tiverdes suficientes, não os tereis eficazes, porque
Deus não vo-los fará; e por isso não vos
convertereis.
Deus mesmo protesta não querer dá-los a vós. "Eu vos chamei - diz Ele -
tantas vezes nesta vida, e vós não me quisestes responder" (Jr 7, 13).
Eu vos procuro e vos persigo amorosamente com a minha graça; e vós fugis
sempre mais longe. Pois bem virá o tempo, virá a morte.
"Procurar-me-eis; naquele momento procurareis a mim; e não me
encontrareis" (Jo 7 34, 36), "morrereis no vosso pecado" (Id 8, 21).
Levantem-se para dar-vos auxílio e defender-vos aqueles amigos que para
agradá-los não duvidastes ofender-me. Levantem-se para proteger-vos
aquelas criaturas em que colocastes o vosso afeto, vossas esperanças,
vosso coração, tirando-o ingratamente de mim que o pedia: "Levantem-se
para vos socorrer" (Dt 32, 38). Eu fecharei meus ouvidos aos vossos
clamores; não mais me deixarei encontrar naquele dia; encherei o meu
templo de fumaça pela majestade e pelo poder da minha justiça, a fim de
que nenhum santo possa ir e interceder por vós até que não seja
consumada a minha vingança" (Ap 15, 8).
Mas então o senhor não é misericordioso?
Sim, irmãos, mas Ele é também justo. Como misericordioso vos procura,
vos espera, vos promete perdão agora; como justo fugirá de vós, vos
repelirá, vingar-se-á até a morte de um abuso tão longo que vós fizestes
das suas misericórdias.
Como misericordioso vos faz exortar agora: "porque não se alegra com a
perdição dos ímpios, nem quer a morte do pecador, mas que se converta e
viva" (Ez33, 11).
Como justo vos deixará abandonados ao vosso desespero, ou endurecidos na
vossa cegueira ir a té a perdição e morrer eternamente, porque se
compraz da sua justiça: "Porque o Senhor é justo e ama a justiça" (Sl
10, 18). Como antes pela sua misericórdia, alegrou-se o Senhor sobre vós
fazendo-vos o bem e multiplicando sobre vós suas graças; assim pela sua
justiça se alegrará em pender-vos, em destruir-vos para tirar-vos de
fato da posse daquela terra feliz de alegria e de repouso eterno, em
que, estando com os pés na soleira, vos confiareis em vão colocar os
pés.
Concluo com S. Agostinho: "Esta pena é justíssima com aquele que não
quis fazer o bem quando podia, não encontre mais possibilidade de
fazê-lo quando quiser".
6. - Apressar a conversão
Se vã é a ilusão de morrer bem para o pecador que não quer converter-se
logo enquanto está são e tem todos os meios oportunos, daí segue que vós
não deveis deixar escapar da mão a ocasião favorável destes dias de
graça e de reconciliação, para colocar vossa alma na amizade com Deus, e
assegurar a vossa
salvação. Portanto entendereis porque eu quis entristecer-vos com um
arrazoado sobre morte; porque eu olhei mais ao útil, antes à necessidade
de alguns, que ao agrado, embora santo, de muitos e à minha própria
inclinação. O que adianta, irmãos caríssimos, que vos digamos coisas
bonitas se muitos de vós permaneçam
em pecado mortal? E perseverem nas suas práticas? Nas suas dissoluções?
Nas suas iniqüidade? Vêm à igreja e à pregação pecadores, e depois
voltam a pecar.
Vêm às santas solenidades com pecado na alma e com ele continuam depois.
Oh! Deus! E depois querem fazer uma boa morte? Engano, presunção,
audácia detestável.
Ah! irmãos, acolhei esta luz que vos deram minhas palavras, e que eu por
vós implore do nosso Pai que está nos céus com toda a instância do meu
coração.
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