CAPITULO IV
DOS MAUS EFEITOS DOS ESCRÚPULOS
Não se podem deplorar bastante os danos que os escrúpulos causam àqueles que os escutam e que lhes dão consentimento; muitíssimas vezes, arruínam a saúde do corpo, alterando o cérebro, bestificando o espírito, e, ademais, desolam a consciência. É uma espécie de martírio inferior, diz Fénelon; vai até a uma espécie de dislate e de desespero, embora o fundo esteja cheio de razão e de verdade. Quantos infelizes começaram pelo escrúpulo e acabaram pela impiedade e pela libertinagem!
Em primeiro lugar um escrupuloso torna-se incapaz de devoção, porque o Espírito Santo só ateia nas almas esse fogo celeste no exercício da oração e na meditação das coisas santas, in meditatione mea exardescet ignis. E é disto que o escrupuloso não é capaz, porque, tendo a mente perturbada pelos escrúpulos, examinando incessantemente e rolando na cabeça se pecou ou se não pecou, é incapaz de meditação e, por conseguinte, de devoção. Um escrupuloso não pode desobrigar-se como convém dos exercícios de piedade, nem progredir nas virtudes, não somente porque para isto é preciso uma grande aplicação de mente, de que o escrupuloso não é capaz, como também porque, sendo essas práticas acompanhadas de amarguras, não se poderia continuá-las por muito tempo se elas não fossem abrandadas pelas consolações do Espírito Santo; e é esta, ainda, uma coisa de que o escrupuloso não é capaz, porquanto, estando continuamente imerso na angústia e na desolação, não pode ao mesmo tempo degustar alguma consolação; e é isso talvez o que o profeta queria exprimir dizendo que a turbação do espírito enfraquecia a virtude da sua alma: conturbatum est cor meum; dereliquit me virtus mea (Sl 37). Meu coração está cheio de perturbação, toda a minha força abandonou-me, e até mesmo a luz dos meus olhos não a tenho mais.
Porém um efeito bem funesto, ainda, é que o escrupuloso está sujeito a procurar na carne e nos sentidos os prazeres e as consolações de que precisa, seja para aliviar as penas que o acabrunham, seja porque não se pode viver muito tempo sem experimentar algum prazer no espírito ou no corpo; estando privado dos do espírito, ele é tentado a procurar os do corpo.
Finalmente, por um desregramento e uma desordem surpreendente, o escrupuloso faz às vezes escrúpulo daquilo que não é pecado, mas não faz escrúpulo daquilo que é pecado, ou então o faz daquilo que ele acredita ser pecado mortal, e não o faz daquilo que acredita ser pecado venial; cai na “cegueira e nesse estado que Jesus Cristo exprobrava aos Fariseus: “Tem medo de engolir um mosquito, e engole um camelo” (Mt 23, 24); perde o tempo em combater inimigos imaginários, e lança-se nas mãos daqueles que são inimigos reais e temíveis.
Eis aí algumas das mil devastações que os escrúpulos causam nas consciências. É por isto que os doutores e os pais da vida espiritual asseveram que um escrupuloso não somente não peca repelindo os seus escrúpulos, porém peca consentindo neles; porque este consentimento o lança em mil desordens e lhe fecha a porta da perfeição, e às vezes até mesmo a do céu.
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