1. - Mísera condição do pecador mudo Mísera é a condição daquela alma que seduzida pelo mundo e pela carne concebeu no coração o pecado e traiu sua fé e seu Deus.
Porém mais mísera ainda, se atormentada pelos remorsos da consciência,
ou comovida pelos estímulos da graça, porém vencida por um vil pudor,
mantém fechado os lábios para uma sincera confissão, e se obstina em
fechar no seio daquele monstro infame, de onde se deve esperar morte
certa.
E todavia quantos e quantos dos nossos irmãos pecadores permanecem neste
tão deplorável estado! Quem mais tardará a prestar-lhes auxílios em tão
grande necessidade?
Somente vos peço e esconjuro, ó pecadores, se neste dia ouvirdes a voz
do vosso Deus, não deixeis endurecer os vossos corações (Sl 94, 8).
De resto eu não duvido que, expulso todo vão temor, aquele mesmo Jesus
que afugentou o demônio mudo do energúmeno no Evangelho, não esteja para
desatar também salutarmente vossa língua (Lc 11, 14-28).
2. - O convite de Deus e o engano do demônio.
Os exploradores enviados por Moisés à Terra prometida referiram tanto
mal daquele país aos muito crédulos Hebreus, chegando a dizer-lhes que
aquela terra devorava seus infelizes habitantes (Num 13, 33).
Assim também eu penso ter acontecido no vosso caso, ó pecadores. Deus
vos chama desejoso de perdoar vossos pecados e restituir-vos na sua
graça; vos excita, vos convida a confessar-se. Mas que! Não assim
rapidamente vós mandais adiante algum bom pensamento a esta terra
prometida e vós mostrais pela divina
misericórdia, que já vos torna notícia de vãos terrores, quase de uma insofrível ignomínia que lá vos espera.
O próprio demônio amplifica, exagera, pinta tão vivo a tímida fantasia,
estas falsas apreensões, que obtém finalmente fazer prevalecer em vós, à
verdade das divinas promessas, seus enganos, com enorme dano para vossa
alma. E aquele que pouco antes vos levara toda vergonha para pecar com
mais franqueza, agora
vos duplica a confusão para impedir-vos de confessar o vosso erro. E
será verdadeiro portanto que em um negócio de tão grande conseqüência
pela vossa salvação vos deixeis enganar pelos falsos relatos de um vosso
tão jurado inimigo?
Merece talvez um Deus que tão ternamente vos ama, um Deus tão fiel em
manter suas promessas, merece, digo, menor fé de vós que um mentiroso
traidor?
3. - Vantagens de uma boa confissão
Deus vos assegura - no momento em que resolvais depor com viva dor e com
ingênua sinceridade vossas culpas aos pés de um seu ministro - tirar de
vós toda confusão não só, mas de trocá-la por outra glória igual.
Não se pode de fato negar, sem negar ao mesmo tempo a fé, que ele não
esteja para restituir amplamente e apagar totalmente na alma toda mancha
de culpa por mais grave que ela seja, - verdadeira e única razão de
pudor e de vergonha - fazendo nela rejuvenescer, quase reflorir o
espírito mortificado pelo cruel gelo do
pecado. Aqui é onde a alma fica limpa, purificada, embelezada com um
raio daquela luz puríssima que a divina face, amorosamente a ela de novo
voltada, lhe difunde. A reveste do hábito precioso da graça, coloca-lhe
de novo na cabeça esplêndida coroa entrelaçada de raras gemas de todas
as virtudes, lhe coloca no dedo o anel de ouro da caridade, e todos os
outros nobres dons e ricos tesouros de merecimentos de
que lhe havia espoliado o pecado, como tinha antes de pecar. Antes pode
acontecer que ela ressurgindo conquiste um grau maior de graça do que
quando caiu: servindo assim a muitos este sacramento da confissão quase
de fúlgida vestimenta para recobrir não só sua nudez, mas para
circundá-los de muita glória.
Porque temer então ficar confusos, onde antes vos espera suma honra e glória inestimável.
4. - Vão temores
Tudo bem, dirá todavia alguém; mas o dever descobrir todos os males os
mais tenebrosos segredos do nosso coração ao Sacerdote, é um peso
insofrível ao nosso pudor. Que triste conceito ele formará de nós! Com
quantas amargas repreensões não nos repreenderá gravando assim muito
mais a nossa ignomínia!
Entendo, entendo a vós. Quero, porém, que entendais bem ainda vós de que
lado procedem estes vossos temores. Na verdade outra coisa não é senão
uma névoa funesta colocada diante de vossos olhos, com que o inimigo
infernal, como sabe ter obcecado tantos outros, assim agora confia cegar
também vós; enquanto eu vos mostro que antes deveis esperar ser
acolhidos pelo confessor com muita amabilidade, e na sua opinião muito
honrados.
5. - No confessor está a bondade e a misericórdia de Cristo
O sacerdote, na verdade, quando senta no sagrado tribunal da penitência,
representa a pessoa do próprio Cristo, e faz sua vez. Ora se Cristo
longe de rejeitar com desprezo algum pecador por mais infame, que
demonstrando sinais verdadeiros de arrependimento a Ele recorreram,
trata sempre com muita afabilidade os Publicanos, acolhe, amoroso, as
lágrimas das perdidas Madalenas, devolve absolvidas em liberdade as
adúlteras já condenadas à morte, promete levar consigo no mesmo dia ao
belo Paraíso um ladrão que se dirige a Ele da cruz pouco depois de
havê-lo antes blasfemado; como poderá seu ministro não tratar com o
mesmo espírito de ternura e de mansidão os penitentes mais tímidos que a
Ele se apresentam? Como poderia ter horror àquelas chagas sobre as
quais o divino Médico, para curá-las, derrama com igual suavidade e
eficácia, não já óleo e vinho, mas - quase bálsamo celeste - todo seu
Sangue precioso?
6. - No confessor está todo conhecimento das misérias humanas
Finalmente o vosso confessor é um homem semelhante a vós, sujeito aos
mesmos perigos de cair, rodeado de enfermidades, tornado compassível
pela experiência das próprias e alheias faltas, devendo também ele
apresentar-se então a este salutar banho de penitência para lavar suas
culpas. Conhece totalmente a fragilidade humana; sabe também que os
próprios homens mais espirituais e santos caíram talvez gravemente. Pelo
que vendo no penitente o coração aberto e desejo da eterna salvação,
concebe-lhe terna comiseração, cálido zelo e fervoroso desejo de
assisti-lo, ajudá-lo. Vê com ternura a vossa humilhação onde vos
transformais em justos no próprio ato de acusar-vos como pecadores,
segundo aquela áurea
sentença de S. Ambrósio: "Sendo todos nós pecadores, é mais louvável o
que é mais humilde; é mais justo quem se conhece mais indigno" (De
Poenitentia, 1, II, c. 10); testemunhando o Espírito Santo que o justo é
o acusador de si mesmo.
7. - A confissão sincera se transforma em honra ao penitente
Se vós não apresentastes ao sacramento senão uma matéria apenas
suficiente de levíssimas culpas, o confessor, sabendo de quão graves
tentações e perigos sejam circundada a vida humana poderia porventura
ter qualquer suspeita que a vossa confissão não fosse totalmente
sincera. Ora, ao contrário, quanto mais
graves são as culpas que apresentais, tanto maior são as dificuldades
que tendes que vencer, assim como ele se consola em ver-vos prevenidos
por uma graça eficacíssima e superabundante, assim tem um fundamento
quase seguro para acreditar que vós pertenceis já por divina
determinação ao belo grupo daqueles eleitos vistos já pelo contemplativo
de Pátmos, vestidos de branco diante do trono de Deus por "ter já
lavado e branqueado suas estolas no Sangue do Cordeiro (Ap 7, 14).
8. - Melhor a confissão secreta no sacramento da penitência que a confusão
pública no dia do juízo
Todas estas razões são na verdade, a quem bem as considera, mais que
suficientes para mandar embora todas as trevas de um vão temor. Mas se
por acaso acontecer - o que posso muito bem supor que o temor de uma
pretensa vergonha predomine em vós a ponto de tornar-vos mudos mesmo a
custo da alma, eu quero que este mesmo temor seja aquele que vos obrigue
a falar.
De fato se pensardes bem, muito maior ignomínia, no vosso caso, vos deve
custar o calar que custaria o falar. Se vós falais, trata-se enfim de
descobrir-vos a um homem só, a um sacerdote que não vos conhece, que se
também vos conhecesse, vos deveria compadecer; e quando ainda devêsseis
sofrer alguma
confusão, esta é breve e momentânea, sucedendo bem depressa uma grande paz, uma alegria jamais provada, uma glória sincera.
E quanto às culpas passadas, elas ficam tão sepultadas no mais alto
silêncio, debaixo de um rigoroso sigilo sacramental, que em nenhum caso
possível pode o sacerdote, nem com a língua, nem com um gesto embora
mínimo, nem com qualquer outro comportamento, nem aos outros nem a vós
mesmos fora do sacramento, fazer menção, ou dar só impressão de
ligeirissima suspeita.
Pelo contrário se muito mal vos resolverdes calar, além de provar um
interior muito amargo e perpétuo rubor - remoendo sempre a vossa
consciência o mal cometido - virá depois um dia em que será descoberto e
publicado em face de um mundo inteiro que será testemunha da vossa
confusão; protestando-se Deus nas
Escrituras de querer no dia do último juízo envergonhar profundamente os
pecadores, revelando diante do Céu e da terra suas mais ocultas e
torpes ignomínias (Lc 12, 2; 1Cor 4, 5).
Considerai agora com S. Agostinho "se não seria melhor tolerar agora um
pouco de vergonha diante de um, ou no dia do juízo, diante de tantos
milhares de homens e de Anjos, ter de apodrecer na desonra de uma grave
repulsa" (DeVisitatione Infirmorum, 1.II, 5).
Aqueles mesmos a quem mais vos preocupa agora de manter oculto vossos
pecados, não o saberão eles naquele dia? Vosso confessor de quem tanto
tendes medo agora, não o verá ele também naquele dia? Que dirá,
portanto, da vossa loucura vendo ter vós feito mais conta de uma pequena
confusão que da vossa
eterna salvação? Que dirão tantos vossos conhecidos, amigos, familiares,
que tiveram talvez durante a vida boa opinião de vós, espectadores
então da vossa infâmia e do vosso desespero?
Avante pois, já que vós por haver pecado devereis sofrer a confusão,
eleger ao menos a menor, confessando agora a vossa falha, se a vós
agrade ainda chamar com este nome de confusão aquela que na verdade para
vós é mãe de tanta glória.
9. - Ou confessar-se ou condenar-se
Eia, pois, pecadores, que resolveis? Vede a que angústia final está
reduzida a vossa escolha: "ou vencer, ou morrer"; ou vencer
generosamente todo o pretenso rubor, ou perder a alma eternamente; sim,
ou confessar-se, ou condenar-se.
Pensareis vós que vos haja outro meio para esquivar-se do inferno?
Jejuai, pois, flagelai o vosso corpo, condenai-o a dormir no chão,
vesti-o de pungentes cilícios, alimentai-o de lágrimas e de cinzas,
fazei obras de santos e maior ainda que de santos; que vos valerá tudo
isto? Estais totalmente perdidos. Ou confissão ou condenação; não há
outro meio: ou condenação ou confissão.
Confessareis, porventura, todos os outros pecados, guardando consigo
aquele que vos dá mais vergonha? Mas vós sabeis também que o não dizer
tudo é o mesmo que não dizer nada; é um voltar do Sacramento com os
mesmos pecados de ontem, ou com um maior do que os de antes; com um
horrível sacrilégio na alma.
Eis: "ou vencer ou morrer"; ou confessar todos ou condenar-se.
O que, então? Esperar-se-á talvez confessá-los na hora da morte? Mas
aquilo que vós conheceis dever fazer naquele ponto, porque não o fazer
agora? E se estais resolvidos confessar-vos uma vez, porque não agora?
No entanto se renovam as quedas, se multiplicam os sacrilégios, e se
duplica assim a confusão de
manifestação depois ao mesmo tempo.
Que mais? Do reter e do oprimir no coração o pecado vergonhoso nasce uma
tal cegueira, uma tal névoa que leva finalmente à obstinação, portanto
ao endurecimento, e este é o último passo para chegar à impenitência
final.
Eu vos pergunto pela última vez: que resolveis fazer? Escarnecer talvez
todas as artes do vosso maligno adversário? Vencer corajosamente todo
vão temor, assegurar de uma vez a vossa eterna salvação? Felizes de vós!
Se assim firmemente haveis proposto, felizes de vós. Começai agora para
não parar mais depois de render, quanto mais fervorosas possais, as
devidas graças àquela misericórdia que vos conduziu neste dia a ouvir
suas vozes, e vos moveu o coração com tanta eficácia. Não tardeis um só
momento para cooperar com um tão poderoso e extraordinário auxilio de
Deus.
Eis já esta divina misericórdia, por meio do seu ministro, está
esperando que vós quais filhos pródigos, mas arrependidos, vos atireis
dolentes aos seus pés para levantar-vos bem depressa e esconder no
amoroso aperto de seu seio a vossa nudez. Nada mais deseja que
restituir-vos, junto com a paz da vossa consciência,
toda a honra, toda a glória, todos os direitos de verdadeiros filhos de
Deus. Que suave e substancial banquete não prepara para vós! Que festa
mais alegre não se prepara no Céu pela vossa conversão! "Haverá mais
júbilo entre os Anjos de Deus por um só pecador que faça penitência" (Lc
15, 7).
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