"Vincula illius afligatura salutaris - Os seus vínculos são uma ligadura salutar" (Ecl. 6,31)
Judas entra no horto e entrega o seu Mestre com um beijo. No mesmo
instante os insolentes ministros lançaram-se sobre Jesus. Um o prende,
outro o empurra, outro o fere, outro o amarra como um malfeitor. Eles
prenderam Jesus e o ligara. Céus! Que vejo! Um Deus encadeado! E porque?
Por quem? Pelas suas próprias criaturas; pelos homens, esses vis vermes
da terra. Anjos do céu, que dizeis de vós? E Vós, meu Jesus, porque Vos
deixais ligar? Que tem de comum convosco, pergunta São Bernardo, os
ferros dos escravos e dos criminosos, com o Rei dos reis, com o Santo
dos santos? O rex regum, quid tibi et vinculis?
Ah, meu Senhor, que na vossa infância fosseis ligado
estreitamente nos paninhos por vossa divina Mãe, compreendo, que no
sacramento do Altar fiqueis como ligado e encarcerado dentro do cibório,
debaixo das espécies eucarísticas, compreendo-o igualmente. Mas que
fosseis amarrados como um malfeitor pelos pérfidos judeus, para serdes
arrastados pelas ruas de Jerusalém de um tribunal a outro; para serdes
preso a uma coluna no Pretório de Pilatos e ali sofrerdes a mais
horrível flagelação; para serdes, enfim, levado ao Calvário e pregado
num infame patibulo; ah, meu Jesus! É o que não deveis ter permitido. Se
os homens se atrevem a cometer tão grande sacrílegio, Vós, o
Todo-Poderoso, desatai-Vos e livrai-Vos dos tormentos e da morte, que os
ingratos Vos preparam.
Já compreendo, porém, o mistério: meu Senhor, não são as cordas que
Vos ligam, mas sim o amor; foi o amor que Vos ligou e Vos obriga a
sofrer e morrer por nós. - Pelo que São Lourenço Justianiani exclama: "Ó
amor! Ó amor divino! Só vós pudestes ligar um Deus e conduzi-Lo a morte
por amor dos homens!" E apesar disso, estes mesmos homens lhe são
ingratos e o ofendem.
O divino Redentor quis sujeitar-se a ignominia de ser encadeado, para
nos merecer a graça de sacudirmos as cadeias que nos prendem ao pecado,
e que se chamam as más ocasiões. Se estas cadeias não forem quebradas
de uma só vez, nunca serão quebradas. Quantos há que estão agora ardendo
no inferno, por terem dito: Amanhã, amanhã! Não vale dizer que até hoje
não houve nada de mal; porque é pouco a pouco que o demônio leva as
almas incautas até a borda do precipício, e então basta o choque mais
leve para as fazer cair. É uma máxima comum dos mestres da vida
espiritual, que, especialmente em se tratando da impureza, não há outro
meio senão a fuga das ocasiões e o rompimento de todo o afeto.
Meu irmão, se por desgraça estiveres preso por alguma daqueles cadeias de morte, escuta o que te diz Jesus Cristo: Solve vincula colli tui, captiva filia Sion - Desata as cadeias o teu pescoço, cativa filha de Sião. Pobre
alma, rompe os laços ue te prendem ao inferno, chega-te a mim, e
permite que, partilhando contigo as minhas cadeias, te obrigue a
amar-Vos sempre.
O meu mansíssimo Jesus! Vendo-Vos encadeado por meu amor, que posso
eu temer, já que estais de certo modo impossibilitado de levantar o
braço para me ferir? Não quereis castigar-me, contanto que eu me resolva
a sacudir o jugo das minhas paixões e unir-me a Vós. Sim, meu Senhor,
quero recuperar a minha liberdade; e pesa-me sobre todas as coisas ter
outrora abusado da minha liberdade e de Vos ter ofendido. Vós Vos
deixas-te ligar por meu amor, e eu quero ser ligado pelo vosso amor. Ó
felizes cadeias, ó formosas ligaduras de salvação, que unis as almas ao
Coração de Jesus: Apoderai-vos do meu pobre coração e liga-o de tal
modo, que nunca mais se possa separar desse amantíssimo Coração - Ó
grande Mãe de Deus e minha Mãe, Maria, pela dor que sentistes em ver
vosso Jesus, amarrado como um malfeitor, obtende-me a santa
perseverança.
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