quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017

X - CONDUTA DO CONFESSOR DOS ESCRUPULOSOS CONSOANTE O ABADE BOUDON



Primeiramente, não se pode dizer bas­tante o quanto é grande a necessidade de um diretor experimentado nesses ca­minhos; os que têm apenas ciência po­dem ser prejudiciais em várias ocasiões, porquanto, além do conhecimento que a ciência dá da diferença entre o pensa­mento e o consentimento da vontade, é necessário penetrar bem o que se passa no interior da pessoa que pede conselho.
É preciso ter bastante luz para preve­nir essas almas aflitas, para entender o que elas não podem explicar, para lhes dizer o que elas não dizem, para lhes dis­cernir as operações interiores onde elas não vêem gota, para ter clarezas no meio das trevas, para tranquilizá-las onde elas não fazem senão temer, para as manter firmes onde elas só fazem duvidar e tre­mer. Enfim, é preciso um diretor cheio de uma caridade extraordinária para supor­tar brandamente os escrúpulos dessas pes­soas, que às vezes são ridículas sem razão, sem fundamento, ou que são cheias de vergonha pelos pensamentos extravagan­tes que sugerem, ou repulsivas pela sua obstinação, que é o seu defeito comum. 


Tudo isso reclama uma caridade extraor­dinária. “Há almas, diz Santa Teresa, que são bastante afligidas, para que as pessoas as aflijam ainda mais; do contrário, o coração se lhes fecha, elas são lançadas num abatimento extremo, são desanima­das, e às vezes esses repúdios e essas severidades as tentam de despero”. Santo Inácio, que foi rudemente provado pelos escrúpulos, um dia foi tentado de se preci­pitar do alto de uma casa a baixo, tama­nha era a aflição que o premia. Quantas vezes ele foi tentado a abandonar as vias da perfeição! O demônio sugeria-lhe vol­tar a uma vida comum, que lhe fazia pa­recer não estar sujeita a todas essas pro­vações. Viram-se espíritos mais fortes, grandes teólogos, que davam soluções de todas as coisas, cair em escrúpulos; conhe­ci alguns que eram dotados de grande juí­zo, que não tinham falta de luzes nem de doutrina, mas eram trabalhados por escrúpulos de uma maneira que se custa­ria a crer, sendo os seus escrúpulos coisa de nada e puras bagatelas. Mas aquele que não é tentado, que é que sabe? Sai­bam os espíritos mais seguros que, se Deus os abandonasse o menos que fosse a es­sas tentações, muitas vezes eles seriam mais ridículos do que aqueles que eles cus­tam a suportar. Entretanto, a caridade de­ve ser acompanhada de uma certa firmeza para os impedir de dar novas oca­siões aos seus escrúpulos, não se sofrendo que eles reiterem as suas confissões, e coisas semelhantes de que vamos falar.

Primeiramente, as confissões gerais ab­solutamente não lhes são próprias quan­do já as fizeram uma vez; eles pensam que a repetição delas os tirará das suas penas, e muito se enganam. S. Francisco Xavier dizia que essas confissões, em vez de um escrúpulo que eles tinham, faziam nascer dez. Por isto, não há bênção para elas, não sendo a verdadeira causa que impele a fazê-las senão o amor-próprio e a sua própria satisfação, embora não faltem belos pretextos de consciência. É, pois, desagradar a Deus o repetir as con­fissões gerais, e devem os diretores impe­dir disso os escrupulosos; as confissões, mesmo anuais, não lhes são úteis. Cumpre proibir-lhes ir duas vezes à confissão antes de comungar; pois eles são tenta­dos várias vezes de voltar a ela, imaginan­do nunca se haverem desobrigado bem dela. Deve-se-lhes dizer que não voltem a ela, mesmo quando pensassem haver esquecido algum pecado; basta-lhes dizer esse pecado na primeira confissão que fi­zerem. Deve o diretor ficar firme em fa­zê-los comungar quando o julgar oportu­no, fazendo-os passar por cima das difi­culdades que a sua imaginação cria.

Em segundo lugar, para essas pessoas é uma grande regra o deixar de lado todos os pecados de que duvidam; porquanto, embora as que estão em grande liberdade possam acusar-se deles para se humilha­rem, estas entretanto não o devem, já que não têm obrigação disso, visto como o padre, que é como que o juiz estabele­cido por Deus no tribunal da confissão, não pode pronunciar ou dar a absolvição sobre matéria duvidosa. Não se pode jul­gar daquilo que é incerto; assim, mil pe­cados e cem mil de que se duvida não são matéria de absolvição. Sendo esta re­gra bem seguida, as confissões dessas pessoas, que seriam de uma longura fasti­diosa, serão feitas brevemente, pois elas só se acusam de um pecado de que este­jam inteiramente seguras. Não é uma boa razão dizer que a pessoa se acusa deles para maior segurança; porquanto, não ha­vendo Deus obrigado a isso, e, por outra parte, não sendo isso conveniente, tudo isso não passa de amor-próprio. É pre­ciso ter o cuidado de impedir que essas pessoas se obstinem a dizer as suas ten­tações, quando vêem que são impedidas de acusar-se daquilo que é duvidoso, ima­ginando terem dado pleno consentimento ao pecado; é por isto que os diretores espirituais dizem que não se lhes deve dar crédito, e que não se lhes deve permitir confessar-se das suas tentações, a menos que elas estejam tão certas de haver con­sentido nelas que possam jurá-lo sobre os santos Evangelhos. Devem elas evitar os longos exames de consciência, em que se excedem sempre; o estado delas pede mui­to pouco exame, e elas não têm senão excesso de vistas das suas faltas. Lem­brem-se elas de que a confissão não foi estabelecida para torturar as consciências, como dizem os hereges, e sim para aliviá-las; que Deus não pede de nós outra coisa senão nos confessarmos de boa fé daquilo de que nos lembramos, após um exame razoável, sem nada ocultarmos voluntaria­mente; que Deus perdoa tanto os pecados que se esquecem como os que se acusam; do contrário, aqueles que têm falta de memória seriam obrigados ao impossível. De resto, deve a gente descansar sobre o conselho de um diretor prudente; porque, quando mesmo ele se enganasse, a pessoa que obedece está em segurança de cons­ciência: assim, por exemplo, tendo toma­do conselho de um prudente confessor, se este julgar que elas foram bem feitas de­ve ele ater-se ao parecer que o mesmo lhe der.. E, quando o confessor se hou­vesse absolutamente enganado, e tivesse havido verdadeiras falhas nessas confis­sões, aquele que obedece não responderia por elas diante de Deus, e, assim, não lhe seria por isso menos agradável.

Em terceiro lugar, pois, e sobretudo, cumpre evitar o apego ao próprio juízo, renunciar aos próprios pensamentos, e não se guiar pelos seus sentimentos. Não de­vemos dar-nos remédios a nós mesmos, pois é coisa que nunca se deixa à dispo­sição dos doentes; os próprios médicos, quando estão indispostos, consultam ou­tros; os mais hábeis advogados pedem conselho nas suas próprias causas. A sub­missão de espírito é absolutamente ne­cessária, e mais se ganha por uma sim­ples submissão do que por mil instruções que se pudessem tomar, do que por to­das as austeridades e outras devoções que se pudessem praticar. Santo Inácio, como dissemos, estando reduzido a angústias ex­tremas, por causa dos escrúpulos, jejuou durante oito dias inteiros, sem tomar coisa alguma, para dobrar a misericórdia divina, e obter a sua libertação dessas angústias, mas tudo inutilmente; uma simples submissão ao seu confessor livrou-o das suas penas. Deus pede a sujeição do entendi­mento; por mais que se faça, sem isso tra­balha-se em vão. Quanto aos pensamentos que vêm da suposição de não nos explicar­mos bem, de não nos entender o confessor, de não conhecer o nosso estado, devem ser desprezados como invenções subtis do amor-próprio. Cumpre dizer sinceramente o que se passa no próprio interior, e pela maneira como se pode dizê-lo; não se está obrigado a mais. Compete ao confessor examinar se entende bem as coisas, e a nós obedecer com fidelidade.

Enfim, cumpre ir generosamente contra os escrúpulos. Se estes querem que se re­pita o ofício, ou as orações impostas como penitência, que se ouça de novo a missa nos dias de preceito depois de a ela ha­ver-se assistido, imaginando que não se satisfez o preceito, nada disso se deve fazer. Se eles sugerem pensamentos de que se cometem sacrifícios no uso dos sacramentos da Penitência e da Eucaristia, de que se cometem pecados mortais em fazendo certas coisas, deve-se passar adiante, praticando com coragem todas essas coisas, por mais repugnâncias, difi­culdades, temores que com isso se possam experimentar. Se alguém objetar que é um crime fazer uma ação, embora boa, com uma consciência errônea, acreditando que há nisso pecado, respondo que isto é verdade quando a consciência que dita haver pecado na ação não tem funda­mento para crer o contrário; mas aqui não sucederá o mesmo, visto o prudente diretor assegurar que não há pecado on­de a pessoa afligida acredita havê-lo.

É por isto que, não somente ela não faz mal em ir contra o seu próprio juízo, mas ainda é um grande ponto de perfeição que ela pratica. Estando um padre forte­mente tentado de desespero em razão de pensar que cometia tantos sacrilégios quan­tas vezes celebrava o santo sacrifício da missa, e persuadindo-se, ademais, de que pecava em quase todas as suas ações, a Divina Providência endereçou a ele um santo personagem, e de grande experiên­cia, que lhe disse: “Vá, senhor, passe por cima de todos esses sacrilégios que imagina cometer, faça todas essas ações que os seus escrúpulos lhe ditam serem grandes pe­cados, e que, segundo a luz verdadeira das pessoas sensatas, não o são”. Ele obe­deceu com simplicidade apesar de todos os seus sentimentos, e por essa obediência foi inteiramente libertado das suas penas. Conheci uma pessoa que tinha feito vá­rias confissões gerais para remediar algu­mas que eram inválidas, mas sem jamais achar o repouso de consciência que busca­va pela repetição dessas confissões, das quais, em verdade, só a primeira era ne­cessária. Depois de tudo isso, queria ela novamente preparar-se para uma confis­são geral com atenções extraordinárias; o que fez durante longuíssimo tempo, haven­do escrito bem amplamente a confissão com cuidado maravilhoso. Em seguida confessou-se à vontade numa capela par­ticular, para fazê-lo com mais atenção; e, tendo-a feito após todas essas diligências e cuidados, achou-se mais do que nunca na perturbação; da qual não pôde sair senão por uma submissão da sua mente ao juízo dos confessores, que lhe aconse­lharam não mais fazer dessas confissões gerais. Embora, segundo o seu pensamen­to, a última confissão ainda tivesse sido inválida, por essa submissão ela entrou numa paz admirável; mas não foi sem combate que se conseguiu que ela não mais repetisse as suas confissões por acre­ditar, segundo o seu juízo, não as haver bem feito. Deus lhe deu a paz em recom­pensa da sua obediência.

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