Ducam eam in solitudinem, et loquar ad cor eius - Eu a levarei a solidão e lhe falarei ao coração. (Os. 2,14)
Deus não se deixa achar nos tumultos
do mundo; pelo que os santos procuravam os desertos mais horrendos, as
espeluncas mais ocultas, afim de se subtrairem a sociedade dos homens e
conversarem a sós com Deus. São Hilarion mudou repetidas vezes de um
deserto para outro, sempre em busca de um mais solitário, onde não
encontrasse pessoa alguma com que conversar; e finalmente morreu num
deserto de Chypre, depois de ter vivido ali cinco anos. Quando São Bruno
foi chamado pelo Senhor a deixar o mundo, foi, com seus companheiros,
ter com São Hugo, bispo de Grenoble, afim de que lhes assinalasse em sua
diocese um lugar deserto; e São Hugo indicou-lhes a Cartucha, que pela
sua atrocidade antes era própria para antro de feras do que para morada
de homens.
Certo dia, disse o
Senhor a Santa Teresa: "Eu quisera falar a muitas almas; mas o mundo faz
tanto tumulto em seu coração, que minha voz não pode ser ouvida." Deus
não fala por meio de rumores e negócios do mundo, cuidando que, se
falasse, não seria ouvido. A voz de Deus são as inspirações santas, as
luzes e os convites, com que ilumina os santos e os inflama no amor
divino; mas quem não ama a solidão, fica privado desta voz divina.
Deus diz: "Eu a levarei a solidão e
lhe falarei ao coração." Quando Deus quer elevar uma alma a um grau
eminente de perfeição, inspira-lhe a ideia de se retirar para algum
lugar solitário, e ali, longe das conversações com as criaturas,
fala-lhe aos ouvidos, não do corpo, mas do coração, e assim a ilumina e a
abrasa em seu divino amor. Pelo que São Bernardo dizia que tinha
aprendido a amar a Deus muito mais nos bosques, entre os carvalhos e as
faias, do que nos livros e no tratado com os servos de Deus. - E São
Jerônimo, que deixou as delícias de Roma para se encerrar na Gruta de
Belém, exclamava: "Ó solidão bem aventurada, na qual o Senhor trata
familiarmente com as almas suas diletas e lhes faz ouvir essas palavras
que liquefazem os corações no santo amor!"
Ensina a experiência que o trato com o
mundo e o empenho para a aquisição de bens temporais, nos fazem
esquecidos de Deus. Mas o que nos restará na hora da morte todos os
trabalhos e todo o tempo gasto nas coisas da terra, senão remorsos de
consciência? Na morte acharemos somente o pouco que tivemos feito ou
padecido por Deus. E porque então não nos afastamos o mundo, antes que o
mundo se afaste de nós?
Sedebit solitarius, et tacebit -
Sentar-se-á solitário, e ficará em silêncio. O solitário não está em
movimento contínuo, como outrora os negociantes do mundo, mas
sentar-se-á - ficará em repouso. Ele ficará em silêncio; para ser feliz
não irá buscando os bens materiais; porquanto, elevado acima de si mesmo
e acima de todas as coisas criadas, achará em Deus todo o bem e toda a
sua felicidade. - É com razão que Davi desejava ter as asas de pomba,
afim de deixar a terra e não lhe tocar nem sequer com os pés e assim
achar repouso para a sua alma. Mas já que, enquanto estivermos com vida,
não nos é dado deixar a terra, procuremos ao menos amar o recolhimento o
mais possível, tratando a sós com Deus, afim de termos forças para
evitar as faltas, quando tenhamos de tratar com o mundo. É o que fazia o
mesmo Profeta Real até no meio das ocupações do governo de seu reino: Ecce alomgavi fugiens, et mansi in solitude - Eis-aqui, me afastei fugindo, e permaneci na solidão.
Ó Deus de minha alma, tomara que
sempre tivesse pensado em Vós e não nos bens desta terra! Amaldiçoo os
dias em que, buscando as satisfações terrestres, Vos ofendi, ó meu
soberano Bem! Oh! Tivesse Vos amado sempre! Tivesse antes morrido e
nunca Vos tivesse ofendido! Ai de mim! Já a morte se aproxima e ainda me
vejo apegado ao mundo. Meu Jesus, tomo hoje a resolução de abandonar
tudo e de ser todo vosso. Vós sois todo-poderoso, Vós me deveis dar
força para Vos ser fiel. - Ó Maria, Mãe de Deus, rogai a Jesus por mim.
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