III – QUIETISMO PROPRIAMENTE DITO – IRRUPÇÃO DO MOLINISMO
No
século XVII o Quietismo é elaborado em sistema, na esteira do debate
sobre predestinação e livre arbítrio, que se desenrolou ao longo do
século XVI, e como reação ao pânico da justiça divina, incutido pelo
protestantismo e pelo jansenismo, que representaram um desvio do
ensinamento católico sobre o real equilíbrio entre as noções de justiça e
misericórdia. Dizia pretender dar continuidade à mística dos autores
espanhóis, tais como Santa Teresa de Ávila (+1582), São João da Cruz
(+1591), à mística alemã (Ruysbroeck +1381) e italiana (Santa Maria
Margarida dei Pazzi). O seu expoente principal foi Miguel de Molinos
(1628-1696).
Miguel de Molinos nasceu na Espanha; foi ordenado
sacerdote em 1652 e enviado a Roma em 1663 como Procurador da causa de
canonização do Venerável Francisco Simon. Em Roma dedicou-se ao
aconselhamento espiritual e conseguiu grande estima por seus escritos de
espiritualidade e mística. Estes, porém, lhe valeram denúncias junto ao
Santo Ofício, que o mandou encarcerar, para grande descontentamento de
seus adeptos. Foi processado; suas ideias foram condenadas em 1682;
Molinos se retratou em 1687, após ter sido considerado herege mediante a
Bula Caelestis Pastor, do Papa Inocêncio XI.
Em poucos parágrafos. eis a sua doutrina:
Miguel de Molinos retoma o princípio de que a vontade humana deve
esvaziars-e diante da Transcendência divina; propunha, supostamente, o
amor puro a Deus e a entrega absoluta à vontade divina. A tal ponto que
propugnava o desinteresse absoluto de qualquer valor e até mesmo da
própria salvação. A verdadeira oração seria inspirada pela fé e dirigida
para a contemplação numa passividade total, estado em que se calam
todas as potencialidades da alma humana. Afirma Molinos que qualquer
presunção de fazer algo em prol da sua salvação seria uma ofensa a Deus,
pois a genuína atitude do homem perante Deus há de ser a de um corpo
morto; a atividade do homem seria inimiga da graça divina e impediria o
acesso à autêntica perfeição espiritual; aniquilando-se dessa maneira, a
alma voltaria ao seu princípio, que é Deus. Assim divinizada, a alma e
Deus já não seriam dois seres, mas um só. AO CONTEMPLAR A DEUS, A ALMA
DEVERIA ABSTER-SE DE QUALQUER REFLEXÃO, POIS ESSA SERIA UMA OFENSA A
DEUS. QUEM ENTREGOU A DEUS SEU LIVRE ARBÍTRIO, NÃO SE DEVE PREOCUPAR COM
SEUS DEFEITOS E AS TENTAÇÕES AO PECADO. SE, INDEPENDENTEMENTE DE
QUALQUER ANSEIO DA CRIATURA, A ALMA HUMANA SENTE DESEJOS CARNAIS, QUE
SEJAM ESTES PERMITIDOS ATÉ CHEGAR A ATOS SEXUAIS; ESTES ATOS NÃO DEVEM
SER ATRIBUÍDOS AO SUJEITO HUMANO, MAS AO DEMÔNIO, POIS QUEM ESTÁ NO
ESTADO DE PERFEIÇÃO NÃO PODE PECAR. EIS ALGUMAS DAS 68 PROPOSIÇÕES DE
MOLINOS CONDENADAS PELA BULA CAELESTIS PASTOR, de 1682):
1. É necessário aniquilar as faculdades da alma.
6. Chama-se via interna aquele estado em que a alma não conhece nem luz
nem amor nem resignação. Nem a Deus devemos procurar conhecer mediante
nossas faculdades.
7. Não deve a alma pensar nem em prêmio nem em punição nem no paraíso nem no inferno nem na morte nem na eternidade.
11. Quando alguém concebe dúvidas sobre a retidão do seu comportamento, não queira refletir sobre tal questão.
15. Não se deve pedir a Deus coisa alguma nem se lhe devem agradecimentos, pois uma e outra atitude é ato da vontade própria.
28. O tédio a respeito dos valores espirituais é uma atitude boa, pois assim se purifica o amor próprio.
38. A cruz das mortificações voluntárias é tarefa pesada e estéril; por isto não deve ser praticada.
39. As obras virtuosas e os atos de penitência praticados pelos Santos não têm eficácia para provocar o desapego das criaturas.
57. Pela contemplação chega a alma ao estado de não mais pecar nem mortal nem venialmente.
Na imagem, Miguel de Molinos.
(Continua)
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