domingo, 18 de setembro de 2016

EM QUE CONSISTEM O QUIETISMO, PIETISMO, HESICAÍSMO? - II

III – QUIETISMO PROPRIAMENTE DITO – IRRUPÇÃO DO MOLINISMO
No século XVII o Quietismo é elaborado em sistema, na esteira do debate sobre predestinação e livre arbítrio, que se desenrolou ao longo do século XVI, e como reação ao pânico da justiça divina, incutido pelo protestantismo e pelo jansenismo, que representaram um desvio do ensinamento católico sobre o real equilíbrio entre as noções de justiça e misericórdia. Dizia pretender dar continuidade à mística dos autores espanhóis, tais como Santa Teresa de Ávila (+1582), São João da Cruz (+1591), à mística alemã (Ruysbroeck +1381) e italiana (Santa Maria Margarida dei Pazzi). O seu expoente principal foi Miguel de Molinos (1628-1696).
Miguel de Molinos nasceu na Espanha; foi ordenado sacerdote em 1652 e enviado a Roma em 1663 como Procurador da causa de canonização do Venerável Francisco Simon. Em Roma dedicou-se ao aconselhamento espiritual e conseguiu grande estima por seus escritos de espiritualidade e mística. Estes, porém, lhe valeram denúncias junto ao Santo Ofício, que o mandou encarcerar, para grande descontentamento de seus adeptos. Foi processado; suas ideias foram condenadas em 1682; Molinos se retratou em 1687, após ter sido considerado herege mediante a Bula Caelestis Pastor, do Papa Inocêncio XI.

Em poucos parágrafos. eis a sua doutrina:
Miguel de Molinos retoma o princípio de que a vontade humana deve esvaziars-e diante da Transcendência divina; propunha, supostamente, o amor puro a Deus e a entrega absoluta à vontade divina. A tal ponto que propugnava o desinteresse absoluto de qualquer valor e até mesmo da própria salvação. A verdadeira oração seria inspirada pela fé e dirigida para a contemplação numa passividade total, estado em que se calam todas as potencialidades da alma humana. Afirma Molinos que qualquer presunção de fazer algo em prol da sua salvação seria uma ofensa a Deus, pois a genuína atitude do homem perante Deus há de ser a de um corpo morto; a atividade do homem seria inimiga da graça divina e impediria o acesso à autêntica perfeição espiritual; aniquilando-se dessa maneira, a alma voltaria ao seu princípio, que é Deus. Assim divinizada, a alma e Deus já não seriam dois seres, mas um só. AO CONTEMPLAR A DEUS, A ALMA DEVERIA ABSTER-SE DE QUALQUER REFLEXÃO, POIS ESSA SERIA UMA OFENSA A DEUS. QUEM ENTREGOU A DEUS SEU LIVRE ARBÍTRIO, NÃO SE DEVE PREOCUPAR COM SEUS DEFEITOS E AS TENTAÇÕES AO PECADO. SE, INDEPENDENTEMENTE DE QUALQUER ANSEIO DA CRIATURA, A ALMA HUMANA SENTE DESEJOS CARNAIS, QUE SEJAM ESTES PERMITIDOS ATÉ CHEGAR A ATOS SEXUAIS; ESTES ATOS NÃO DEVEM SER ATRIBUÍDOS AO SUJEITO HUMANO, MAS AO DEMÔNIO, POIS QUEM ESTÁ NO ESTADO DE PERFEIÇÃO NÃO PODE PECAR. EIS ALGUMAS DAS 68 PROPOSIÇÕES DE MOLINOS CONDENADAS PELA BULA CAELESTIS PASTOR, de 1682):
1. É necessário aniquilar as faculdades da alma.
6. Chama-se via interna aquele estado em que a alma não conhece nem luz nem amor nem resignação. Nem a Deus devemos procurar conhecer mediante nossas faculdades.
7. Não deve a alma pensar nem em prêmio nem em punição nem no paraíso nem no inferno nem na morte nem na eternidade.
11. Quando alguém concebe dúvidas sobre a retidão do seu comportamento, não queira refletir sobre tal questão.
15. Não se deve pedir a Deus coisa alguma nem se lhe devem agradecimentos, pois uma e outra atitude é ato da vontade própria.
28. O tédio a respeito dos valores espirituais é uma atitude boa, pois assim se purifica o amor próprio.
38. A cruz das mortificações voluntárias é tarefa pesada e estéril; por isto não deve ser praticada.
39. As obras virtuosas e os atos de penitência praticados pelos Santos não têm eficácia para provocar o desapego das criaturas.
57. Pela contemplação chega a alma ao estado de não mais pecar nem mortal nem venialmente.
Na imagem, Miguel de Molinos.
(Continua)

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