domingo, 5 de fevereiro de 2017

IV- DOS MAUS EFEITOS DOS ESCRÚPULOS


CAPITULO IV
DOS MAUS EFEITOS DOS ESCRÚPULOS

Não se podem deplorar bastante os da­nos que os escrúpulos causam àqueles que os escutam e que lhes dão consentimento; muitíssimas vezes, arruínam a saúde do corpo, alterando o cérebro, bestificando o espírito, e, ademais, desolam a consciên­cia. É uma espécie de martírio inferior, diz Fénelon; vai até a uma espécie de dislate e de desespero, embora o fundo esteja cheio de razão e de verdade. Quantos infelizes começaram pelo escrú­pulo e acabaram pela impiedade e pela libertinagem!
Em primeiro lugar um escrupuloso tor­na-se incapaz de devoção, porque o Espí­rito Santo só ateia nas almas esse fogo celeste no exercício da oração e na medi­tação das coisas santas, in meditatione mea exardescet ignis. E é disto que o es­crupuloso não é capaz, porque, tendo a mente perturbada pelos escrúpulos, exa­minando incessantemente e rolando na ca­beça se pecou ou se não pecou, é incapaz de meditação e, por conseguinte, de de­voção. Um escrupuloso não pode desobrigar-se como convém dos exercícios de piedade, nem progredir nas virtudes, não somente porque para isto é preciso uma grande aplicação de mente, de que o escrupuloso não é capaz, como também porque, sen­do essas práticas acompanhadas de amar­guras, não se poderia continuá-las por muito tempo se elas não fossem abran­dadas pelas consolações do Espírito San­to; e é esta, ainda, uma coisa de que o escrupuloso não é capaz, porquanto, es­tando continuamente imerso na angústia e na desolação, não pode ao mesmo tem­po degustar alguma consolação; e é isso talvez o que o profeta queria exprimir dizendo que a turbação do espírito en­fraquecia a virtude da sua alma: conturbatum est cor meum; dereliquit me vir­tus mea (Sl 37). Meu coração está cheio de perturbação, toda a minha força aban­donou-me, e até mesmo a luz dos meus olhos não a tenho mais.

Porém um efeito bem funesto, ainda, é que o escrupuloso está sujeito a procurar na carne e nos sentidos os prazeres e as consolações de que precisa, seja para ali­viar as penas que o acabrunham, seja porque não se pode viver muito tempo sem experimentar algum prazer no espírito ou no corpo; estando privado dos do espírito, ele é tentado a procurar os do corpo.

Finalmente, por um desregramento e uma desordem surpreendente, o escrupu­loso faz às vezes escrúpulo daquilo que não é pecado, mas não faz escrúpulo da­quilo que é pecado, ou então o faz daquilo que ele acredita ser pecado mortal, e não o faz daquilo que acredita ser pecado venial; cai na “cegueira e nesse estado que Jesus Cristo exprobrava aos Fariseus: “Tem medo de engolir um mosquito, e en­gole um camelo” (Mt 23, 24); perde o tem­po em combater inimigos imaginários, e lança-se nas mãos daqueles que são ini­migos reais e temíveis.

Eis aí algumas das mil devastações que os escrúpulos causam nas consciências. É por isto que os doutores e os pais da vida espiritual asseveram que um escru­puloso não somente não peca repelindo os seus escrúpulos, porém peca consen­tindo neles; porque este consentimento o lança em mil desordens e lhe fecha a porta da perfeição, e às vezes até mesmo a do céu.

Nenhum comentário:

Postar um comentário