Dives cum dormierit, nihil secum aufert; aperiet óculos suos, et nihil inveniet – “O rico, quando dormir, nada levará consigo; abrirá os olhos e nada achará” (Iob 27, 19)
Sumário.
Oh! Quão bem aprecia as coisas e dirige as suas ações, o que as aprecia
e dirige tendo em vista a morte! Lembra-te, portanto, muitas vezes, meu
irmão, de que todas as fortunas deste mundo acabam com um último
suspiro, com um cortejo fúnebre. Em breve terás de ceder a outrem as
tuas dignidades e riquezas. O túmulo será a morada do teu corpo até ao
dia do juízo, e tua alma estará ou no céu, ou no inferno, para ali ficar
eternamente. Então nada acharás senão o bem ou o mal que fizeste; tudo o
mais terá acabado.
É certa a
morte. Ó céus! Sabem-no os cristãos, acreditam-no, vêem-no; como é,
pois, que há tantos que vivem no esquecimento da morte, como se nunca
tivessem de morrer? Se depois desta vida não houvesse nem inferno nem
céu, poderiam pensar menos na morte do que atualmente pensam? E porque é
que vivem tão mal como estão vivendo?
Meu irmão, se queres viver bem, procura viver o resto de teus dias sem perder a morte de vista. O mors, bonum est iudicium tuum (1) – “Ó morte, quão boa é a tua sentença!”
Quão bem aprecia as coisas e dirige as suas ações o que as aprecia e
dirige tendo em vista a morte! – A lembrança da morte faz perder o amor
às coisas deste mundo, diz São Lourenço Justiniani: Consideretur vitae terminus, et non erit in hoc mundo quod ametur.
Com efeito; todos os bens do mundo se reduzem, na palavra de São João
(2), aos prazeres dos sentidos, às riquezas e as honras. Ora, tudo isto é
bem desprezível aos olhos do que reflete em que dentro em breve se
tornará pó e será sepultado para servir de pasto aos vermes. Foi
efetivamente à vista da morte que os santos desprezaram todos os bens da
vida presente.
Que louco
não seria o viajante que só pensasse em fazer figura no país que
atravessa, e não se importasse que assim se reduz a viver depois vida
miserável no país onde tem de ficar a vida toda? E não será igualmente
insensato o que só procura ser feliz neste mundo, onde se fica apenas
uns poucos dias, e se arrisca a ser desgraçado no outro, onde deverá
viver eternamente? – Quem possui alguma coisa apenas por empréstimo,
pouca afeição lhe tem, pensando que em breve a tem de restituir. Os bens
da terra nos são dados todos de empréstimo; seria, pois, loucura
ligar-se-lhes afeição, já que em breve os havemos de abandonar. A morte
nos privará de tudo.
Meu irmão,
todas as posses, todas as fortunas deste mundo terminarão com um último
suspiro, um préstito fúnebre, um baixar à cova. Em breve terás de ceder
a outrem a casa que construíste; o túmulo será a morada de teu corpo
até ao dia do juízo, e depois irá ou ao céu ou ao inferno, para onde a
alma já o terá precedido. E então nada acharemos senão o pouco que
tivermos feito por amor de Deus, tudo o mais estará acabado.
Porque,
pois, esperar, ó meu Senhor? Esperarei até que venha a morte e me
encontre tão miserável e enlameado de pecados, como estou atualmente? Se
tivesse de morrer agora, morreria bem inquieto e mal satisfeito com a
vida que levei. Não, meu Jesus, não quero morrer tão descontente.
Agradeço-Vos por me haverdes dado o tempo de chorar os meus pecados e de
Vos amar. Quero começar, a partir de agora. Pesa-me sobre todos os
males de Vos ter ofendido, ó bondade suprema, e amo-Vos mais que todas
as coisas, mais que minha vida. Dou-me todo inteiro a Vós; ó meu Jesus,
desde já Vos abraço, Vos aperto ao coração, e Vos entrego toda a minha
alma: In manus tuas commendo spiritum meum (3). Para vô-la dar, não quero esperar até o momento em que o Proficiscere lhe intimará a ordem de partir deste mundo. Não quero esperar até então para Vos rogar que me salveis.
Iesus, sis mihi Iesus – “Ó Jesus, sêde meu Salvador”.
Salvai-me agora, perdoando-me e concedendo-me a graça de vosso santo
amor. Quem sabe se a consideração que estou lendo agora, não será o
último apelo, a última misericórdia que me fazeis? Estendei-me a vossa
mão, ó meu amor, e fazei-me sair do lodaçal da tibieza. Dai-me fervor,
fazei que Vos obedeça com grande amor em tudo que pedis de mim. – Ó Pai
Eterno, pelo amor de Jesus Cristo, dai-me a santa perseverança e a graça
de Vos amar, mas de Vos amar muito durante o resto de meus dias. – Ó
Maria, Mãe de misericórdia, pelo amor que tendes a vosso Filho Jesus,
obtende-me estas duas graças: a perseverança e o amor.
- Ecclus. 41, 3. 2. 1 Io. 2, 16. 3. Ps. 30, 6.
(Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo III – Santo Afonso)
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