Não há remédio. Nós pobres filhos de Adão devemos sustentar uma guerra sem tréguas até a morte. A carne deseja o que não quer o espírito, e o espírito exige o que desagrada a carne. Mas, se é próprio dos brutos procurar satisfazer os próprio sentidos, e dos anjos aplicar-se a cumprir a vontade de Deus; com razão, conclui um douto autor, se nos esforçarmos para fazer a vontade do Senhor, nos faremos anjos, se, porém, buscarmos as satisfações dos sentidos nos converteremos em brutos.
Não há meio termo: ou a alma dominará o corpo, ou então o corpo calcará a alma debaixo dos pés. Devemos, portanto, tratar o nosso corpo, como um cavaleiro a um cavalo fogoso ao qual tem sempre as rédeas curtas, para que não o lance no precipício; ou antes como o médico procede com o enfermo, a quem receita remédios desagradáveis e recusa os alimentos e bebidas nocivas que apetece. Certamente seria crueldade da parte do médico deixar de prescrever aos doentes os medicamentos necessários só porque são amargos, e permitir-lhes coisas nocivas somente porque lhes agradam. Pois bem, tal é a extrema crueldade dos homens sensuais para consigo; por quanto, para não fazerem seu corpo sofrer um pouco na vida presente, põem corpo e alma em grande risco de irem padecer eternamente tormentos incomparavelmente maiores. Eis ai, observa S. Bernardo, uma falsa caridade que destrói a verdadeira, que devemos ter para nós mesmos. Tal compaixão para com o corpo é cheia de crueldade, porque o serve de um modo que mata a alma.
Depois, censurando os homens carnais que zombam dos servos de Deus que mortificam sua carne, o santo doutor diz: Nós nos contentamos de ser cruéis com o nosso corpo, afligindo-o com penitenciais; mas vós sois ainda mais cruéis com o vosso, concedendo-lhe o que apetece nesta vida, porque assim o condenareis, juntamente com a alma a sofrer muito mais no inferno eterno.
Um fervoroso solitário, de que fala o padre Rodrigues, praticava rudes macerações; e sendo interpelado porque tanto mortificava o próprio corpo, sabiamente respondeu: Eu atormento o inimigo que me persegue e quer condenar-me à morte.
O abade Moisés deu resposta semelhante a quem lhe aconselhava moderasse suas austeridades: Quando as paixões deixarem de me incomodar, eu também cessarei as minhas mortificações.
Se pois queremos agradar a Deus e nos salvar, é preciso mudar de gosto. É preciso que nos agradem as coisas rejeitadas pela carne, e nos desagradem as que ela exige. Tal foi precisamente um aviso que deu o Senhor um dia a S. Francisco de Assis: Se me desejas, toma as coisas amargas por doces e as doces por amargas. — Nem se objete, como fazem alguns, que a perfeição não consiste em macerações do corpo, mas em mortificar a vontade. — Eis o que lhes responde o padre Pinamonte: O fruto de uma vida não consiste tão somente na cerca de espinhos; todavia, é a cerca que guarda o fruto. Sem os espinhos não haverá frutos, segundo a palavra do
Espírito Santo: Onde não há cerca, o campo é assolado.
S. Luiz Gonzaga, sendo de saúde fraca, amava tão extraordinariamente as macerações do seu corpo, que só lhe procurava mortificações e penitências: e como alguém lhe observasse um dia que a santidade não consistia nesses rigores, mas na abnegação da própria vontade, respondeu sabiamente com estas palavras do Evangelho: É preciso fazer uma coisa e não omitir outra.
Com isto queria dar a entender o santo que, se é necessário mortificar a vontade própria, não o é menos mortificar o corpo, para refreá-lo e torná-lo submisso à razão. É por isso que o Apóstolo dizia: Eu castigo o meu corpo e o reduzo a servidão.
Quando o corpo não é mortificado, só com dificuldade se submete a lei. — Dai, a propósito daqueles que não estimam as penitências, e, fazendo-se mestres da vida espiritual dos outros, desprezam e desaconselham as mortificações exteriores, eis em que termos se exprimia S. João da Cruz: Se alguém ensinar uma doutrina que leve à relaxação da mortificação da carne, não a acrediteis, ainda que a confirme com milagres.
O mundo e o demônio são dois grandes inimigos da nossa salvação, mas pior do que eles é o nosso corpo,porque é inimigo que está dentro de casa. Pelo que dizia S. José Calazans: Não se deve fazer mais caso do corpo do que de um pano de cozinha. E de fato, é assim que os santos consigo praticaram. Assim como os homens do mundo não procuram outra coisa que satisfazer seu próprio corpo com prazeres sensuais, assim, ao contrário, as almas amantes de Deus só procuram mortificar a própria carne sempre que se lhes oferece ocasião.
S. Pedro de Alcântara dizia: Fica tranqüilo, corpo meu; nesta vida, não quero dar-te nenhum descanso, não terás de mim senão tormentos. Depois, quanto estivermos no paraíso, tu gozarás de um repouso sem fim. O mesmo praticou Sta. Maria Madalena de Pazzi. No último dia da sua vida, assegurou que não se lembrava de ter buscado nenhum prazer que não fosse somente em Deus. Abramos as vidas dos padres do deserto leiamos as penitências que praticavam, e nos envergonhemos da nossa delicadeza e excessiva reserva em afligir a nossa carne.
Santo Afonso de Ligório, retirado do livro A Verdadeira Esposa de Jesus Cristo.
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