Vamos agora à prática deste excelente exercício
da presença de Deus. Consiste ele parte na
operação do espírito ou inteligência, e parte na operação
da vontade. Pela primeira se considera que
Deus está presente; e pela segunda, une-se a ela,
fazendo atos de humildade, de adoração, de amor e
outros semelhantes, dos quais falaremos aqui perto.
Pelo que respeita a oração do espírito, pode
praticar-se a presença de Deus de quatro modos.
1. O primeiro consiste em figurar-nos que nosso
divino Redentor nos acompanha e nos vê em todos os lugares em que estamos. — Podemos no-lo representar
ora em um mistério ora em outro, por exemplo:
nós o veremos ora menino deitado no presépio de
Belém, ora pobre desterrado fugindo para o Egito;
hoje simples operário trabalhando na oficina de Nazaré,
amanhã condenado como criminoso em Jerusalém,
flagelado, coroado de espinhos ou crucificado.
— Sta. Teresa louvava muito este modo de considerar
a presença de Deus. É preciso todavia observar
que embora seja bom, não é porém o melhor e nem
sempre é vantajoso por duas razões: primeiro, porque
não é realmente conforme à verdade, visto que
Jesus Cristo não está presente verdadeiramente como
Deus e como homem, ao mesmo tempo, senão
por ocasião e depois da comunhão, ou quando estamos
diante do Santíssimo Sacramento. — Em segundo
lugar, esse modo pode dar lugar à ilusões ou
ao menos cansar e transtornar a cabeça, pelos esforços da fantasias exaltada. — Se, pois, alguém quiser
servir-se dele, deve fazê-lo, com reserva, somente
enquanto for útil, sem procurar com esforço representar
ao espírito os próprios traços do nosso Salvador,
o seu rosto, estatura, cor etc. Bastará representá-lo
confusamente, como se estivesse a observar tudo o
que fazemos.
2. O segundo modo, mais seguro e mais
excelente, é fundado sobre a verdade. Consiste em
olhar com os olhos da fé a Deus, que está presente
em toda a parte, e nos rodeia, vendo e observando
tudo o que fazemos. Que importa não o vermos com
os olhos da carne? Não vemos também o ar, mas
sabemos com certeza que por todos os lados, somos circundados do ar e no meio dele estamos, pois sem
ele não poderíamos respirar nem viver. Não vemos a
Deus; mas a fé nos ensina que ele está sempre presente.
Pois não é verdade, diz o Senhor, que eu encho
com minha presença o céu e a terra? Assim como uma esponja, no meio do mar, está,
de toda a parte, cercada e penetrada de água, assim,
nos diz o Apóstolo, vivemos em Deus, em Deus nos
movemos, e em Deus existimos. — Este nosso
Deus, diz Sto. Agostinho, está tão atento a observar
todas as ações, palavras e pensamentos de cada um
de nós, como se, descuidado de todas as outras criaturas,
não tivesse que inspecionar senão a nós somente.
Além disso, não contente de ver o que fazemos,
dizemos e pensamos, nota e escreve tudo, para nos
pedir contas no dia de juízo e nos dar, em tempo próprio, o prêmio ou o castigo que merecermos.
Este segundo modo da divina presença não fadiga
o espírito, pois que basta para exercitá-lo reavivar
a fé por um consentimento afetuoso, dizendo interiormente:
“Meu Deus, eu creio firmemente que estais
aqui presente”. — A este pode-se acrescentar facilmente
algum ato de amor, de resignação, de retidão,
de intenção e outros.
3. O terceiro modo de conservar a lembrança
da presença de Deus, é reconhecê-lo nas suas
criaturas, que todas dele têm o ser e a força para
nos servirem. Deus está na água para nos lavar, está
no fogo para nos aquecer, no sol para nos iluminar,
nos alimentos para nos nutrir, nas roupas para nos
cobrir, e em todas as outras coisas que ele criou para nossa utilidade. Quando vemos um belo objeto, como
um belo jardim, uma bela flor, pensemos que ali brilha
um pequeno raio da beleza infinita de Deus, que
deu a existência a esse objeto.
Se tratamos com um homem santo e douto, consideremos
que Deus é que lhe comunica uma parcela
de sua santidade e sabedoria. Do mesmo modo,
quando ouvirmos uma música agradável, quando
sentirmos um bom odor, quando experimentarmos
algum prazer na comida ou na bebida, afiguremo-nos
que é Deus que, por sua presença, nos procura esses
deleites, para deles nos elevarmos a aspirar as
delícias eternas do paraíso.
Acostumemo-nos, pois, a ver Deus presente
em cada objeto, e façamos atos de agradecimento
e de amor, considerando que, desde a eternidade,
pensou em criar tantas formosas criaturas, para
que por elas nós o amássemos. Sto. Agostinho
dizia: Aprende a amar na criatura o teu criador, sem
dar o teu afeto ao que Deus fez, de modo que, te apegando
à criatura, não percas aquele, pelo qual
também foste criado. — É com efeito assim que
praticava o santo doutor. A vista das criaturas elevava
o seu coração a Deus, e ele exclamava com amor:
Senhor, no céu e na terra, tudo me exorta a vos amar.
Olhando o céu, as estrelas, os campos, as
montanhas, parecia-lhe que tudo lhe dizia: Agostinho,
ama a Deus, porque ele te criou somente para que o
amasses.
O mesmo sucedia com Sta. Teresa. À vista dos
campos, dos lagos, dos regatos, e de outros objetos
agradáveis, ela imaginava que todas essas criaturas lhe repreendiam sua ingratidão para com Deus. —
Assim também Sta. Maria Madalena de Pazzi ficava
arrebatada de amor divino, ao considerar uma bela
flor uma deliciosa fruta, que tivesse na mão, e dizia
consigo: É verdade! Meu Deus, desde a eternidade,
pensou em criar esta flor, esta fruta por meu amor e
para me dar um sinal do amor que me tem!
Conta-se
também de S. Simão Salus, que, andando pelo
campo, batia com o seu bastão nas flores e as ervas,
dizendo-lhes: “Vamos, calai-vos. Basta, calai-vos.
Vós me repreendeis de não amar a Deus que vos fez
tão belas por meu amor, afim de me atrair a ele. Eu já
vos ouvi. Basta. Não me repreendais mais. Calaivos”. — Enfim, o quarto e o mais perfeito modo
de manter a presença divina é considerar Deus dentro
de nós. Não temos necessidade de subir ao céu
para achar o nosso Deus; basta nos recolhermos e o
acharemos em nós mesmos. Entreter-se com Deus
na oração, como de longe, é um método que causa
muitas distrações. — Sta. Teresa dizia: Eu nunca
soube o que era fazer oração como se deve, senão
depois que Deus me ensinou este modo de orar.
Neste recolhimento dentro de mim, encontrei sempre
grande proveito.
Para vir à prática, é preciso entender que Deus
está em nós de um modo diverso do que nas outras
criaturas. Em nós está como em seu templo, em sua
casa, segundo escreveu o Apóstolo: Ignorais que sós
o templo de Deus, e que o Espírito de Deus habita
em vós?
É por que nosso divino Salvador disse que ele
vem, com o Padre e o Espírito Santo, à alma que o
ama, não para ai ficar só um instante, mas para morar
sempre, e nela estabelecer a sua habitação perpétua:
Se alguém me ama... meu Pai o amará e nós
viremos a ele e nele fixaremos a nossa morada.
Retirado do Livro: A Verdadeira Esposa de Cristo, de Santo Afonso de Ligório.
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