domingo, 25 de setembro de 2016

Do amor à solidão, por Santo Afonso de Ligório

 Ducam eam in solitudinem, et loquar ad cor eius - Eu a levarei a solidão e lhe falarei ao coração. (Os. 2,14)
    Deus não se deixa achar nos tumultos do mundo; pelo que os santos procuravam os desertos mais horrendos, as espeluncas mais ocultas, afim de se subtrairem a sociedade dos homens e conversarem a sós com Deus. São Hilarion mudou repetidas vezes de um deserto para outro, sempre em busca de um mais solitário, onde não encontrasse pessoa alguma com que conversar; e finalmente morreu num deserto de Chypre, depois de ter vivido ali cinco anos. Quando São Bruno foi chamado pelo Senhor a deixar o mundo, foi, com seus companheiros, ter com São Hugo, bispo de Grenoble, afim de que lhes assinalasse em sua diocese um lugar deserto; e São Hugo indicou-lhes a Cartucha, que pela sua atrocidade antes era própria para antro de feras do que para morada de homens.

    Certo dia, disse o Senhor a Santa Teresa: "Eu quisera falar a muitas almas; mas o mundo faz tanto tumulto em seu coração, que minha voz não pode ser ouvida." Deus não fala por meio de rumores e negócios do mundo, cuidando que, se falasse, não seria ouvido. A voz de Deus são as inspirações santas, as luzes e os convites, com que ilumina os santos e os inflama no amor divino; mas quem não ama a solidão, fica privado desta voz divina.
    Deus diz: "Eu a levarei a solidão e lhe falarei ao coração." Quando Deus quer elevar uma alma a um grau eminente de perfeição, inspira-lhe a ideia de se retirar para algum lugar solitário, e ali, longe das conversações com as criaturas, fala-lhe aos ouvidos, não do corpo, mas do coração, e assim a ilumina e a abrasa em seu divino amor. Pelo que São Bernardo dizia que tinha aprendido a amar a Deus muito mais nos bosques, entre os carvalhos e as faias, do que nos livros e no tratado com os servos de Deus. - E São Jerônimo, que deixou as delícias de Roma para se encerrar na Gruta de Belém, exclamava: "Ó solidão bem aventurada, na qual o Senhor trata familiarmente com as almas suas diletas e lhes faz ouvir essas palavras que liquefazem os corações no santo amor!"
    Ensina a experiência que o trato com o mundo e o empenho para a aquisição de bens temporais, nos fazem esquecidos de Deus. Mas o que nos restará na hora da morte todos os trabalhos e todo o tempo gasto nas coisas da terra, senão remorsos de consciência? Na morte acharemos somente o pouco que tivemos feito ou padecido por Deus. E porque então não nos afastamos o mundo, antes que o mundo se afaste de nós?
    Sedebit solitarius, et tacebit - Sentar-se-á solitário, e ficará em silêncio. O solitário não está em movimento contínuo, como outrora os negociantes do mundo, mas sentar-se-á - ficará em repouso. Ele ficará em silêncio; para ser feliz não irá buscando os bens materiais; porquanto, elevado acima de si mesmo e acima de todas as coisas criadas, achará em Deus todo o bem e toda a sua felicidade. - É com razão que Davi desejava ter as asas de pomba, afim de deixar a terra e não lhe tocar nem sequer com os pés e assim achar repouso para a sua alma. Mas já que, enquanto estivermos com vida, não nos é dado deixar a terra, procuremos ao menos amar o recolhimento o mais possível, tratando a sós com Deus, afim de termos forças para evitar as faltas, quando tenhamos de tratar com o mundo. É o que fazia o mesmo Profeta Real até no meio das ocupações do governo de seu reino: Ecce alomgavi fugiens, et mansi in solitude - Eis-aqui, me afastei fugindo, e permaneci na solidão.
     Ó Deus de minha alma, tomara que sempre tivesse pensado em Vós e não nos bens desta terra! Amaldiçoo os dias em que, buscando as satisfações terrestres, Vos ofendi, ó meu soberano Bem! Oh! Tivesse Vos amado sempre! Tivesse antes morrido e nunca Vos tivesse ofendido! Ai de mim! Já a morte se aproxima e ainda me vejo apegado ao mundo. Meu Jesus, tomo hoje a resolução de abandonar tudo e de ser todo vosso. Vós sois todo-poderoso, Vós me deveis dar força para Vos ser fiel. - Ó Maria, Mãe de Deus, rogai a Jesus por mim.

Nenhum comentário:

Postar um comentário