Primeiramente, não se pode dizer bastante o quanto é grande a necessidade de um diretor experimentado nesses caminhos; os que têm apenas ciência podem ser prejudiciais em várias ocasiões, porquanto, além do conhecimento que a ciência dá da diferença entre o pensamento e o consentimento da vontade, é necessário penetrar bem o que se passa no interior da pessoa que pede conselho.
É preciso ter bastante luz para prevenir essas almas aflitas, para entender o que elas não podem explicar, para lhes dizer o que elas não dizem, para lhes discernir as operações interiores onde elas não vêem gota, para ter clarezas no meio das trevas, para tranquilizá-las onde elas não fazem senão temer, para as manter firmes onde elas só fazem duvidar e tremer. Enfim, é preciso um diretor cheio de uma caridade extraordinária para suportar brandamente os escrúpulos dessas pessoas, que às vezes são ridículas sem razão, sem fundamento, ou que são cheias de vergonha pelos pensamentos extravagantes que sugerem, ou repulsivas pela sua obstinação, que é o seu defeito comum.
Tudo isso reclama uma caridade extraordinária. “Há almas, diz Santa Teresa, que são bastante afligidas, para que as pessoas as aflijam ainda mais; do contrário, o coração se lhes fecha, elas são lançadas num abatimento extremo, são desanimadas, e às vezes esses repúdios e essas severidades as tentam de despero”. Santo Inácio, que foi rudemente provado pelos escrúpulos, um dia foi tentado de se precipitar do alto de uma casa a baixo, tamanha era a aflição que o premia. Quantas vezes ele foi tentado a abandonar as vias da perfeição! O demônio sugeria-lhe voltar a uma vida comum, que lhe fazia parecer não estar sujeita a todas essas provações. Viram-se espíritos mais fortes, grandes teólogos, que davam soluções de todas as coisas, cair em escrúpulos; conheci alguns que eram dotados de grande juízo, que não tinham falta de luzes nem de doutrina, mas eram trabalhados por escrúpulos de uma maneira que se custaria a crer, sendo os seus escrúpulos coisa de nada e puras bagatelas. Mas aquele que não é tentado, que é que sabe? Saibam os espíritos mais seguros que, se Deus os abandonasse o menos que fosse a essas tentações, muitas vezes eles seriam mais ridículos do que aqueles que eles custam a suportar. Entretanto, a caridade deve ser acompanhada de uma certa firmeza para os impedir de dar novas ocasiões aos seus escrúpulos, não se sofrendo que eles reiterem as suas confissões, e coisas semelhantes de que vamos falar.
Primeiramente, as confissões gerais absolutamente não lhes são próprias quando já as fizeram uma vez; eles pensam que a repetição delas os tirará das suas penas, e muito se enganam. S. Francisco Xavier dizia que essas confissões, em vez de um escrúpulo que eles tinham, faziam nascer dez. Por isto, não há bênção para elas, não sendo a verdadeira causa que impele a fazê-las senão o amor-próprio e a sua própria satisfação, embora não faltem belos pretextos de consciência. É, pois, desagradar a Deus o repetir as confissões gerais, e devem os diretores impedir disso os escrupulosos; as confissões, mesmo anuais, não lhes são úteis. Cumpre proibir-lhes ir duas vezes à confissão antes de comungar; pois eles são tentados várias vezes de voltar a ela, imaginando nunca se haverem desobrigado bem dela. Deve-se-lhes dizer que não voltem a ela, mesmo quando pensassem haver esquecido algum pecado; basta-lhes dizer esse pecado na primeira confissão que fizerem. Deve o diretor ficar firme em fazê-los comungar quando o julgar oportuno, fazendo-os passar por cima das dificuldades que a sua imaginação cria.
Em segundo lugar, para essas pessoas é uma grande regra o deixar de lado todos os pecados de que duvidam; porquanto, embora as que estão em grande liberdade possam acusar-se deles para se humilharem, estas entretanto não o devem, já que não têm obrigação disso, visto como o padre, que é como que o juiz estabelecido por Deus no tribunal da confissão, não pode pronunciar ou dar a absolvição sobre matéria duvidosa. Não se pode julgar daquilo que é incerto; assim, mil pecados e cem mil de que se duvida não são matéria de absolvição. Sendo esta regra bem seguida, as confissões dessas pessoas, que seriam de uma longura fastidiosa, serão feitas brevemente, pois elas só se acusam de um pecado de que estejam inteiramente seguras. Não é uma boa razão dizer que a pessoa se acusa deles para maior segurança; porquanto, não havendo Deus obrigado a isso, e, por outra parte, não sendo isso conveniente, tudo isso não passa de amor-próprio. É preciso ter o cuidado de impedir que essas pessoas se obstinem a dizer as suas tentações, quando vêem que são impedidas de acusar-se daquilo que é duvidoso, imaginando terem dado pleno consentimento ao pecado; é por isto que os diretores espirituais dizem que não se lhes deve dar crédito, e que não se lhes deve permitir confessar-se das suas tentações, a menos que elas estejam tão certas de haver consentido nelas que possam jurá-lo sobre os santos Evangelhos. Devem elas evitar os longos exames de consciência, em que se excedem sempre; o estado delas pede muito pouco exame, e elas não têm senão excesso de vistas das suas faltas. Lembrem-se elas de que a confissão não foi estabelecida para torturar as consciências, como dizem os hereges, e sim para aliviá-las; que Deus não pede de nós outra coisa senão nos confessarmos de boa fé daquilo de que nos lembramos, após um exame razoável, sem nada ocultarmos voluntariamente; que Deus perdoa tanto os pecados que se esquecem como os que se acusam; do contrário, aqueles que têm falta de memória seriam obrigados ao impossível. De resto, deve a gente descansar sobre o conselho de um diretor prudente; porque, quando mesmo ele se enganasse, a pessoa que obedece está em segurança de consciência: assim, por exemplo, tendo tomado conselho de um prudente confessor, se este julgar que elas foram bem feitas deve ele ater-se ao parecer que o mesmo lhe der.. E, quando o confessor se houvesse absolutamente enganado, e tivesse havido verdadeiras falhas nessas confissões, aquele que obedece não responderia por elas diante de Deus, e, assim, não lhe seria por isso menos agradável.
Em terceiro lugar, pois, e sobretudo, cumpre evitar o apego ao próprio juízo, renunciar aos próprios pensamentos, e não se guiar pelos seus sentimentos. Não devemos dar-nos remédios a nós mesmos, pois é coisa que nunca se deixa à disposição dos doentes; os próprios médicos, quando estão indispostos, consultam outros; os mais hábeis advogados pedem conselho nas suas próprias causas. A submissão de espírito é absolutamente necessária, e mais se ganha por uma simples submissão do que por mil instruções que se pudessem tomar, do que por todas as austeridades e outras devoções que se pudessem praticar. Santo Inácio, como dissemos, estando reduzido a angústias extremas, por causa dos escrúpulos, jejuou durante oito dias inteiros, sem tomar coisa alguma, para dobrar a misericórdia divina, e obter a sua libertação dessas angústias, mas tudo inutilmente; uma simples submissão ao seu confessor livrou-o das suas penas. Deus pede a sujeição do entendimento; por mais que se faça, sem isso trabalha-se em vão. Quanto aos pensamentos que vêm da suposição de não nos explicarmos bem, de não nos entender o confessor, de não conhecer o nosso estado, devem ser desprezados como invenções subtis do amor-próprio. Cumpre dizer sinceramente o que se passa no próprio interior, e pela maneira como se pode dizê-lo; não se está obrigado a mais. Compete ao confessor examinar se entende bem as coisas, e a nós obedecer com fidelidade.
Enfim, cumpre ir generosamente contra os escrúpulos. Se estes querem que se repita o ofício, ou as orações impostas como penitência, que se ouça de novo a missa nos dias de preceito depois de a ela haver-se assistido, imaginando que não se satisfez o preceito, nada disso se deve fazer. Se eles sugerem pensamentos de que se cometem sacrifícios no uso dos sacramentos da Penitência e da Eucaristia, de que se cometem pecados mortais em fazendo certas coisas, deve-se passar adiante, praticando com coragem todas essas coisas, por mais repugnâncias, dificuldades, temores que com isso se possam experimentar. Se alguém objetar que é um crime fazer uma ação, embora boa, com uma consciência errônea, acreditando que há nisso pecado, respondo que isto é verdade quando a consciência que dita haver pecado na ação não tem fundamento para crer o contrário; mas aqui não sucederá o mesmo, visto o prudente diretor assegurar que não há pecado onde a pessoa afligida acredita havê-lo.
É por isto que, não somente ela não faz mal em ir contra o seu próprio juízo, mas ainda é um grande ponto de perfeição que ela pratica. Estando um padre fortemente tentado de desespero em razão de pensar que cometia tantos sacrilégios quantas vezes celebrava o santo sacrifício da missa, e persuadindo-se, ademais, de que pecava em quase todas as suas ações, a Divina Providência endereçou a ele um santo personagem, e de grande experiência, que lhe disse: “Vá, senhor, passe por cima de todos esses sacrilégios que imagina cometer, faça todas essas ações que os seus escrúpulos lhe ditam serem grandes pecados, e que, segundo a luz verdadeira das pessoas sensatas, não o são”. Ele obedeceu com simplicidade apesar de todos os seus sentimentos, e por essa obediência foi inteiramente libertado das suas penas. Conheci uma pessoa que tinha feito várias confissões gerais para remediar algumas que eram inválidas, mas sem jamais achar o repouso de consciência que buscava pela repetição dessas confissões, das quais, em verdade, só a primeira era necessária. Depois de tudo isso, queria ela novamente preparar-se para uma confissão geral com atenções extraordinárias; o que fez durante longuíssimo tempo, havendo escrito bem amplamente a confissão com cuidado maravilhoso. Em seguida confessou-se à vontade numa capela particular, para fazê-lo com mais atenção; e, tendo-a feito após todas essas diligências e cuidados, achou-se mais do que nunca na perturbação; da qual não pôde sair senão por uma submissão da sua mente ao juízo dos confessores, que lhe aconselharam não mais fazer dessas confissões gerais. Embora, segundo o seu pensamento, a última confissão ainda tivesse sido inválida, por essa submissão ela entrou numa paz admirável; mas não foi sem combate que se conseguiu que ela não mais repetisse as suas confissões por acreditar, segundo o seu juízo, não as haver bem feito. Deus lhe deu a paz em recompensa da sua obediência.
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