sexta-feira, 21 de agosto de 2015

Sobre as mortificações do tato - Santo Afonso de Ligório

(É importante frisar que tal texto foi retirado do livro A Verdadeira Esposa de Cristo, onde o santo escreve um guia para as religiosas. As mortificações a seguir, para ser praticadas por seculares, é necessário a consulta e permissão de um diretor espiritual.)

Elas se reduzem a quatro, a saber: os jejuns, os cilícios, as disciplinas e as vigílias.

1. Quanto aos jejuns, já temos falado bastante no 
parágrafo precedente. 

2. Os cilícios são de várias espécies. Há uns que se fazem de crina ou de sedas de porco, mas podem ser nocivos às pessoas de compleição delicada porque, como com razão diz o padre Scaramelli, inflamam a carne, e, afastando o calor natural do estômago, o enfraquecem. Outros cilícios são feitos de fios de ferro ou de latão, em forma de cadeias, e são menos nocivos à saúde. Trazem-se nos braços, nas coxas e nas espáduas, porque, no peito e na cintura, poderia fazer mal. Estes são os cilícios usados ordinariamente, e podem servir para qualquer pessoa, sem receito de dano algum. Os santos usaram de cilícios muito mais rigorosos. Santa Carrilho, penitente do B. João de Ávila, trazia um cilício de crina, que ia desde o pescoço até os joelhos. S. Rosa também usada um longo cilício entretecido de agulhas, com uma grande cadeia de ferros sobre os rins. S. Pedro de Alcântara trazia nas costas uma enorme placa de ferro crivada em forma de ralo que lhe dilacerava as carnes. Não seria pois maravilha, que cada uma de vós trouxesse ao menos uma cadeiazinha de ferro desde manhã até o jantar. 


3. — 3. A disciplina é uma mortificação muito apreciada por S. Francisco de Salles, e praticada geralmente em todas as comunidades religiosas de ambos os sexos. Não há santo, ao menos entre os modernos, que não tenha feito grande uso das disciplinas. Conta-se particularmente de S. Luiz Gonzaga que se flagelava com freqüência, até derramar sangue, três vezes por dia; e já no fim da vida, não tendo mais força para se açoitar, por suas próprias mãos, pediu ao padre provincial, que o fizesse disciplinar por outrem, das pontas dos pés até a cabeça. Não seria, pois, ainda coisa maravilhosa que cada uma de vós tomasse disciplina uma vez ao dia, ou ao menos três ou quatro vezes por semana; mas sempre, está entendido, com permissão do vosso diretor. 

4. — 4. Enfim, as vigílias consistem na privação de uma parte do sono. Lê-se na vida de Sta. Rosa de Lima, que a santa para passar as noites em oração, ligava os cabelos em um prego fixado na parede, a- fim de que, quando inclinasse a cabeça oprimida do sono, fosse obrigada a despertar, pela dor que senti- a. Lê-se também de S. Pedro de Alcântara, que, pelo espaço de quarenta anos, só dormiu uma hora, ou quando muito hora e meia, por noite; e para que o sono o não traísse, dormia com a cabeça apoiada em um pedaço de madeira fixo no muro da cela. Estas vigílias não devem ser praticadas sem uma graça es- pecial; e eu digo que a mortificação do sono deve ser muito discreta e moderada; porque, quando não dor- me bastante, ordinariamente a pessoa torna-se incapaz ou menos apta para os exercícios de espírito, como o ofício divino, a oração e a leitura espiritual. Assim acontecia a S. Carlos Borromeu, que, depois de longas vigílias, era às vezes vencido do sono durante o dia, a ponto de adormecer até no correr das cerimônias públicas: pelo que resolveu tomar um pouco mais de repouso durante a noite. Deve-se, entretanto, observar que não é necessário nem conveniente às pessoas espirituais dar ao seu corpo todo o descanso que deseja, como fazem os animais, que não cessam de dormir senão quando não tem mais sono. É preciso, pois, tomar o repouso necessário, e nada mais. Geralmente as mulheres podem contentar-se com menos sono do que os homens; de ordinário bastam-lhes cinco, ou quanto muito seis horas de repouso. Eu vos peço, ao menos, boas irmãs, sê-de exatas em levantar-vos de manhã, logo que ouvirdes o sinal de despertar, sem demorar como fazem algumas, em voltar e tornar a voltar de um lado para o outro, na cama, por algum tempo. Dizia Sta. Teresa que a religiosa logo ao primeiro toque da campainha deve saltar do leito. 

5. — Os santos, não satisfeitos com se privarem do sono, usaram de muitas mortificações mesmo quando dormiam. — S. Luiz Gonzaga punha no leito, entre os lençóis, pedaços de madeira e pedras. — Sta. Rosa de Lima deitava-se sobre troncos de árvores unidos uns aos outros, enchendo os intervalos com cacos de telha. — A venerável Sóror Maria Crucifixa de Sicília, para dormir, se servia de um travesseiro de espinhos. 
A respeito destas penitências, repito o que disse mais acima; são extraordinárias e não convém a todas as pessoas; mas é necessário que nenhuma religiosa procura delicadezas no leito. Se a alguma basta uma esteira ou um enxergão para dormir, para que ir procurar um colchão? ou ao menos, se lhe basta um colchão, para que buscar dois? 

6. — Faz parte da mortificação do tato o sofrer com paciência os rigores das estações, o calor e o frio. S. Pedro de Alcântara andava sempre de pés descalços e cabeça descoberta, em qualquer esta- ção, e, mesmo no inverno, vestia-se apenas com uma túnica andrajosa. — Vós não podeis fazer outro tanto; mas não seria demais abster-vos, no inverno, de chegar-vos ao fogo, como praticava S. Luiz Gon- zaga, embora residisse na Lombardia que é uma região muito fria. Ao menos podereis fazer tal mortificação algum dia da semana. Em todo o caso, suportai 
com calma e paciência o calor e o frio, como vindos das mãos de Deus. S. Francisco de Borgia chegou uma vez, tarde demais, à porta de um Colégio da Companhia, e achando-a fechada, foi obrigado a ficar toda a noite exposto ao frio e a neve que caía. No dia seguinte, afligindo-se os religiosos pelo que tinha sofrido, o Santo lhes respondeu: “Seu meu corpo padeceu, minha alma foi bem consolada; porque eu pensava que Deus se comprazia de assim me ver sofrer o frio e que ele mesmo, do alto dos céus, me atirava com suas próprias mãos todos aqueles flocos de neve”.

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