“As lutas com o demônio, diz Catarina Lassagne, tornaram o Pe. Vianney caritativo e desinteressado”.
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Ora, no silêncio duma noite ouviram-se pancadas e gritos no pátio da casa paroquial. Seriam acaso ladrões que cobiçavam os preciosos presentes do visconde de Ars, guardados num cofre no sótão? O Pe. Vianney desceu às pressas e não viu nada. Contudo, nas noites seguintes, receou ficar só.
– “Depois de muitos dias, contou André Verchere, carvoeiro da vila, jovem de 28 anos, robusto e galhardo, que o Pe. Vianney ouvia em sua casa um ruído extraordinário, uma tarde veio ao meu encontro e me disse: „Não sei se são ladrões... Queres dormir na casa paroquial?‟
– Com muito gosto, Sr. Cura. Vou carregar o meu fuzil‟. Chegada a noite, dirigi-me à casa canônica. Conversei com o Sr. Cura, junto ao fogão, até pela volta das dez. Então me disse ele: "Vamos dormir". Cedeu-me seu quarto e ele ocupou o contíguo. Eu não podia dormir. A uma hora ouvi sacudir com violência o ferrolho e a tranca da porta que dava para o pátio. Simultaneamente, contra a mesma porta ressoavam pancadas de maça, enquanto a casa se enchia de um ruído atordoador como de várias carroças. Tomei o fuzil e me precipitei para a janela, que abri com violência. Olhei e não vi nada. A casa estremeceu por um quarto de hora. Minhas pernas fizeram o mesmo, e disso me ressenti por espaço de 8 dias. Quando o estrépito começou, o Sr. Cura acendeu uma lâmpada e veio ter comigo.
– Ouviste alguma coisa? Perguntou-me.
– Sim. Pois não vê Vossa Reverendíssima que me levantei e estou com o fuzil? A casa estremecia como se a terra tremesse.
– Tens medo? Perguntou-me ainda o Sr. Cura.
– Não; não tenho medo, porém sinto que me faltam as pernas. A casa vai desabar.
– Que pensas ser isso?
– Creio ser o diabo [respondeu o guarda].
Quando cessou o barulho, voltamos para a cama. O Sr. Cura na noite seguinte pediu-me ficasse com ele novamente. "Sr. Cura, respondi-lhe, já levei susto que chega‟”.
(...) Diante da negativa do carroceiro, o Sr. Cura dirigiu-se ao burgomestre, o qual mandou à casa paroquial seu filho Antônio, bom rapaz de 26 anos e aquém deu por companheiro de armas João Cotton, jardineiro do castelo de Ars, dois anos mais velho do que ele. Depois da oração da noite foram para a casa paroquial, onde dormiram umas doze noites. “Não ouvimos nenhum ruído, diz João Cotton. Não assim o Sr. Cura, que dormia no quarto vizinho. Mais de uma vez o seu sono foi perturbado e então nos perguntava: -"Meninos, não ouvistes alguma coisa?‟ "Não;" respondíamos. Nenhum ruído chegou até nós. Apesar disso, por um momento, percebi um som semelhante ao que se produz na lâmina de uma faca cortando rapidamente a água numa vasilha. Tínhamos colocado os nossos relógios junto ao espelho do quarto. "Estou admirado, disse-nos o Sr. Cura, que os vossos relógios não estejam feitos em pedaços".
Muitos outros jovens, ente eles Edemo Scipiot, administrador do castelo, puseram-se de sentinela no campanário. Tão pouco eles ouviram ruído algum que lhes causasse suspeitas. Somente, conforme diz Madalena Scipiot, filha de Edemo, “eles viram, certa noite, uma como língua de fogo que se precipitava sobre a casa canônica”.
Donde pois procediam os ruídos misteriosos? O Pe. Vianney intranqüilo, porém prudente, ainda não ousava emitir a sua opinião. Uma noite em que a neve cobria o solo, ressoaram gritos no pátio. “Era como um exército de austríacos ou de cossacos que confusamente falasse uma língua que não se entende”. O Cura d‟Ars abriu a porta. Ao pálido reflexo da neve, que mesmo nas noites sem luar costuma alumiar fracamente, não viu rasto de ninguém. Não havia lugar para dúvidas. Não se tratava de vozes humanas; tão pouco era coisa angélica ou divina, mas qualquer coisa de horrível e de infernal. Além disso, os calafrios de medo que sentia não revelavam a presença do misterioso personagem? “Achei que era o demônio porque tive medo, dizia mais tarde a Mons. Devie; Deus não assusta ninguém”. Convencido pois de que nem paus ou fuzis poderiam alguma coisa contra o inimigo, “despediu os guardas e ficou só no combate”.
Com efeito, foi uma verdadeira batalha. E para sustentá-la, o Pe. Vianney não tinha mais recursos que a paciência e a oração. “Perguntei-lhe uma vez, refere seu confessor, como repelia tais ataques. Respondeu-me: "Volto-me para Deus, faço o sinal da Cruz e digo algumas palavras de desprezo ao demônio. Além disso, noto que o barulho é muito maior e que os assaltos se multiplicam quando, no dia seguinte, vem algum grande pecador". Essa averiguação muito o consolava nas suas insônias. “A princípio tinha medo, dizia confidencialmente ao Sr. Mermod, um de seus melhores amigos, mas agora estou contente. É muito bom sinal; a pesca do dia seguinte é sempre excelente”. O grappin (demônio) é tolo. Ele mesmo anuncia a conversão de grandes pecadores. “Está furioso... Tanto melhor”.
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