Eis agora quais são os sinais da vocação divina para o sacerdócio.
Não é a nobreza de nascimento. Segundo S. Jerônimo, quando se trata
de escolher um chefe que dirija os povos pelo caminho da salvação eterna,
não se deve considerar a nobreza do sangue, mas a santidade da vida. S.
Gregório emprega a mesma linguagem.
De nenhum modo deve a influência dos pais impelir os filhos para o
sacerdócio, com a mira apenas nos interesses e vantagens da própria família, e não com os olhos no bem das suas almas. Esses pensam na vida
presente, diz o autor da Obra imperfeita, e esquecem a eternidade que se há
de seguir. Persuadamo-nos de que, no que respeita à escolha de estado,
conforme a palavra de Jesus Cristo, são os próprios pais os inimigos mais
temíveis: Cada um terá por inimigos os da sua casa. A isto ajunta: Quem ama
o seu pai ou a sua mãe mais do que a mim, não é digno de mim. Ó! quantos
padres se verão condenados no dia do juízo por terem recebido as santas
Ordens, para fazerem a vontade a seus pais!
Não se compreende! Se um jovem, movido por uma vocação divina,
quer entrar em religião, — que não fazem então os pais, por paixão ou por
interesse da família, para o afastarem dum estado a que Deus o chama!
Entenda-se bem, um tal procedimento, como ensinam em comum todos os
doutores, não pode escusar-se de pecado mortal; leia-se o que escrevemos
na nossa Teologia moral (l. 4. n. 77). Neste caso, os pais tornam-se duplamente
culpados: 1.º, pecam contra a caridade, pelo grande mal que causam
àquele a quem Deus chama, pois comete uma falta grave qualquer pessoa,
embora estranha, que afasta alguém da vocação religiosa; 2.º, pecam contra
o amor paternal, porque os pais que têm a seu cargo a educação de seus
filhos, estão obrigados a procurar-lhes a maior vantagem espiritual. Há confessores
ignorantes que, — aos seus penitentes que querem abraçar o estado
religioso, — insinuam que devem nisso obedecer a seus pais, e renunciar
à sua vocação, se eles se opuserem a ela. É seguir a doutrina de Lutero que
dizia que os filhos pecam, quando entram em religião sem o consentimento
de seus pais. Tal doutrina é contradita por todos os Santos Padres e pelo
Concílio 10 de Toledo, onde se decidiu que é permitido aos filhos, passados
os catorze anos, fazerem-se religiosos, mesmo contra a vontade de seus
pais. (Veja-se o Novo Código de Direito Canônico, cân. 555 e 573).
Sem dúvida, são os filhos obrigados a obedecer a seus pais. em tudo
quanto respeita à educação e o governo da casa; mas, quanto à escolha de
estado, devem obedecer a Deus, e escolher o estado a que ele os chamar.
Quando os pais quiserem fazer-se obedecer também nesse ponto, devem os
filhos responder-lhes o mesmo que os apóstolos responderam aos príncipes
dos judeus: Vós próprios julgai se é justo, aos olhos de Deus, obedecer antes a vós do que a Deus.
Ensina expressamente Santo Tomás que na escolha dum estado, não
estão os filhos obrigados a obedecer a seus pais e ajunta que, quando se
trata da vocação religiosa, os filhos nem mesmo estão obrigados a tomar
conselho com os pais, que, ao verem feridos os seus interesses, são antes
inimigos do que pais. Como diz S. Bernardo, antes querem ver os filhos
condenar-se com eles, do que permitir-lhes que se salvem sem eles. Pelo
contrário, se vêem que um filho, fazendo-se padre, pode ser útil à família, —
que esforços não fazem então para que se ordene, a torto ou a direito, embora
não seja chamado por Deus! E que gritos, que ameaças se o filho, sensível aos remorsos da própria consciência, recusa receber as santas Ordens!
Pais bárbaros, e antes homicidas do que pais, vos chamamos com S.
Bernardo! Mais uma vez, desgraçados pais e desgraçados filhos! Quantos
não havemos de ver no Vale de Josafat que serão condenados por causa da
vocação, visto que a salvação de cada um, como acima demonstramos, está
dependente da fidelidade em seguir a vocação divina! Voltemos ao assunto. Não se devem pois olhar, como sinais de vocação
ao sacerdócio, nem a nobreza de sangue, nem a vontade dos pais, nem
mesmo os talentos e aptidões que possa haver para as funções sacerdotais;
porque além dos talentos convenientes, é necessária uma vida boa, unida à
vocação divina.
Quais os verdadeiros sinais pelos quais se pode reconhecer que se é
chamado por Deus ao estado eclesiástico? Eis os três principais.
1. A reta intenção
O primeiro é uma reta intenção. É necessário entrar no santuário pela
porta, que é o próprio Jesus Cristo: Sou Eu a porta do aprisco... Quem entrar
por mim, salvar-se-á. Não está pois a entrada legítima para o santuário, no
desejo de comprazer com os pais, ou de engrandecer a família, nem no interesse
ou amor próprio; mas somente na intenção de servir a Deus, trabalhando
na sua glória e salvação das almas, como o sábio continuador de
Tournely muito bem o diz. Se sois conduzido pela ambição, interesse ou
gosto das honras, diz um outro teólogo, não é Deus que vos chama, é o
demônio. E quem se apresenta à ordenação com disposições tão indignas,
ajunta Sto. Anselmo, receberá a maldição de Deus, e não a sua bênção.
2. A ciência e os talentos
O segundo sinal da vocação é a ciência e capacidade necessária, para
desempenhar convenientemente as funções sacerdotais. Devem os padres
ser os doutores, que ensinem a lei de Deus aos povos: Porque os lábios do
sacerdote devem ser os guardas da ciência, e da sua boca receberão os
outros a lei. Dizia Sidônio Apolinário que os médicos pouco instruídos muitas
vezes matam os doentes, em vez de os curarem. Um padre ignorante, sobretudo se é confessor, ensinará falsas doutrinas, dará maus conselhos, e
assim causará a ruína de muitas almas; porque facilmente se dará crédito às
suas palavras, em razão de ser padre. Era o que fazia dizer a Yves de Chartres
que a admissão às santas Ordens, além duma boa conduta, exige uma instrução
suficiente.
Conhecidas todas as rubricas do Missal, para bem celebrar a santa Missa,
todo o padre está ainda obrigado a saber as coisas principais relativas ao
sacramento da Penitência. Como noutra parte fica dito, nem todo o padre é
obrigado a ser confessor, a não ser que as necessidades instantes, do país
em que habita, reclamem o seu ministério; todavia até o simples sacerdote
está obrigado a conhecer ao menos o que se deve saber em geral, para ouvir
as confissões dos moribundos, isto é: em que casos há faculdade para os
absolver; quando e como se deve dar a absolvição ao enfermo, sob condição
ou em absoluto; qual a obrigação que se lhe deve impor, se estiver incurso
nalguma censura. Deve também o simples sacerdote conhecer ao menos os
princípios gerais da moral.
3. Bondade positiva de vida
O terceiro sinal de vocação, para o estado eclesiástico, é a bondade
positiva de vida.
Primeiro que tudo, deve o ordinando ter uma vida inocente, não manchada
de pecados. O Apóstolo exige que aquele que aspira ao sacerdócio
seja irrepreensível, conforme o escrevia ao seu discípulo Tito. Nos primeiros
séculos da Igreja, quem tivesse cometido um só pecado mortal não podia
ser ordenado; prova-o uma decisão do 1.º Concílio de Nicéia. Segundo S.
Jerônimo, para ser admitido ao sacerdócio, não bastava estar sem pecado
ao tempo da ordenação, era necessário não ter cometido nenhuma falta grave
depois do batismo. Verdade é que depois a disciplina a disciplina da
Igreja cessou de ser tão rigorosa; mas dos aspirantes a Ordens sacras sempre
tem exigido ao menos que, depois das suas quedas graves, tenham conservado
a sua consciência bem purificada, durante um período considerável
de tempo. É o que vemos numa carta de Alexandre III ao arcebispo de Reims,
a propósito dum diácono que tinha ferido outro diácono: o Papa decidiu que,
se o culpado estava verdadeiramente arrependido do seu crime, depois de
recebida a absolvição e cumprida a penitência, que lhe fosse imposta, poderia
ser reintegrado nas funções da sua Ordem, e até, se depois desse exemplo
duma vida perfeita, lhe poderia ser conferido o sacerdócio. Se haveis
pois contraído algum mau hábito, e ainda não o arrancastes, não vos atrevais
a receber nenhuma Ordem sacra. Seria uma falta grave, que causava horror
a S. Bernardo: É necessário ao menos, dizia ele, que ponhais em regra a
vossa consciência, antes de vos ocupardes da consciência dos outros.
Um
autor antigo, Gildas o Sábio, falando dos que cheios de maus hábitos têm a
temeridade de assaltar o sacerdócio, diz que eles mereciam antes ser expostos
no pelourinho. Devemos concluir pois com Sto. Isidoro: recusem-se por completo as Ordens sacras a quem quer que ainda seja escravo de algum
mau hábito. Quando se aspira à honra de subir ao altar, não basta que se esteja
isento de pecado, é preciso ter bondade positiva, isto é, caminhar na via da
perfeição, possuir já algum hábito de virtude. Na nossa Teologia moral (l. 6. n.
63 et seq.) demonstramos suficientemente, pelo sentir comum dos doutores,
que quem tem vivido no hábito de algum vício, e quer ser promovido a uma
Ordem sacra, deve estar disposto para receber, não só o sacramento da
Penitência, mas também o da Ordem; de contrário, não estará disposto nem
para um, nem para outro; e cometerá falta grave, tanto o ordinando que receber
a absolvição com a intenção de entrar nas Ordens sacras, sem as disposições
requeridas, como o confessor que o absolver. A razão é que, a quem
deseja receber as ordens, não lhe basta ter saído do estado de pecado; é-lhe
necessária, repetimos, a bondade positiva, indispensável para o estado eclesiástico,
conforme o texto de Alexandre III, acima citado: Si perfectae vitae et
conversationis fuerit.
A decisão deste Pontífice prova-nos que a penitência basta para exercer
uma Ordem já recebida, mas não para ser promovido a uma Ordem superior;
é precisamente o que ensina o Doutor Angélico. Doutrina conforme com a
que S. Dionísio tinha já estabelecido: Nas coisas divinas, não deve o primeiro
adventício atrever-se a tomar a dianteira aos outros; é necessário para isso
ter dado provas duma conduta muito correta e ser muito semelhante a Deus.
Santo Tomás dá duas razões: a 1.ª é que o que recebe as santas Ordens
deve elevar-se acima dos simples fiéis pela santidade, na mesma proporção
em que os excede pela dignidade do seu ministério. “Para desempenhar dignamente
as funções das santas Ordens, diz ele, não basta qualquer bondade,
é necessária uma bondade excelente, de modo que os ministros sagrados
sejam tão superiores ao povo pela sua santidade, como pela Ordem que
receberam; ora, para receber as Ordens, requere-se uma graça que torne o
ordinando apto para aparecer com honra no rebanho de Jesus Cristo”.
A 2.ª razão é que na ordenação recebe-se a missão de exercer ao altar
as mais altas funções, para as quais se exige maior santidade do que para o
estado religioso. Por isso o Apóstolo (Tim. 3, 6) proibiu que se ordenassem
os neófitos, isto é, segundo a explicação de Santo Tomás, os que ainda não
deram provas de constância na prática das virtudes.
Eis a razão porque o Concílio de Trento, fazendo alusão às palavras da
Escritura — A velhice é uma vida sem mancha — manda aos bispos que
não admitam à ordenação, senão os que se mostrarem digno dela por uma
virtude madura.
(Veja-se o N. C. de Direito Canônico, cân. 973 e seguintes).
E é necessário, diz Sto. Tomás, que esta bondade positiva dos ordinandos
seja conhecida. Recomenda S. Gregório esta precaução, sobretudo no que
respeita à virtude da castidade. Exige neste ponto uma prova de muitos
anos.
À vista disto, medite-se nas contas que hão de dar a Deus muitos párocos que nos seus certificados atestam, que os ordinandos têm freqüentado
os sacramentos e são de bons costumes, sabendo que eles nem freqüentam
os sacramentos, nem dão bom exemplo, antes causam escândalo! Com atestados
tais, passados, não por caridade, como dizem, mas contra a caridade
devida a Deus e à Igreja, esses párocos tornam-se responsáveis por todos
os pecados que de futuro hão de cometer esses seus paroquianos indignos;
porque os Bispos fazem juízo pelos certificados dos párocos, e são assim
induzidos a erro. Para passar os certificados de que vimos falando, não deve
o pároco proceder ao deleve em colher informações; deve ter certeza do que
atesta, deve saber positivamente que o clérigo tem um comportamento exemplar
e freqüenta os sacramentos. Quanto aos confessores dos ordinandos,
assim como o Bispo não pode ordenar um súdito, cuja castidade ainda não
esteja bem provada, também o confessor não pode permitir que um penitente
seu, que vive na incontinência, se apresente à ordenação, se não estiver
moralmente certo de que tal ordinando já se libertara do mau hábito antigo, e
adquirira o hábito da virtude da castidade
Retirado do Livro: A Selva de Santo Afonso de Ligório.
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