sexta-feira, 16 de setembro de 2016

EM QUE CONSISTEM O QUIETISMO, PIETISMO, HESICAÍSMO? - I



INTRODUÇÃO
Chama-se Quietismo um tipo de espiritualidade que consiste em esvaziar a alma de qualquer cogitação e desejo, para que, supostamente, a graça de Deus nela possa trabalhar sem obstáculos e levá-la à perfeita união com Deus. Tal atitude conduziu a proposições heréticas entre os fiéis católicos do século XVII, suscitando a condenação da Santa Sé.
Adiante, estudaremos como se desenvolveu essa tendência até mesmo nos meios católicos, constituindo-se uma deformação do espírito.
I - CORRENTES DE INSPIRAÇÃO QUIETISTA ANTERIORES AO CRISTIANISMO
Já o Bramanismo, na Índia, manifestava o anseio de união ou mesmo identificação com a Divindade, a fim de que o núcleo da personalidade humana fosse absorvido no grande Todo mediante a renúncia a qualquer esforço para alcançar tal meta. É uma forma de panteísmo.
No Budismo, principalmente, os monges cultivavam esse estado de espírito. Para eles, o exercício do que pretendem seja meditação, consistiria em apagar qualquer cogitação durante algumas horas a fio — o que por vezes redunda em esgotamento nervoso. No fundo, porque todo desejo, sendo fruto da reflexão, seria intrinsecamente mau.
No Ocidente, a filosofia estoica, pouco antes da era cristã, apregoava a apátheia, ou extinção de qualquer paixão ou afeto, para chegar à perfeita sabedoria. Tal estado de alma, embora reconhecidamente inviável, era apregoado por alguns como possível.

II - CORRENTES DE INSPIRAÇÃO QUIETISTA NA ERA CRISTÃ
No Neoplatonismo, ao iniciar-se a era cristã, proclamava-se o êxtase tido como "banho de luz", mediante o qual a alma chega à visão do Uno e se funde com Ele, esvaziada de qualquer sentimento pessoal.
A primeira manifestação de semelhante atitude ocorre no século V entre os messalianos ou euquitas (orantes). Eram homens e mulheres que costumavam viver em mosteiros; alguns dormiam nas praças públicas durante o verão. Estavam impregnados da ideia de que existiria uma luta insanável entre Satanás e o Espírito. Segundo essa concepção, o pecado teria corrompido totalmente a natureza humana, a tal ponto que nem o Batismo seria capaz de regenerá-la. O único meio eficaz para debelar o mal seria a oração contínua, que — assim julgavam — poderia atingir e extirpar as raízes do pecado existentes na alma humana; por esse modo, a pessoa poderia chegar à imortalidade feliz e à impecabilidade. Isso equivale a identificar-se com a própria natureza divina, tendo como base uma pretensa habitação do Espírito Santo na alma do orante. A hipótese de serem impecáveis permitia aos messalianos um comportamento libertino. Tal escola panteísta foi condenada pelo Concílio de Éfeso em 431.
De passagem, note-se que o termo "Messalianos" no século XI designava hereges do Império bizantino acusados de adorar Satanael, um anjo mau, e praticar orgias sexuais.
NO SÉCULO XIV ENCONTRA-SE A COLÔNIA DE MONGES DO MONTE ATHOS (GRÉCIA), QUE RECORRIAM A MÉTODOS CONTEMPLATIVOS SEMELHANTES AOS DO BUDISMO. TAIS MONGES FORAM CHAMADOS "HESICATAS" (DE HESYCHIA, TRANQUILIDADE EM GREGO); MEDIANTE A CONTEMPLAÇÃO TRANQUILA E O OLHAR FIXO EM DETERMINADO OBJETO (O UMBIGO) IMAGINAVAM CHEGAR A PERCEBER A LUZ DIVINA EXISTENTE NAS VÍSCERAS DO SER HUMANO; ESSE IMAGINÁRIO FRUTO DA ORAÇÃO ERA, PARA ELES, MOTIVO DE GRANDE ALEGRIA E DE INVULNERABILIDADE FRENTE AOS ASSALTOS DO DEMÔNIO.
O PRINCIPAL REPRESENTANTE DESSA CORRENTE É GREGÓRIO PÁLAMAS, MONGE DO MONTE ATHOS, FEITO ARCEBISPO DE TESSALÔNICA (1296-1359), O QUAL DESENCADEOU VIVA POLÊMICA POR CAUA DE SUA DOUTRINA DA DIVINIZAÇÃO DA ALMA.

Nos séculos XIII e XIV Begardos, Beguinas e Irmãos do Espírito Livre cederam a concepções quietistas. Foram condenados pelo Concílio de Viena (1312). Essas tendências quietistas persuadiam o devoto de ser impecável, de modo que poderia entregar-se a práticas imorais sem cometer falta culposa; os devotos subtraíam-se assim a toda obediência e a toda prática ascética.
No século XIV viveu também o dominicano Mestre Eckhart (1268-1329), que incidiu no panteísmo, tendo o Papa João XXII condenado 28 de suas proposições.

NOS SÉCULOS XVI E XVII APARECEM OS ALUMBRADOS (ILUMINADOS) ESPANHÓIS, CONTINUADORES DA ESPIRITUALIDADE DOS BEGARDOS E DAS BEGUINAS. REJEITAVAM A ORAÇÃO VOCAL INDIVIDUAL E COLETIVA E DAVAM IMPORTÂNCIA UNICAMENTE À ORAÇÃO MENTAL, MAIS VALORIZADA DO QUE A MISSA DE PRECEITO E A OBEDIÊNCIA AOS SUPERIORES. TAL ORAÇÃO MENTAL CONSISTIA EM COLOCAR-SE NA PRESENÇA DE DEUS, ESTADO EM QUE AFIRMAVAM CESSAR A FÉ; TORNAM-SE DESNECESSÁRIOS OS ATOS DE VIRTUDE; AS FACULDADES DA ALMA (INTELECTO E VONTADE) SILENCIAM DE MODO QUE A ALMA FICA UNICAMENTE SOB O INFLUXO DA GRAÇA E DO ESPÍRITO SANTO, QUE A LEVAM À PERFEITA UNIÃO COM DEUS. OS ALUMBRADOS FORAM FORTEMENTE CONTESTADOS PELA TEOLOGIA CATÓLICA, DE TAL MODO QUE A 9 DE MAIO DE 1623 O ARCEBISPO ANDRÉ PACHECO, DE SEVILHA, CONDENOU 76 DAS SUAS PROPOSIÇÕES. OS ALUMBRADOS SE ESPALHARAM EM PEQUENAS COLÔNIAS PELO OCIDENTE EUROPEU. NÃO FALTARAM AQUELES QUE PRETENDERAM JUSTIFICAR ILÍCITAS RELAÇÕES SEXUAIS SOB O PRETEXTO DE QUE ERAM COMUNICAÇÕES DO ESPÍRITO SANTO E MANIFESTAÇÕES DA UNIÃO COM DEUS.

Continua...

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