Quanto à caridade de que devemos usar para
com o próximo nas palavras, é preciso antes de
tudo nos abster de toda a maledicência. O maldizente
mancha a sua alma, diz o Espírito Santo, e incorre no
ódio de todos, de Deus e dos homens. Se há, às
vezes, quem o aplauda e excite a falar do próximo,
para se divertir, esse mesmo logo o foge e evita com
diligência, pensando com razão que também não será
poupado, quando houver ensejo para isso. — Diz
S. Jerônimo que alguns, depois de ter renunciado os
outros vícios, parece que não podem deixar o da
murmuração.
E queira Deus não lhes suceda o que
aconteceu a um sacerdote murmurador conhecido de
Thomaz Cantipratense, que narra ter o infeliz expirado
em um acesso de furor, dilacerando a língua com
os dentes. — S. Bernardo fala de um outro murmurador,
que, tendo querido dizer mal de S. Malaquias,
sentiu logo a língua inchada e roída de vermes, e
morreu miseravelmente depois de sete dias de cruéis
sofrimentos.
Comete-se murmuração não só quando se procura
denegrir a reputação do próximo, imputando-lhe
uma falta que ele não fez, ou exagerando suas faltas
reais, ou revelando as que ocultou, mas também
quando se interpretam mal suas ações boas ou se diz
que são feitas com má intenção. — É também murmuração
negar o bem que fez ou contradizer os justos
elogios que se fazem do próximo. — Para tornar a
murmuração mais crível, que não fazem certas línguas
malignas? Começam a louvar uma pessoa, e
depois acabam murmurando: Fulana é muito talentosa,
mas é soberba: é liberal, mas é vingativa. — Procurai pois sempre falar bem de todos.
Falai dos outros como quereis que falem de vós. A
respeito dos ausentes, segui esta máxima de Sta.
Maria Madalena de Pazzi: Não se deve dizer na ausência
de alguém aquilo que se não diria em sua presença. — Se vos acontecer ouvir uma irmã murmurar
de outra, guardai-vos de incitá-la a falar, ou mostrar lhe
que tendes prazer em ouvi-la, porque então vos
tornaríeis cúmplices do seu pecado. Nesse caso, repreendei-a
ou interrompei a conversa, ou retirai-vos,
ou, ao menos, não lhe deis atenção. — Quando ouvirdes
alguém murmurar, diz o Espírito Santo, cercai
os ouvidos com espinhos, para que os não penetre a
malediência. É preciso então, ao menos pela guarda
do silêncio, mostrando um ar triste ou baixando os
olhos, testemunhar que tal conversa vos desagrada.
Portai-vos, sempre, de modo que ninguém, para o
futuro, ouse atacar a fama alheia em vossa presença.
E a caridade exige que tomeis a defesa da pessoa de
quem se murmura, quando vos for possível.
Esposa
minha, diz o Senhor, eu quero que vossos lábios
sejam como uma fita vermelha: isto é, segundo explica
S. Gregório Nysseno, sejam vossas palavras
abrasadas de caridade de modo que ocultem os defeitos
alheios, quanto possível; ou, ao menos escusem
a intenção, se for impossível desculpar a ação,
acrescenta S. Bernardo. — Como refere Surio, o
abade Constavel era chamado Capa dos Irmãos,
porque este bom monge, quando ouvia falar dos defeitos
do próximo, procurava meios de ocultá-los. —
O mesmo se narra de Sta. Teresa, dizendo suas religiosas
que, onde estava a santa, tinham certeza de
que não lhes cortavam na pele, porque sabiam que
ela as defendia
Neste mundo não há pessoa alguma, por mais
virtuosa que seja, que não tenha seus defeitos.
Quantos não tendes vós, e quereis que as outras vos
tratem com caridade e compaixão. É, pois, necessário que tenhais também caridade com as outras, e
vos compadeçais das suas misérias e imperfeições,
segundo exorta o Apóstolo: Auxiliai-vos uns aos outros.
— Vede com que paciência sofrem as mães as
travessuras dos filhos: e porque? Porque os amam.
Pelo mesmo sinal se reconhecerá se amais as vossas
irmãs com caridade verdadeira, amor que sendo sobrenatural, deve ser mais forte do que o amor natural.
Com que caridade nosso divino Salvador não suportou
as grosserias e imperfeições de seus discípulos
durante todo o tempo, que com eles viveu? Com
quanta caridade não suportou Judas, chegando até a
lavar-lhe os pés para enternecê-lo?
Mas para que falar de outros? Falemos de vós
mesmas. Com que paciência o Senhor não vos tolerou
até agora? e vós não quereis sofrer as vossas
irmãs? — O médico detesta a enfermidade, mas estremece
o enfermo; e assim vós, se tendes caridade,
deveis aborrecer os defeitos, mas ao mesmo tempo
deveis amar as pessoas que os cometem.
Santo Afonso de Ligório, A Verdadeira Esposa de Cristo.
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