terça-feira, 22 de setembro de 2015

Sinais da vocação divina ao sacerdócio, por Santo Afonso de Ligório

    Eis agora quais são os sinais da vocação divina para o sacerdócio.
    Não é a nobreza de nascimento. Segundo S. Jerônimo, quando se trata de escolher um chefe que dirija os povos pelo caminho da salvação eterna, não se deve considerar a nobreza do sangue, mas a santidade da vida. S. Gregório emprega a mesma linguagem.
    De nenhum modo deve a influência dos pais impelir os filhos para o sacerdócio, com a mira apenas nos interesses e vantagens da própria família, e não com os olhos no bem das suas almas. Esses pensam na vida presente, diz o autor da Obra imperfeita, e esquecem a eternidade que se há de seguir. Persuadamo-nos de que, no que respeita à escolha de estado, conforme a palavra de Jesus Cristo, são os próprios pais os inimigos mais temíveis: Cada um terá por inimigos os da sua casa. A isto ajunta: Quem ama o seu pai ou a sua mãe mais do que a mim, não é digno de mim. Ó! quantos padres se verão condenados no dia do juízo por terem recebido as santas Ordens, para fazerem a vontade a seus pais!
     Não se compreende! Se um jovem, movido por uma vocação divina, quer entrar em religião, — que não fazem então os pais, por paixão ou por interesse da família, para o afastarem dum estado a que Deus o chama! Entenda-se bem, um tal procedimento, como ensinam em comum todos os doutores, não pode escusar-se de pecado mortal; leia-se o que escrevemos na nossa Teologia moral (l. 4. n. 77). Neste caso, os pais tornam-se duplamente culpados: 1.º, pecam contra a caridade, pelo grande mal que causam àquele a quem Deus chama, pois comete uma falta grave qualquer pessoa, embora estranha, que afasta alguém da vocação religiosa; 2.º, pecam contra o amor paternal, porque os pais que têm a seu cargo a educação de seus filhos, estão obrigados a procurar-lhes a maior vantagem espiritual. Há confessores ignorantes que, — aos seus penitentes que querem abraçar o estado religioso, — insinuam que devem nisso obedecer a seus pais, e renunciar à sua vocação, se eles se opuserem a ela. É seguir a doutrina de Lutero que dizia que os filhos pecam, quando entram em religião sem o consentimento de seus pais. Tal doutrina é contradita por todos os Santos Padres e pelo Concílio 10 de Toledo, onde se decidiu que é permitido aos filhos, passados os catorze anos, fazerem-se religiosos, mesmo contra a vontade de seus pais. (Veja-se o Novo Código de Direito Canônico, cân. 555 e 573).

    Sem dúvida, são os filhos obrigados a obedecer a seus pais. em tudo quanto respeita à educação e o governo da casa; mas, quanto à escolha de estado, devem obedecer a Deus, e escolher o estado a que ele os chamar. Quando os pais quiserem fazer-se obedecer também nesse ponto, devem os filhos responder-lhes o mesmo que os apóstolos responderam aos príncipes dos judeus: Vós próprios julgai se é justo, aos olhos de Deus, obedecer antes a vós do que a Deus.
    Ensina expressamente Santo Tomás que na escolha dum estado, não estão os filhos obrigados a obedecer a seus pais e ajunta que, quando se trata da vocação religiosa, os filhos nem mesmo estão obrigados a tomar conselho com os pais, que, ao verem feridos os seus interesses, são antes inimigos do que pais. Como diz S. Bernardo, antes querem ver os filhos condenar-se com eles, do que permitir-lhes que se salvem sem eles. Pelo contrário, se vêem que um filho, fazendo-se padre, pode ser útil à família, — que esforços não fazem então para que se ordene, a torto ou a direito, embora não seja chamado por Deus! E que gritos, que ameaças se o filho, sensível aos remorsos da própria consciência, recusa receber as santas Ordens! Pais bárbaros, e antes homicidas do que pais, vos chamamos com S. Bernardo! Mais uma vez, desgraçados pais e desgraçados filhos! Quantos não havemos de ver no Vale de Josafat que serão condenados por causa da vocação, visto que a salvação de cada um, como acima demonstramos, está dependente da fidelidade em seguir a vocação divina!           Voltemos ao assunto. Não se devem pois olhar, como sinais de vocação ao sacerdócio, nem a nobreza de sangue, nem a vontade dos pais, nem mesmo os talentos e aptidões que possa haver para as funções sacerdotais; porque além dos talentos convenientes, é necessária uma vida boa, unida à vocação divina.
    Quais os verdadeiros sinais pelos quais se pode reconhecer que se é chamado por Deus ao estado eclesiástico? Eis os três principais.

1. A reta intenção 
     O primeiro é uma reta intenção. É necessário entrar no santuário pela porta, que é o próprio Jesus Cristo: Sou Eu a porta do aprisco... Quem entrar por mim, salvar-se-á. Não está pois a entrada legítima para o santuário, no desejo de comprazer com os pais, ou de engrandecer a família, nem no interesse ou amor próprio; mas somente na intenção de servir a Deus, trabalhando na sua glória e salvação das almas, como o sábio continuador de Tournely muito bem o diz. Se sois conduzido pela ambição, interesse ou gosto das honras, diz um outro teólogo, não é Deus que vos chama, é o demônio. E quem se apresenta à ordenação com disposições tão indignas, ajunta Sto. Anselmo, receberá a maldição de Deus, e não a sua bênção.


2. A ciência e os talentos 
    O segundo sinal da vocação é a ciência e capacidade necessária, para desempenhar convenientemente as funções sacerdotais. Devem os padres ser os doutores, que ensinem a lei de Deus aos povos: Porque os lábios do sacerdote devem ser os guardas da ciência, e da sua boca receberão os outros a lei. Dizia Sidônio Apolinário que os médicos pouco instruídos muitas vezes matam os doentes, em vez de os curarem. Um padre ignorante,  sobretudo se é confessor, ensinará falsas doutrinas, dará maus conselhos, e assim causará a ruína de muitas almas; porque facilmente se dará crédito às suas palavras, em razão de ser padre. Era o que fazia dizer a Yves de Chartres que a admissão às santas Ordens, além duma boa conduta, exige uma instrução suficiente. Conhecidas todas as rubricas do Missal, para bem celebrar a santa Missa, todo o padre está ainda obrigado a saber as coisas principais relativas ao sacramento da Penitência. Como noutra parte fica dito, nem todo o padre é obrigado a ser confessor, a não ser que as necessidades instantes, do país em que habita, reclamem o seu ministério; todavia até o simples sacerdote está obrigado a conhecer ao menos o que se deve saber em geral, para ouvir as confissões dos moribundos, isto é: em que casos há faculdade para os absolver; quando e como se deve dar a absolvição ao enfermo, sob condição ou em absoluto; qual a obrigação que se lhe deve impor, se estiver incurso nalguma censura. Deve também o simples sacerdote conhecer ao menos os princípios gerais da moral.


3. Bondade positiva de vida 
    O terceiro sinal de vocação, para o estado eclesiástico, é a bondade positiva de vida. Primeiro que tudo, deve o ordinando ter uma vida inocente, não manchada de pecados. O Apóstolo exige que aquele que aspira ao sacerdócio seja irrepreensível, conforme o escrevia ao seu discípulo Tito. Nos primeiros séculos da Igreja, quem tivesse cometido um só pecado mortal não podia ser ordenado; prova-o uma decisão do 1.º Concílio de Nicéia. Segundo S. Jerônimo, para ser admitido ao sacerdócio, não bastava estar sem pecado ao tempo da ordenação, era necessário não ter cometido nenhuma falta grave depois do batismo. Verdade é que depois a disciplina a disciplina da Igreja cessou de ser tão rigorosa; mas dos aspirantes a Ordens sacras sempre tem exigido ao menos que, depois das suas quedas graves, tenham conservado a sua consciência bem purificada, durante um período considerável de tempo. É o que vemos numa carta de Alexandre III ao arcebispo de Reims, a propósito dum diácono que tinha ferido outro diácono: o Papa decidiu que, se o culpado estava verdadeiramente arrependido do seu crime, depois de recebida a absolvição e cumprida a penitência, que lhe fosse imposta, poderia ser reintegrado nas funções da sua Ordem, e até, se depois desse exemplo duma vida perfeita, lhe poderia ser conferido o sacerdócio. Se haveis pois contraído algum mau hábito, e ainda não o arrancastes, não vos atrevais a receber nenhuma Ordem sacra. Seria uma falta grave, que causava horror a S. Bernardo: É necessário ao menos, dizia ele, que ponhais em regra a vossa consciência, antes de vos ocupardes da consciência dos outros.
    Um autor antigo, Gildas o Sábio, falando dos que cheios de maus hábitos têm a temeridade de assaltar o sacerdócio, diz que eles mereciam antes ser expostos no pelourinho. Devemos concluir pois com Sto. Isidoro: recusem-se por completo as Ordens sacras a quem quer que ainda seja escravo de algum mau hábito. Quando se aspira à honra de subir ao altar, não basta que se esteja isento de pecado, é preciso ter bondade positiva, isto é, caminhar na via da perfeição, possuir já algum hábito de virtude. Na nossa Teologia moral (l. 6. n. 63 et seq.) demonstramos suficientemente, pelo sentir comum dos doutores, que quem tem vivido no hábito de algum vício, e quer ser promovido a uma Ordem sacra, deve estar disposto para receber, não só o sacramento da Penitência, mas também o da Ordem; de contrário, não estará disposto nem para um, nem para outro; e cometerá falta grave, tanto o ordinando que receber a absolvição com a intenção de entrar nas Ordens sacras, sem as disposições requeridas, como o confessor que o absolver. A razão é que, a quem deseja receber as ordens, não lhe basta ter saído do estado de pecado; é-lhe necessária, repetimos, a bondade positiva, indispensável para o estado eclesiástico, conforme o texto de Alexandre III, acima citado: Si perfectae vitae et conversationis fuerit. A decisão deste Pontífice prova-nos que a penitência basta para exercer uma Ordem já recebida, mas não para ser promovido a uma Ordem superior; é precisamente o que ensina o Doutor Angélico. Doutrina conforme com a que S. Dionísio tinha já estabelecido: Nas coisas divinas, não deve o primeiro adventício atrever-se a tomar a dianteira aos outros; é necessário para isso ter dado provas duma conduta muito correta e ser muito semelhante a Deus.
    Santo Tomás dá duas razões: a 1.ª é que o que recebe as santas Ordens deve elevar-se acima dos simples fiéis pela santidade, na mesma proporção em que os excede pela dignidade do seu ministério. “Para desempenhar dignamente as funções das santas Ordens, diz ele, não basta qualquer bondade, é necessária uma bondade excelente, de modo que os ministros sagrados sejam tão superiores ao povo pela sua santidade, como pela Ordem que receberam; ora, para receber as Ordens, requere-se uma graça que torne o ordinando apto para aparecer com honra no rebanho de Jesus Cristo”.
     A 2.ª razão é que na ordenação recebe-se a missão de exercer ao altar as mais altas funções, para as quais se exige maior santidade do que para o estado religioso. Por isso o Apóstolo (Tim. 3, 6) proibiu que se ordenassem os neófitos, isto é, segundo a explicação de Santo Tomás, os que ainda não deram provas de constância na prática das virtudes. Eis a razão porque o Concílio de Trento, fazendo alusão às palavras da Escritura — A velhice é uma vida sem mancha — manda aos bispos que não admitam à ordenação, senão os que se mostrarem digno dela por uma virtude madura.
(Veja-se o N. C. de Direito Canônico, cân. 973 e seguintes).
    E é necessário, diz Sto. Tomás, que esta bondade positiva dos ordinandos seja conhecida. Recomenda S. Gregório esta precaução, sobretudo no que respeita à virtude da castidade. Exige neste ponto uma prova de muitos anos. À vista disto, medite-se nas contas que hão de dar a Deus muitos párocos que nos seus certificados atestam, que os ordinandos têm freqüentado os sacramentos e são de bons costumes, sabendo que eles nem freqüentam os sacramentos, nem dão bom exemplo, antes causam escândalo! Com atestados tais, passados, não por caridade, como dizem, mas contra a caridade devida a Deus e à Igreja, esses párocos tornam-se responsáveis por todos os pecados que de futuro hão de cometer esses seus paroquianos indignos; porque os Bispos fazem juízo pelos certificados dos párocos, e são assim induzidos a erro. Para passar os certificados de que vimos falando, não deve o pároco proceder ao deleve em colher informações; deve ter certeza do que atesta, deve saber positivamente que o clérigo tem um comportamento exemplar e freqüenta os sacramentos. Quanto aos confessores dos ordinandos, assim como o Bispo não pode ordenar um súdito, cuja castidade ainda não esteja bem provada, também o confessor não pode permitir que um penitente seu, que vive na incontinência, se apresente à ordenação, se não estiver moralmente certo de que tal ordinando já se libertara do mau hábito antigo, e adquirira o hábito da virtude da castidade



Retirado do Livro: A Selva de Santo Afonso de Ligório.

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