quarta-feira, 23 de setembro de 2015

A respeito das murmurações e blasfêmias, Santo Afonso de Ligório.

     Quanto à caridade de que devemos usar para com o próximo nas palavras, é preciso antes de tudo nos abster de toda a maledicência. O maldizente mancha a sua alma, diz o Espírito Santo, e incorre no ódio de todos, de Deus e dos homens. Se há, às vezes, quem o aplauda e excite a falar do próximo, para se divertir, esse mesmo logo o foge e evita com diligência, pensando com razão que também não será poupado, quando houver ensejo para isso. — Diz S. Jerônimo que alguns, depois de ter renunciado os outros vícios, parece que não podem deixar o da murmuração. 
     E queira Deus não lhes suceda o que aconteceu a um sacerdote murmurador conhecido de Thomaz Cantipratense, que narra ter o infeliz expirado em um acesso de furor, dilacerando a língua com os dentes. — S. Bernardo fala de um outro murmurador, que, tendo querido dizer mal de S. Malaquias, sentiu logo a língua inchada e roída de vermes, e morreu miseravelmente depois de sete dias de cruéis sofrimentos.

     Comete-se murmuração não só quando se procura denegrir a reputação do próximo, imputando-lhe uma falta que ele não fez, ou exagerando suas faltas reais, ou revelando as que ocultou, mas também quando se interpretam mal suas ações boas ou se diz que são feitas com má intenção. — É também murmuração negar o bem que fez ou contradizer os justos elogios que se fazem do próximo. — Para tornar a murmuração mais crível, que não fazem certas línguas malignas? Começam a louvar uma pessoa, e depois acabam murmurando: Fulana é muito talentosa, mas é soberba: é liberal, mas é vingativa. — Procurai pois sempre falar bem de todos. Falai dos outros como quereis que falem de vós. A respeito dos ausentes, segui esta máxima de Sta. Maria Madalena de Pazzi: Não se deve dizer na ausência de alguém aquilo que se não diria em sua presença. — Se vos acontecer ouvir uma irmã murmurar de outra, guardai-vos de incitá-la a falar, ou mostrar lhe que tendes prazer em ouvi-la, porque então vos tornaríeis cúmplices do seu pecado. Nesse caso, repreendei-a ou interrompei a conversa, ou retirai-vos, ou, ao menos, não lhe deis atenção. — Quando ouvirdes alguém murmurar, diz o Espírito Santo, cercai os ouvidos com espinhos, para que os não penetre a malediência. É preciso então, ao menos pela guarda do silêncio, mostrando um ar triste ou baixando os olhos, testemunhar que tal conversa vos desagrada. Portai-vos, sempre, de modo que ninguém, para o futuro, ouse atacar a fama alheia em vossa presença. E a caridade exige que tomeis a defesa da pessoa de quem se murmura, quando vos for possível. 
     Esposa minha, diz o Senhor, eu quero que vossos lábios sejam como uma fita vermelha: isto é, segundo explica S. Gregório Nysseno, sejam vossas palavras abrasadas de caridade de modo que ocultem os defeitos alheios, quanto possível; ou, ao menos escusem a intenção, se for impossível desculpar a ação, acrescenta S. Bernardo. — Como refere Surio, o abade Constavel era chamado Capa dos Irmãos, porque este bom monge, quando ouvia falar dos defeitos do próximo, procurava meios de ocultá-los. — O mesmo se narra de Sta. Teresa, dizendo suas religiosas que, onde estava a santa, tinham certeza de que não lhes cortavam na pele, porque sabiam que ela as defendia
     Neste mundo não há pessoa alguma, por mais virtuosa que seja, que não tenha seus defeitos. Quantos não tendes vós, e quereis que as outras vos tratem com caridade e compaixão. É, pois, necessário que tenhais também caridade com as outras, e vos compadeçais das suas misérias e imperfeições, segundo exorta o Apóstolo: Auxiliai-vos uns aos outros. — Vede com que paciência sofrem as mães as travessuras dos filhos: e porque? Porque os amam. Pelo mesmo sinal se reconhecerá se amais as vossas irmãs com caridade verdadeira, amor que sendo sobrenatural, deve ser mais forte do que o amor natural. Com que caridade nosso divino Salvador não suportou as grosserias e imperfeições de seus discípulos durante todo o tempo, que com eles viveu? Com quanta caridade não suportou Judas, chegando até a lavar-lhe os pés para enternecê-lo? Mas para que falar de outros? Falemos de vós mesmas. Com que paciência o Senhor não vos tolerou até agora? e vós não quereis sofrer as vossas irmãs? — O médico detesta a enfermidade, mas estremece o enfermo; e assim vós, se tendes caridade, deveis aborrecer os defeitos, mas ao mesmo tempo deveis amar as pessoas que os cometem.


Santo Afonso de Ligório, A Verdadeira Esposa de Cristo.

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