quinta-feira, 24 de novembro de 2016

A MISSA DOS DEFUNTOS


As cerimônias

O simbolismo tocante e belo das cerimônias da Missa dos defuntos não pode ser ignorado de quantos querem assistir com proveito ao melhor e o maior dos sufrágios que se pode oferecer pelos mortos — o San­to Sacrifício dos nossos Altares.

Esta Missa é celebrada com o paramento de cor preta, simbolizando o luto. Não tem o Glória. É se­melhante às Missas do tempo da Paixão. Mostra a dignidade do cristão assemelhado a Jesus Cristo na Paixão. Não tem o Salmo Judica me, porque nele se diz: quare tristis est anima mea et quare conturbas me? Por que perguntar à alma porque esta triste quando já foi julgada?

O sinal da cruz que o sacerdote faz sobre si nas outras Missas, aqui é feito sobre o Missal, para di­zer que tudo é agora para os mortos, os frutos e mé­ritos da cruz. Nem o padre nem o diácono beijam o Missal, simbolizando que as almas não receberam o ósculo da paz de Deus no céu.

Escreveu o piedoso Mons. Olier: “Não se beija o Missal no fim do Evangelho primeiro, porque as al­mas do purgatório morreram em sinal da fé — insigno fidei — não têm necessidade de uma profissão de fé no Evangelho Pelo mesmo motivo a Missa dos defuntos não tem Credo, que é a manifestação públi­ca da nossa fé. No ofertório não há bênção da água que é posta no cálice com o vinho, porque a água sim­boliza os fiéis, e a Igreja não tem jurisdição sobre os fiéis defuntos na outra vida, pois estão em Graça com Deus. No Agnus Dei não há paz, a cerimônia do Pax tecum. As almas já estão na paz de Deus e livres dos perigos do pecado que tira a verdadeira paz. Elas sofrem muito, mas em doce paz. No Agnus Dei não se diz Miserere nobis, mas “dai lhes o descanso”. Im­ploramos o eterno descanso para as pobres almas so­fredoras e em tormentos do purgatório. Elas não pre­cisam de paz, mas de um descanso eterno no seio do Deus. Não há bênção no fim da Missa porque as al­mas não ouviram ainda de Nosso Senhor: “Vinde, benditas de meu Pai, receber a recompensa...”.
Ao invés do Ite, Missa est — “acabou-se a Mis­sa”, a ordem de dispersar os fiéis e anunciar o fim da Missa, diz o sacerdote: Requiescant in pace — “Descansem em paz”. É um convite ao povo, também, para que reze pelos fiéis defuntos e para dizer que todo aquele Augusto Sacrifício foi oferecido para descan­so dos pobres irmãos do purgatório. Eis as cerimô­nias especiais e variantes das Missas dos defuntos. O Introito é uma súplica pelo descanso das almas. “Dai-lhes, Senhor, o descanso eterno e que lhes res­plandeça a luz perpétua”. No gradual, a mesma sú­plica. No Trato: “Livrai, Senhor, as almas dos fiéis defuntos das cadeias dos seus pecados. E que o so­corro da vossa graça consiga evitar o Juízo da Vin­gança e gozem a bem-aventurança da luz eterna”. Na Communio é ainda o pedido do eterno descanso: “Que a luz eterna lhes resplandeça com os vossos Santos por todos os séculos, ó Senhor, pois sois tão bom!”.

E pede de novo: “dai-lhes o descanso e a luz perpétua, pois sois tão bom, Senhor”.

Que belas súplicas pelas pobres almas!

O Dies Irae


Dies Irae é uma Sequencia da Missa dos de­funtos, atribuída ao franciscano Celano, que a teria escrito no ano de 1260. É uma descrição impressio­nante do Juízo final. Uma meditação das mais vivas daquele dia tremendo em que todo o Universo há de prestar conta ao Juiz dos vivos e dos mortos. Reza-se o Dies Irae nas Missas de Requiem. Comentá-lo seria prolixo e exigiria um volume. Vamos meditá-la tra­duzida, embora não sem a beleza e a expressão do latim e da forma poética. Servirá muito para nossa meditação. Ei-la:

“Dia de ira aquele em que o Universo terá re­duzido a cinzas, segundo as predições de Davi a Sybila. — Qual não será o terror dos homens quando o Soberano Juiz vier perscrutar todas as suas ações com rigor! — O som estridente da trombeta acorda­rá os mortos nas profundezas das sepulturas, reu­nindo-os todos diante do trono do Senhor. A morte e a natureza ficarão estupefatas quando a criatura comparecer para ser julgada pelo Juiz. — Um Livro aparecerá onde está escrito tudo sobre o que há de versar o julgamento. — Quando o Juiz se assentar no Tribunal, tudo o que estiver oculto ficara desco­berto e nenhum crime ficará impune. Infeliz de mim! Que poderei dizer então? Que protetor procurarei quando somente o Juiz estará tranquilo?! — Ó Rei, cuja Majestade é tremenda, mas que salvais gratui­tamente os escolhidos, salvai-me, ó Fonte de piedade! — Recordai-vos, ó piíssimo Jesus, de que viestes ao mundo por minha causa; não me condeneis nesse dia. — Ó Vós, que vos fatigastes em minha procura e que para me resgatardes morrestes numa cruz, não queirais que fiquem infrutíferos tantos esforços! Ó Justo Juiz, que castigais com justiça, concedei-me o perdão das minhas faltas antes do dia do julgamen­to. — Eu choro como réu, as minhas culpas envergonham-me. Ó Deus, que as minhas súplicas me al­cancem o perdão! Ó Vós, que absolvestes a Maria e ouvistes o ladrão, concedei-me também a esperança! Bem sei que as minhas preces não são dignas, mas vós, que sois bom, não consintais que eu arda no fogo eterno. Colocai-me entre os cordeiros, à vossa direi­ta, e separai-me dos pecadores. Livrai-me da con­fusão e do suplício dos malditos condenados, e introduzi-me junto dos benditos de Vosso Pai. Suplicante, prostrado ante vós e com o coração esmagado, como reduzido a cinzas, eu Vos imploro, ó Senhor, que te­nhais piedade de mim no momento da morte. Dia de lágrimas aquele em que o homem pecador renasça das suas cinzas para ser julgado! Tende pois piedade dele, ó meu Deus! Ó piíssimo Jesus ! Ó Senhor, concedei-lhe o repouso eterno!”.

Não é verdadeiramente impressionante, nela, es­ta Sequência da Missa dos defuntos?

Dies Irae é um grito de temor e de esperança. Fala-nos do tremendo Juízo e aponta-nos a doce esperança na Misericórdia do Salvador. Termina: Pie Jesu dona eis requiem. — Piedosíssimo Jesus, dai-lhes o descanso eterno!

Lembra o Juízo para nosso temor e para que an­demos vigilantes e preparados, e recorda-nos a Divi­na Misericórdia, para que nunca desesperemos. Im­plora misericórdia e descanso para os que já passa­ram pelo tremendo julgamento e sofrem no purga­tório.



Prefacio da Missa dos defuntos


Outra jóia da Liturgia é o prefácio dos defun­tos. Uma lição, uma lembrança de nossa imortali­dade e ressurreição futura. Não é muito antigo. Va­mos meditá-lo:

“Verdadeiramente é digno e justo, racional e sa­lutar que sempre e em todos os lugares vos demos graças, Senhor, Santo Pai Onipotente, Eterno Deus, por meio de Nosso Senhor Jesus Cristo, em quem nos concedestes a esperança da feliz ressurreição; de sorte que, conquanto a condição certa da nossa morte nos entristeça, fiquemos consolados com a esperança da imortalidade futura. Pois para vossos fiéis, Se­nhor, a vida muda-se, não se acaba, e desfeita esta morada terrena, adquire-se a habitação eterna nos céus. E por isso, com os Anjos e Arcanjos, com os Tronos e as Dominações, e com a Milícia celeste, can­tamos o hino da vossa glória, dizendo sem cessar: Santo, Santo, Santo é o Senhor Deus dos Exércitos. O céu e a terra estão cheios da vossa glória. Hosana no alto dos céus”.

Eis o belo Prefácio dos defuntos. Fala-nos da esperança da ressurreição futura. Estamos tristes neste mundo porque nossa condição de pobres mor­tais, sujeitos a deixar esta vida pela morte. Todavia, temos a promessa da imortalidade. Não morreremos de todo. A morte para o cristão é vida. Nas cata­cumbas escreviam nas lages sepulcrais às vezes uma palavra só: — Vixit! Viveu! É a idéia do Prefácio. A vida do cristão é a mesma. Aqui a vida na graça, e depois a vida na glória. Muda-se apenas a condição da mesma vida. Vita mutatur, non tollitur, diz o Pre­facio — a vida se muda, mas não se acaba.

Que lição confortadora!

Diz o Apóstolo que não temos neste mundo mo­rada permanente. Non habemus hic manentem civi­tatem. — Não pertencemos a este mundo. A Igreja nos chama viatores, caminhantes. Vamos para a casa de nossa eternidade. É o que nos recorda o Prefácio dos defuntos. Desfaz-se nossa morada terrena, pobre e miserável, e adquirimos uma eterna morada no céu!

A Liturgia dos mortos é pois uma continua lem­brança aos vivos da morte e do Juízo, um despertar da nossa fé na imortalidade da alma e na vida fu­tura, um brado para que estejamos vigilantes, por­que na hora que menos pensarmos, virá o Filho do Homem. É, principalmente, um incentivo para que não nos esqueçamos de nossos mortos queridos.

Procuremos assistir a Santa Missa dos defuntos com muita devoção e acompanhá-la no Missal ou no folheto litúrgico. Ela é verdadeiramente impressio­nante e nos leva a uma meditação muito séria da morte e do Juízo.

Ainda há pouco o Santo Padre Pio XII, na opor­tuna Encíclica Mediator Dei, condenava o erro dos que desejariam suprimir as Missas dos defuntos de nossa Liturgia e condenam o paramento de cor preta, sob pretextos sutis de que prejudicam o chamado Movimento restaurador da Liturgia. A Igreja, que vela pelo esplendor das solenidades litúrgicas, nem sempre permite a Missa dos defuntos em grandes festas, mas como é generosa e permite com frequên­cia estas Missas para ensinamento dos fiéis e alivio das pobres almas!


Exemplo

Santa Isabel, Rainha de Portugal, e sua filha Constância


A grande Santa da caridade tinha uma fulha que muito amava, chamada Constância. Esta princesa havia se casado há pouco tempo com o rei de Castela, quando uma morte repentina veio arrebatá-la à afei­ção dos seus. A rainha, ao ter a infausta notícia, juntamente com o rei se pôs a caminho de Santarém, quando um eremita se aproxima do cortejo real e quer falar à rainha. Os fidalgos disseram logo: é um importuno, um doido. Não lhe demos importância! Santa Isabel percebeu tudo e mandou chamar o pobre monge, perguntando-lhe o que desejava.

— Senhora, a vossa filha Constância me apare­ceu diversas vezes e foi condenada a um longo e rigo­roso purgatório, mas será libertada no prazo de um ano se celebrarem durante um ano todo, todos os dias, uma Santa Missa por ela.

Os do cortejo real puseram-se a rir do monge: é um doido, diziam. É um intrigante e quer arranjar alguma coisa, repetiam outros. A rainha, entretan­to, levou o caso muito a sério. Pediu ao esposo que mandasse celebrar as Santas Missas. Dizia: Afinal, o que se poderia sair perdendo com isto? Não é bom mandar celebrar Missas pelos nossos mortos? Quanto não há de lucrar com isto a nossa filha, ainda que não fosse real a aparição do pobre monge!

No dia seguinte encarregou a um sacerdote de celebrar durante o ano todo por alma da filha. Exa­tamente quando completou um ano, Constância apareceu à sua santa mãe vestida de branco, toda lumi­nosa e de uma beleza incomparável.

— Hoje, minha querida mãe, graças às vossas orações e às Santas Missas que mandastes celebrar, estou livre dos meus tormentos e subo para o céu.

A Santa, toda radiante de felicidade, foi pro­curar o Pe. Mendez, sacerdote encarregado da cele­bração das Santas Missas, e este já vinha ao encon­tro da rainha para lhe dizer que, na véspera, havia celebrado a última das 365 Missas encomendadas por alma de Constância.

Nenhum comentário:

Postar um comentário