Sic et Pater meus coelestis faciet vobis, si non remiseritis unusquisque fratri suo de cordibus vestris — “Assim vos tratará meu Pai celestial, se do íntimo dos vossos corações não perdoardes cada um a seu irmão” (Matth. 18, 35).
Sumário.
O servo descaridoso, a quem o dono perdoou muito e não quis apiedar-se
do companheiro que lhe devia pouco, é uma imagem viva daqueles cristãos
que não querem perdoar a seu inimigo. Meus irmão, não te creio culpado
de tamanho delito; mas considera bem, não sejas do número dos que julgam
com severidade os defeitos dos outros e exigem tolerância para os
defeitos próprios e talvez maiores. Sendo assim, não tardes em
emendar-te; senão, serás julgado com o mesmo rigor e condenado pelo Pai
celestial.
I. No
evangelho de hoje, Jesus Cristo compara o reino dos céus a um rei que
quis tomar contas aos seus servos. E, “tendo começado a tomar as contas,
foi-lhe apresentado um que lhe devia dez mil talentos. Como não tivesse
com que pagar, mandou o seu senhor que o vendessem a ele e a sua mulher
e a seus filhos, e tudo quanto possuía, para com isto ser pago. O
servo, porém, lançando-se-lhe aos pés, o implorava dizendo: Tem
paciência comigo, que eu te pagarei tudo. Compadecido então desse servo,
o senhor deixou-o em liberdade, e lhe perdoou sua dívida. — Mas tendo
saído este servo, encontrou-se com um de seus companheiros que lhe devia
cem dinheiros; e, pondo-lhe as mãos, sufocava-o dizendo: Paga-me o que
deves. E o companheiro, prostrando-se-lhe aos pés, lhe implorava,
dizendo: Tem paciência comigo, que te pagarei tudo. Mas ele não quis; e
fez metê-lo em prisão até pagar a dívida: Misit eum in carcerem, done redderet debitum.”
Meu irmão,
ao ouvir tamanha crueldade, talvez nunca sucedida, sem dúvida te sentes
comovido. Quantos há, porém, que se comovem com a parábola e tropeçam
na realidade! — Com efeito, Jesus Cristo (figurado pelo rei) mostra-se
no tribunal da penitência tão misericordioso para com os cristãos, que
basta um ato de contrição para lhes serem perdoadas todas as culpas,
representadas pelo débito enorme de dez mil talentos. Ao contrário, os
cristãos, (figurados pelo servo descaridoso) são tão exigentes, que,
apesar do preceito de Deus, se recusam a perdoar ao próximo as ofensas
recebidas, simbolizadas na pequena quantia de cem dinheiros.
Não te
quero julgar réu de tamanha desumanidade. Examina, porém, se não és
porventura do número daqueles que, deixando-se dominar pela ira, querem
que para com eles se use de paciência, sem que eles a tenham de praticar
para com os outros; isto é, julgam com rigor os pequenos defeitos dos
outros, e exigem condescendência a respeito dos próprios defeitos que
são muito maiores.
II. Coisa
assombrosa! Diz o Eclesiástico: O homem, um bicho da terra guarda rancor
e quer vingar-se de um seu irmão; e depois atreve-se a implorar a
misericórdia de Deus. Quem poderá interceder para obter o perdão dos
pecados desse temerário: Quis exorabit pro delictis illius? (1) Talvez haverá muitos que rogarão ao Senhor julgue sem misericórdia a quem foi imesiricordioso (2).
— É o que parece insinuar Jesus Cristo, quando, continuando a parábola
do servo impiedoso, acrescenta: “Os outros servos, porém, seus
companheiros, vendo o que se passava, sentiram-no fortemente, e foram
dar parte a seu senhor de tudo o que tinha acontecido. Então seu senhor o
chamou, e lhe disse: Servo mau, toda a dívida te perdoei, porque me
rogaste. Pois, não devias também compadecer-te do teu companheiro, como
eu me compadeci de ti? Indignado, entregou-o o seu senhor aos verdugos,
até pagar tudo que devia. Assim vos tratará meu Pai celestial, se do
íntimo dos vossos corações não perdoardes cada um a seu irmão.”
Ó Jesus,
meu divino Redentor, visto que por palavras e por exemplos me ensinastes
a amar os seus inimigos, a fazer bem aos que me odeiam, a rogar aos que
me perseguem e caluniam (3): eis que agora, prostrado na vossa
presença, resolvo seguir sempre, e em todas as coisas, esses ensinos
santíssimos. Sim, meu Jesus, por amor de Vós perdôo a quem me haja
ofendido, e peço-Vos que também lhe perdoeis. Dai-lhe prosperidade nas
empresas, aumentai-lhe as riquezas, cumpri-lhe os desejos, e sobretudo
inspirai-lhe no coração sentimentos de caridade e de paz, a fim de que,
extinta toda discórdia, possamos unanimemente servi-Vos neste mundo e
gozar de vossa presença no outro.
Perdoai-me,
pois, as minhas dívidas, assim como eu perdôo aos meus devedores, e
“guardai-me com piedade contínua, para que, sob a vossa proteção, fique
eu livre de todas as adversidades, e, para glória de vosso nome, seja
sempre fervoroso no exercício das boas obras.” † Doce coração de Maria, sêde minha salvação.
- Ecclus. 28, 5. 2. Iac. 2, 13 3. Matth. 5, 44.
Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo III – Santo Afonso
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